SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O ex-banqueiro e fundador do Partido Novo João Amoêdo, que se candidatou a presidente em 2018 e permaneceu como uma das vozes no empresariado em defesa de uma terceira via fora da disputa entre petistas e bolsonaristas, avalia que as eleições de 2026 já estão contaminadas pela polarização, e o episódio do tarifaço de Donald Trump contra os produtos brasileiros nos Estados Unidos consolida este cenário.
Nem o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que é visto como preferência entre muitos empresários para concorrer no ano que vem, nem o de Minas, Romeu Zema (Novo), nem o de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), têm demonstrado capacidade de desvencilhar seus nomes em relação a Bolsonaro, na opinião de Amoêdo.
“[Tarcísio] colocou o boné enaltecendo a vitória do Trump. Nesse episódio novo, ele achou normal a taxação e propôs uma coisa absurda, que era liberar o Bolsonaro para ir negociar com Trump. Essa postura não é de uma liderança, e muito menos de alguém que almeje presidir o país”, afirma.
No lado petista, por sua vez, Amoêdo afirma que Lula não promoveu alguém para substituí-lo nas urnas, que poderia ser o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Para o ex-banqueiro, o pronunciamento do petista nesta quinta-feira foi razoável ao mencionar o supervit comercial dos EUA com os brasileiros, mas ele diz ter receio de que a disputa com Trump seja usada como campanha eleitoral.
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OPERAÇÃO CONTRA BOLSONARO
Acho que faz sentido, inclusive, por causa da última carta do Trump, [endereçada a Bolsonaro, na quinta, dizendo que o processo contra ele deveria terminar imediatamente]. Dá a entender o seguinte: olha, os EUA estão abertos para te receber [Bolsonaro], caso precise de um asilo. E tem o fato de um filho dele já estar lá. Pelo nervosismo que Bolsonaro demonstrou nos últimos dias em entrevistas, acho que ele viu que a probabilidade de prisão cresceu. Assim, uma tentativa de fuga não é descartada. E o Eduardo Bolsonaro, desde que foi para os EUA, ficou cavando narrativas contra o país. É surreal. Ele é deputado federal e está no exterior divulgando narrativas, a maioria falsas, e colocando o Brasil, do ponto de vista econômico, em situação delicada. Resultou nas taxações e depois nessa investigação comercial dos EUA contra o Brasil.
TERCEIRA VIA E POLARIZAÇÃO
Antes de tudo isso, há alguns meses, eu já não tinha expectativa de que em 2026 teríamos uma terceira via. Vamos continuar nessa polarização entre bolsonarismo e petismo. Lula não promoveu alguém que pudesse ser um substituto dele, que poderia ser o Haddad. Fez o contrário: Haddad foi perdendo força no ministério, tendo derrotas pelo próprio governo, que foi atrapalhando.
E do outro lado, no que se está chamando de direita do campo liberal, o que se viu foi alguns governadores totalmente submissos a Bolsonaro, indo em passeata com ele, dizendo que a investigação de tentativa de golpe é perseguição. Eles se mostram mais favoráveis a Bolsonaro do que ao Brasil. Já não tiveram preocupação em defender as instituições, pelo contrário, estão sempre criticando o Supremo.
E agora, nesse episódio da taxação, todos eles deveriam ter condenado a intervenção externa em questões soberanas no Brasil, no Judiciário, e em instituições brasileiras. O governador de Minas, Romeu Zema, veio com a história de que o Brasil tinha que atender as demandas do cliente, colocando os EUA como cliente. Não existe isso, porque o Brasil compra muito mais do que vende. Os EUA não são os clientes. São as empresas e pessoas físicas que são clientes de um ou de outro.
MOVIMENTAÇÃO DE TARCÍSIO
Muito ruim. Primeiro, lá atrás, ele colocou o boné enaltecendo a vitória do Trump. Nesse episódio novo, ele achou normal a taxação e propôs uma coisa absurda, que era liberar o Bolsonaro para ir negociar com Trump. Bolsonaro é um ex-presidente, que não tem nenhum cargo atual no governo e que está sendo investigado. Essa postura [de Tarcísio] não é de uma liderança, e muito menos de alguém que almeje presidir o país. Em vez de dizer que a intervenção externa é um absurdo e que é preciso preservar a soberania brasileira, ele ficou tentando dizer que isso é culpa do Lula.
Não cabe nem discutir, na minha avaliação, de quem é culpa, mas não faz sentido justificarmos uma interferência em questões internas do país. Então, mais uma vez, ele mostrou que tem uma postura oportunista de buscar os votos do Bolsonaro e coloca as instituições brasileiras em segundo plano.
PAPEL DE CAIADO
[Caiado] Também veio com história de que Lula não tinha representatividade. Pode-se gostar do Lula ou detestar, mas alguém que é presidente eleito, é óbvio, tem representatividade para falar.
Tivemos, de quebra, os dois filhos do Bolsonaro, o Flávio, dizendo que o Brasil deveria fazer anistia, e o Eduardo ficando feliz com toda a situação. Então, todas as pessoas que almejam a Presidência do lado da direita, e do que eles dizem ser direita liberal, saíram desgastadas. Enfraqueceram. As pesquisas recentes mostram melhora na aprovação de Lula.
Continuamos com o cenário polarizado. Acho que não sai disso por duas coisas: primeiro porque boa parte da população tem tratado os políticos como ídolos, como mitos, em vez de cobrá-los. Isso acontece tanto do lado de Lula como de Bolsonaro.
E o segundo ponto é que, infelizmente, tem uma total falta de lideranças no Brasil hoje. Quando eu fico tentando pensar em nomes, quem é que se posicionou? Quem se vê como uma liderança que pudesse confrontar um ou outro, independentemente de ter votos? Acho que em 2026 vamos repetir 2022. E agora com esses episódios, isso fica mais consolidado.
ECONOMIA NO GOVERNO LULA
Nunca criei expectativas porque eu entendi que o PT tinha ideias retrógradas, que não deram certo. A economia foi pior do que o esperado, porque Lula partiu para uma postura mais populista ainda neste governo. No início, com o ataque contra o Banco Central [na gestão de Roberto Campos Neto], depois nessa defesa de que precisamos gastar, porque é tudo investimento. As contas públicas foram muito deterioradas.
Estamos com um cenário econômico pior, e Haddad, quando tentou trazer algumas coisas, não conseguiu aprovar. Lula foi se enfraquecendo, e temos um Congresso pior do que tínhamos. Quando falam que não querem mais aumentar imposto para a população, eu acho que é só discurso, porque no mesmo momento que dizem isso, eles querem aumentar o número de deputados. Se o Congresso estivesse preocupado com a responsabilidade fiscal, teria passado alguns projetos de redução de despesas e benefícios fiscais. É uma queda de braço, aproveitando um governo fraco, para obter mais privilégios para si mesmos.
E o fato de Lula não ter dado ao Haddad o mesmo apoio que teve o [ex-ministro Antonio] Palocci lá atrás fez com que a gente tivesse resultados piores na economia. Vai terminar um governo em que o único legado de Lula foi ter impedido a reeleição de Bolsonaro.
PRONUNCIAMENTO DE LULA SOBRE TARIFAS
A armadilha em que não podemos cair é de que comece a usar isso muito como campanha eleitoral com ataques contra o presidente americano. No geral, não achei ruim. Foi razoável, explicou do superávit. O que faltou foi dizer quais alternativas o Brasil está buscando para resolver. Mas eu tenho preocupação de que ele passe a usar essa disputa com Trump como campanha.
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RAIO-X | JOÃO AMOÊDO, 62
Ex-banqueiro, foi um dos fundadores do partido Novo, em 2011, e se candidatou à Presidência pela legenda em 2018. Ocupou o cargo de presidente da sigla até 2020 e se desfiliou em 2022