Alessandra Almeida, da Avalara: "Ter mais mulheres na tecnologia é essencial em meio à distorção de representação"

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Baixa presença feminina na área de TI é problema global
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  • "Na Avalara temos cerca de 40% a 60% de mulheres, dependendo do departamento. Mas quando olhamos para a área de tecnologia, cai para 30%"
  • "O que leva mulheres a se afastar da área é a ideia de que TI é só matemática e um campo apenas masculino, ou que elas não terão oportunidades adequadas. São mitos"
Por Bruna Galati

O setor de tecnologia no Brasil ainda reflete uma profunda desigualdade de gênero. De acordo com pesquisa da Serasa Experian sobre uma base de 93,3 milhões de mulheres, apenas 69,8 mil (0,07%) atuam em Tecnologia da Informação (TI). Essa proporção é significativamente menor em comparação aos homens: 0,33% dos 92,4 milhões de brasileiros da mesma base, o que dá cerca de 305 mil profissionais. O problema nem é exclusivamente nacional. Segundo o relatório Igualdade de Gênero e Transformação Digital, feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), na última década, “em todos os países da OCDE, a porcentagem de homens atuando como especialistas em TI é de três a oito vezes maior do que a de mulheres”. Essa discrepância mostra a urgência de promover a inclusão feminina no setor, especialmente em áreas com alta demanda por profissionais qualificados – relatório do Google, de 2023, prevê que o mercado brasileiro terá um déficit de 530 mil profissionais de TI até 2025. Alessandra Almeida, 53 anos, é diretora-geral Latam da Avalara – multinacional de soluções fiscais em nuvem presente em mais de 75 países. Com mais de 35 anos na área de tecnologia, ela tem em sua gestão estratégias para incluir o universo feminino nesse mercado. “A ideia não é apenas criar vagas para mulheres, mas prepará-las para enfrentar desafios profissionais e desenvolver suas habilidades”, disse à DC NEWS. A seguir, trechos de sua entrevista.

DC NEWS – De onde veio seu interesse por tecnologia?
Alessandra Almeida –
Minha mãe foi sempre muito presente na nossa educação e vejo o quanto ela estava à frente de seu tempo. Lembro de uma foto dela, quando eu tinha uns 9 anos, em que ela participava de um comitê lutando contra a poluição de uma fábrica. Quando terminei o ensino fundamental, minha mãe foi direta e disse que precisávamos decidir sobre meu futuro. Queria ser médica, mas vim de uma família humilde e precisava continuar trabalhando para ajudar em casa. Minha mãe sugeriu que eu olhasse para a área de tecnologia, algo inovador na época. Por isso optei. 

DCN – E como foi essa escolha no início? 
Alessandra – Diferentemente de hoje, o foco na escolha da profissão era mais na capacidade de sustento do que na felicidade pessoal. Então, iniciei meus estudos em tecnologia, fiz ensino médio técnico na Fundação Bradesco [na segunda metade dos anos 1980], ainda com dúvidas. Lembro de conversar com meus professores, que sempre me incentivaram a persistir, ressaltando que muitos alunos tinham as mesmas dúvidas no início.

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DCN – Havia mais mulheres na turma? 
Alessandra – Era composta por 50 alunos, e apenas dez mulheres.

DCN – Um cenário muito parecido ao de hoje…
Alessandra –
Um reflexo de uma área dominada por homens. Muitas vezes, nós, mulheres, nos questionávamos sobre nossa presença ali e se realmente tínhamos aptidão para a área. Com o tempo, fui ganhando confiança e me tornando mais analítica, algo pelo qual sou grata à tecnologia, pois ela me ajudou a desenvolver essas habilidades. Das dez mulheres da minha turma, todas concluíram o curso. 

DCN – Durante sua carreira, quais foram os maiores desafios? 
Alessandra – Os desafios mudaram com o tempo. Quando comecei, lembro que alguns achavam curioso que eu não me sentia discriminada pelos homens. Talvez porque sou muito focada e me concentro em contribuir e falar o que acho que faz sentido. Sempre me senti à vontade para dar minha opinião. Curiosamente, no início senti um pouco mais de resistência de algumas mulheres que não atuavam na área de tecnologia. Hoje, vejo uma realidade bem diferente: as mulheres colaboram e se ajudam muito mais. Desafios maiores vieram conforme fui crescendo na carreira e me preparando para uma posição executiva. 

DCN – Quais habilidades você precisou desenvolver para assumir uma posição executiva?
Alessandra – Não basta só entender da sua área. É preciso também saber sobre finanças, modelos de negócio, e buscar sempre o desenvolvimento pessoal. Além disso, o autoconhecimento foi essencial, pois naturalmente mulheres tendem a questionar as suas capacidades. No meu caso, a confiança aumentou com o tempo e, com isso, também a autenticidade. Isso fez uma grande diferença na minha trajetória e em como encarar novos desafios.

DCN – Quais são as estratégias da Avalara para atrair e manter mulheres no setor de tecnologia?
Alessandra –
Uma das iniciativas mais legais que fazemos é investir em grupos de apoio focados em diversidade. Por exemplo, temos grupos voltados a colaboradores remotos, à comunidade LGBTQIA+ e um grupo específico para mulheres chamado Women of Avalara (WOA). Esse grupo existe em todos os países onde estamos e segue três pilares principais para apoiar as mulheres.

DCN – Quais pilares?
Alessandra – Educação é o primeiro. A ideia não é apenas criar vagas para mulheres, mas prepará-las para enfrentar desafios profissionais, desenvolvendo suas habilidades e conhecimentos de forma abrangente, não só em temas específicos da empresa. O segundo pilar é o foco na saúde, tanto física quanto mental. Sabemos que, ao longo do tempo, o papel da mulher se expandiu muito e damos atenção a essa necessidade de equilíbrio. O terceiro pilar são as ações sociais voltadas para mulheres. 

DCN – Uma atenção completa…
Alessandra –
Sim. E temos também o nosso programa de mentoria. Ele conecta mulheres que já passaram por certas experiências com aquelas que estão no início de suas carreiras, promovendo uma troca rica de vivências. É mais do que fazer workshops. É uma parceria de verdade em que a mentora ajuda a mentorada a entender e traçar um plano claro de onde ela quer chegar e por quê. O processo é bem estruturado e cada participante sai com metas concretas para atingir seus objetivos.

DCN – Você participa de outras mentorias?
Alessandra – Sim, no projeto Ser Mulher em Tech, criado pela Cecília Marshall. Nesse projeto, ajudamos jovens indecisas sobre a carreira, mulheres que estão em tecnologia e não conseguem crescer e mulheres que querem voltar para a tecnologia depois de se afastar. A ideia é inspirar, apoiar e abrir caminhos para que cada vez mais mulheres entrem e cresçam na área tech.

DCN – Qual é o percentual de mulheres na Avalara no Brasil, especialmente na área de tecnologia?
Alessandra – Na Avalara como um todo, temos cerca de 40% a 60% de mulheres, dependendo do departamento. Por exemplo, na área de conteúdo tributário, a maioria é de mulheres, assim como no RH e no marketing. Mas, quando olhamos especificamente para a área de tecnologia, esse número cai. Temos 30% de mulheres.

DCN – Há mais espaço, então?
Alessandra – Espaço para atrair muito mais, e estamos trabalhando para isso. Temos contratado mais mulheres para as vagas de tecnologia e estamos bem felizes com o progresso. Estamos focando também em atrair talentos de escolas técnicas. 

DCN – Como será essa busca nas escolas técnicas?
Alessandra – A Avalara já mapeou algumas escolas para nossas parceiras, mas queremos começar com um piloto bem planejado em duas instituições. A ideia é mais que só abrir vagas – queremos apresentar o que a Avalara faz e mostrar para meninas que a tecnologia é um campo onde elas podem crescer. Muitos ainda pensam que é necessário ter uma base muito forte em exatas ou matemática, mas, na verdade, lógica é mais importante do que matemática pura. A primeira etapa é desmistificar isso, mostrando que há um mercado de trabalho vasto e diverso. Em uma segunda fase, estamos pensando em oferecer uma matéria eletiva dentro dessas escolas. 

DCN – Qual a importância de levar mais mulheres para a tecnologia?
Alessandra – A primeira questão que eu coloco é por que não temos mais mulheres na tecnologia? Especialmente considerando que, no país, elas são maioria. O que leva as mulheres a se afastar da tecnologia?

DCN – E quais são as conclusões?
Alessandra – Existem várias perspectivas sobre isso: a ideia de que TI é só matemática e a tecnologia é um campo apenas masculino, ou que as mulheres não têm oportunidades adequadas. Esses mitos precisam ser desmistificados. As mulheres têm investido muito em sua educação, com níveis de escolaridade e proficiência em idiomas, superiores aos dos homens. Isso significa que elas podem contribuir para o mercado de trabalho. Mas pessoalmente não adoto uma visão separatista. Acredito que tanto homens quanto mulheres têm qualidades distintas e podem se desenvolver em qualquer área que desejem.

DCN – Mas existe a necessidade de uma rede de colaboração entre as mulheres, não?
Alessandra –
A presença delas nesses espaços pode abrir caminho para outras mulheres, o que é essencial, considerando a distorção atual de representação. Precisamos entender e trabalhar para atrair mais mulheres para a tecnologia.

DCN – Que conselho você daria para as jovens mulheres que estão iniciando suas carreiras em tecnologia?
Alessandra – Primeiramente, é importante entender que tecnologia não se resume ao desenvolvimento de software. Esse campo abrange inúmeras áreas, como ciência de dados, cibersegurança, design de interfaces, gestão de produtos, entre inúmeras outras. Então, explore os diferentes ramos e descubra o que mais lhe interessa antes de se especializar. Também sugiro investir na formação, com escolas de boa reputação. Existem várias opções acessíveis, como escolas técnicas. Busque também um mentor ou alguém que possa te orientar tecnicamente. Ter mentoria na área pode ser muito valioso, pois essa pessoa pode ajudar a desenvolver habilidades específicas. Por fim, domine o inglês. Encare o aprendizado de inglês como passo essencial na sua trajetória.

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