Intenção dos EUA de combater crime não está em discussão, diz chefe da OEA sobre ação na Venezuela

Uma image de notas de 20 reais

Imagem gerada por IA

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Albert Ramdin se equilibra sobre uma linha tênue desde que, em março, foi eleito secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos) para um mandato de cinco anos.

De um lado, ele adotou uma postura mais discreta do que seu antecessor, o uruguaio Luis Almagro, cuja gestão dividiu opiniões por uma postura antichavista que lhe rendeu elogios da direita e alienou governos de esquerda.

Por outro, o ambiente altamente polarizado no continente –e a agressiva política de Donald Trump para as Américas, principalmente com os bombardeios de barcos na costa venezuelana– torna cada vez mais difícil administrar as tensões numa organização multilateral. Não por acaso, a Cúpula das Américas prevista para ocorrer na República Dominicana, em dezembro, foi adiada.

Nesta entrevista, concedida dias antes de uma visita oficial a Brasília, Ramdin evita choques diretos com os EUA de Trump sobre a mobilização militar contra o regime de Nicolás Maduro, mas diz que uma política de deportação de migrantes que não olhe para as causas dos deslocamentos forçados no continente não resolve o problema.

“Vamos precisar que todos reflitam sobre o futuro das Américas –um futuro que pode ser muito positivo. Ou, se seguirmos outro caminho, pode ser muito negativo e destrutivo”, afirma o secretário-geral

*

*Folha – O sr. chegou à OEA pela primeira vez em 1997, como representante do Suriname. O que mudou na organização e nos desafios do continente daquela época para hoje?*

*Albert Ramdin -* Os objetivos fundadores da OEA –em termos de democracia, paz, segurança, desenvolvimento e direitos humanos– não mudaram. Eles continuam tão importantes quanto eram em 1948 [quando a organização foi fundada].

O que mudou são as circunstâncias no nosso hemisfério, que são determinadas por clima político, lideranças, economia e impacto da tecnologia.

O que evoluiu ao longo do tempo é a necessidade maior de colaborar uns com os outros. A maioria dos temas com os quais lidamos nas Américas de hoje, como migração, crime organizado, coesão social e pobreza, têm natureza transfronteiriça.

Precisamos criar uma agenda que enfrente essas questões. Simplesmente deportar pessoas, retirar migrantes indocumentados é um direito dos países, com base em sua legislação nacional. Mas isso não resolve os problemas, porque a questão é muito mais de segurança e de desenvolvimento.

*Folha – Os EUA fazem uma grande mobilização militar próxima à Venezuela e têm explodido barcos que, segundo eles, transportam drogas. Essas ações violam do direito internacional?*

*Albert Ramdin -* O crime organizado transnacional e o tráfico ilegal de drogas criaram desafios enormes para todos os países do hemisfério. Isso não pode continuar. Você não ouvirá, nas Américas, ninguém se opondo ao combate ao crime organizado transnacional. Portanto, a intenção dos EUA de combater o crime organizado transnacional não está em discussão.

A questão é se a forma como isso está sendo conduzido está de acordo com o direito internacional. Não vou dizer nada além disso, porque quero ouvir os estados membros [da OEA] que, acredito, irão levantar esse tema no Conselho Permanente [da entidade]. Certamente, algumas pessoas acreditam que o direito internacional não está sendo seguido.

*Folha – O sr. se refere ao pedido da Colômbia para que o Conselho Permanente da OEA debata o “combate ao crime organizado transnacional e respeito aos direitos humanos”. Mas a ação militar dos EUA já dura meses. Os países da região evitam tratar do tema por medo de Trump?*

*Albert Ramdin -* Eu não quero especular sobre os motivos pelos quais os Estados-membros não levaram isso ao Conselho Permanente. Tenho certeza de que houve discussões de forma informal.

*Folha – Existe uma nova doutrina Monroe dos EUA para as Américas?*

*Albert Ramdin -* O continente americano do século 19 era diferente do de hoje. Naquele período, muitos países ainda estavam sob poder colonial. O nível de desenvolvimento de muitos países não era o que é hoje. Não podemos aplicar o mesmo pensamento.

Nas Américas de hoje, temos 35 países independentes. Avançamos muito em termos de democratização. Pode não ser tão forte quanto gostaríamos, mas o avanço rumo a democracias mais sólidas é uma noção aceita nas Américas.

Há cinco membros do G20 nas Américas. Temos os EUA que, como um dos mais ricos do planeta, certamente desempenha um papel importante. Mas, em sua relação com outros membros do G20, como Brasil, México, Canadá e Argentina, já configura um mundo diferente do de antigamente.

*Folha – Os EUA cortaram financiamento de projetos da OEA. Trump tem ameaçado asfixiar a entidade para pressionar por uma agenda política?*

*Albert Ramdin -* Houve um momento, há alguns meses, em que sentimos esse tipo de pressão sobre a possibilidade de que os EUA não contribuíriam para a OEA tanto quanto deveriam. Fizemos muito trabalho nos bastidores, além de conversas construtivas no Departamento de Estado, na Casa Branca e também no Congresso. Vemos claramente uma mudança em relação à OEA. Eles ainda não pagaram o valor total [do orçamento regular], mas existe a promessa de que o farão antes do fim do ano.

Entendemos que nosso orçamento para o próximo ano será igual ao atual. Isso significa que a OEA não será afetada.

Devo dizer que, na OEA, precisamos pensar sobre como vamos financiar a instituição daqui para frente. Ser dependente de um único país para quase metade do orçamento não é uma boa situação.

*Folha – Países como Brasil e México deveriam pagar mais?*

*Albert Ramdin -* Não quero me antecipar à discussão sobre cotas, é uma ferramenta negociada entre os Estados-membros. Mas acredito que, se todos compartilharmos o entendimento de que a OEA deve ser a plataforma para o diálogo multilateral, devemos estar abertos a discutir também de que maneira contribuímos para organização.

O sr. disse em entrevista recente que o continente atravessa um dos momentos de maior polarização política na história. Como isso afeta a OEA? Este é realmente um dos contextos mais polarizados. Eu acredito que temos lideranças políticas responsáveis nas Américas, mas é importante que elas vejam o benefício de trabalhar em conjunto.

O que precisamos fazer é desenvolver uma nova agenda para as Américas, que unifique o hemisfério. Temos nos concentrado em questões que criam divisão.

Eu me concentro fortemente em paz e prosperidade. Tenho uma perspectiva positiva para o hemisfério. Não será fácil, sou realista. Vamos precisar que todos reflitam sobre o futuro das Américas –um futuro que pode ser muito positivo. Ou, se seguirmos outro caminho, pode ser muito negativo e destrutivo.

*Folha – A Nicarágua se retirou da OEA e a Venezuela tem um status indefinido. O sr. defende a reincorporação desses países?*

*Albert Ramdin -* O ideal é que a OEA tenha 35 países. Lamento que um um país, a Nicarágua, tenha decidido deixar a organização. A Venezuela ainda está por ver se continua ou não. Isso é uma questão jurídica, mas, politicamente falando, eles não sentem que são membros. Cuba é membro, mas não ativo.

Precisamos criar circunstâncias em que todos os países se sintam confortáveis para sentar à mesa da OEA, que se sintam respeitados, que suas vozes sejam ouvidas –concordemos com eles ou não.

*Folha – O sr. considera que a Venezuela sob Maduro reúne as condições para voltar?*

*Albert Ramdin -* Retirar-se é uma decisão soberana de um Estado-membro. Reingressar também é uma decisão soberana. Não cabe ao secretário-geral determinar isso.

*Folha – Como vê o papel do Brasil hoje na OEA?

*Albert Ramdin -* O Brasil é um ator importante nas Américas. Não apenas porque é um país grande, uma grande economia, mas também por suas perspectivas sobre o interamericanismo e seu papel histórico nesse sentido. O Brasil já teve um dos secretários-gerais mais eficazes da história da OEA, João Baena Soares.

A política externa do Brasil é reconhecida por ser ao mesmo tempo muito proativa, ponderada e equilibrada. Portanto, acredito que o papel que o Brasil pode desempenhar no hemisfério é importante, inclusive de liderança.

*RAIO-X | Albert Ramdin, 67*

Nasceu em 1958 no Suriname. Estudou em Paramaribo e em Amsterdã, onde se especializou em problemas econômicos e sociais no Caribe e na América Latina. Retornou ao Suriname em 1993 e, nos anos seguintes, assessorou diferentes ministérios. Em 1997, foi designado representante do Suriname na OEA, organização na qual também exerceu a função de secretário-geral a djunto (2005-2015). Em 2020, foi indicado ministro das Relações Exteriores de seu país, cargo que ocupou até sua eleição para chefiar a OEA.

Voltar ao topo