BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – A tríade “Memória, Verdade e Justiça”, para os argentinos, vai além dos movimentos de redemocratização. Ela dá nome a um feriado nacional em 24 de março, para marcar o aniversário do golpe de Estado em 1976, mas também está nas obras de arte da estação de metrô que homenageiam as vítimas do atentado terrorista à Amia (Associação Mutual Israelita-Argentina), em 18 de julho de 1994.
Na manhã daquela segunda-feira, um carro-bomba atingiu o prédio da entidade judaica, na rua Pasteur, no coração do Once a parte do bairro de Balvanera que historicamente abrigou comerciantes e moradores da comunidade judaica. Dois anos antes, a Embaixada de Israel em Buenos Aires também tinha sido alvo de terroristas.
As investigações são repletas de irregularidades. Em 2024, a Justiça do país identificou o Irã como mandante dos dois atentados. As explosões de carros-bombas que deixaram um total de 114 mortos, sendo 85 na Amia, foram perpetradas pelo Hezbollah, grupo xiita libanês aliado a Teerã, segundo os juízes.
Trinta e um anos depois do ataque à associação, sob o lema “A impunidade continua, o terrorismo também”, a comunidade judaica preparou um ato de repúdio nesta sexta (18), com presença do presidente Javier Milei. A cerimônia começou às 9h53, no horário e local da explosão, há mais de três décadas.
“Em cada ato dizemos claramente que o Irã é o maior responsável pelo atentado que matou 85 inocentes e deixou mais de 300 feridos. A Justiça determinou a responsabilidade das principais autoridades iranianas no planejamento e na execução do atentado, mediante seu braço armado, o Hezbollah”, disse o presidente da Amia, Osvaldo Armoza. “O apoio do governo nacional a Israel, especialmente em um momento tão dramático, é um exemplo digno de ser reconhecido.”
Armoza também pediu ao governo Milei que tome medidas concretas junto aos países da região para impedir a infiltração do Irã. “É crucial aprender com o passado: que nossas autoridades tomem medidas para que isso nunca aconteça novamente. O terrorismo está mais ativo do que nunca”, disse ele. “Continuamos preocupados com a infiltração iraniana na América Latina, que está se expandindo na ausência de uma resposta séria e firme dos governos regionais.”
A multidão segurava cartazes com fotos das vítimas e fez um minuto de silêncio quando as sirenes tocaram. As imediações tiveram o trânsito interrompido e a segurança ainda mais reforçada, no contexto da guerra no Oriente Médio. Milei não discursou, mas, ao chegar ao evento, disse à imprensa que “não irá descansar até que se faça justiça”.
“Não podemos circular por algumas ruas ou abrir as nossas lojas nas manhãs de 18 de julho devido às homenagens, mas não reclamo. É preciso manter a memória do terror viva para que não aconteça de novo”, diz o vendedor Ariel Seik, 45.
A estação de metrô na esquina da rua Pasteur com a avenida Corrientes virou um memorial da tragédia. Foi renomeada para Pasteur-Amia em 2015 e, desde então, quadrinhos, ilustrações, murais e fotografias de 25 artistas locais ilustram as paredes das plataformas. Um relógio marca o dia e hora da explosão. O local tem, ainda, um espaço com retratos e nomes das vítimas e uma máquina de escrever destruída, além de cartas escritas por familiares e amigos.
A memória do atentado também está fresca em séries e filmes. Ele aparece, mais recentemente, em meio às conspirações palacianas da série “Menem”, com Leonardo Sbaraglia no papel do presidente da Argentina na época; é o mote da segunda temporada de “O Fim do Amor”, série baseada no livro de Tamara Tenenbaum, filha de uma das vítimas da explosão na Amia; é contada sob um ponto de vista inusitado em “Iosi: O Espião Arrependido”, dirigido por Daniel Burman, que cresceu no Once.
O trauma não está apenas nas telas. Visitar a Amia hoje pode ser mais complexo do que tomar um avião. O acesso é controlado, a documentação é checada, o visitante passa por máquinas de raio-X e só pode atravessar as portas blindadas após uma segunda liberação. O interior do prédio guarda símbolos religiosos e retratos de filhos que não conheceram seus pais, de encontros familiares com alguém faltando.
Até quarta-feira (16), o teatro da associação judaica apresentou a peça “A Cadeira Vazia”, encenada por quatro familiares de vítimas, que não são atores profissionais, como Jennifer Dubin, que perdeu seu pai, Norberto, quando ela ainda era criança. “Se me convidam para falar sobre o atentado, eu respondo que sim. Sempre repito que a memória é como um recipiente para guardar a justiça.”