SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A publicação de um laudo médico falso às vésperas do primeiro turno por um candidato para relacionar seu oponente ao consumo de cocaína foi o ápice de uma campanha marcada por ataques e violência na disputa pela Prefeitura de São Paulo.
A subida no tom se refletiu também na Justiça Eleitoral, a quem coube julgar uma guerra de pedidos de remoção de conteúdo e direitos de resposta entre os principais postulantes a prefeito da maior capital do país.
Em 2022, apesar de a divulgação de desinformação também ter ocorrido como as de que Lula (PT) fecharia as igrejas e seria ligado ao satanismo, o protagonismo nesse terreno foi da campanha estruturada contra as urnas eletrônicas e a integridade do processo eleitoral, impulsionada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL).
Apesar de não ter tido o mesmo destaque que em anos anteriores, o tema segue sendo um desafio e ainda mostra efeito sobre parte do eleitorado, como ilustrou um post de Pablo Marçal (PRTB) que acabou removido das redes por ordem judicial.
“Se não ganhar, é rolo”, dizia um vídeo postado pelo então candidato, em que ele aparece rodeado de pessoas que gritam “primeiro turno”, mimetizando o discurso de “datapovo” adotado por Bolsonaro em 2022.
Nos comentários, a linha de desconfiança sobre o processo eleitoral aparecia em peso.
No domingo da eleição, por exemplo, o projeto Confia, organizado por entidades da sociedade civil, identificou uma alta em denúncias de desinformação sobre o tema.
Tatiana Dourado, pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital e diretora no Instituto Democracia em Xeque, aponta que o volume de postagens com alegações de fraude não foi significativo até a reta final da campanha. Ela argumenta que o receio de cassação pode ter ajudado a coibir candidatos de promover esse tipo de discurso.
O professor de comunicação da Universidade Federal Fluminense Viktor Chagas, que monitora o WhatsApp, avalia que, apesar de as narrativas conspiratórias seguirem circulando, inclusive contra as urnas, elas possivelmente estão surtindo um efeito mais tímido, ao se olhar o cenário geral, devido ao caráter pulverizado do pleito municipal.
Em declaração recente, a ministra Cármen Lúcia, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) disse que, se no início do ano, a desinformação e a inteligência artificial despontavam como as grandes preocupações, no momento haveria outras consideradas maiores.
Em 2022, o prognóstico era o de que as empresas de tecnologia não tinham adotado regras adequadas para o cenário de risco do Brasil, tampouco atuaram de modo pró-ativo para coibir a campanha de desinformação que insuflou os ataques golpistas de 8 de janeiro. Em reação, e diante da falta de regras do Congresso, a Justiça Eleitoral, não sem ser alvo de críticas, editou regras mais duras contra as plataformas.
Não há dados, porém, que permitam saber efetivamente em que medida elas estão combatendo a desinformação, especialmente diante de eleições locais.
O canal de denúncias do TSE, por exemplo, acaba sendo apenas um indicador residual. Neste ano, segundo a corte, foram recebidos, de junho a setembro, cerca de 3.000 alertas. O TSE não informou, porém, quantos deles foram encaminhados para as redes após triagem, quais eram as categorias e quantos foram removidos.
Nas últimas eleições, de 43 mil denúncias recebidas de junho de 2022 a março de 2023, 68% foram enviadas para as plataformas.
Um dos desafios para entender a dimensão do quanto se avançou ou não no combate a conteúdos nocivos é o acesso a dados, especialmente após retrocessos em ferramentas disponibilizadas pelas plataformas para este fim.
O projeto MonitorA, por exemplo, que pesquisa violência política de gênero contra candidatas, teve que mudar sua metodologia de coleta de dados e não poderá fazer um comparativo com os últimos pleitos.
No contexto da disputa paulistana, as principais ferramentas usadas pelas campanhas foram os pedidos de remoção de conteúdo e os direitos de resposta, que, apesar de serem vistos como importantes pelos partidos, têm efeito limitado, frente à rápida replicação da desinformação nas redes.
Se, de um lado, houve pressão pública para uma atuação pró-ativa das redes em 2022 a respeito das narrativas golpistas que culminaram no 8 de janeiro, quando se trata de ataques contra candidatos, o cenário acaba ficando mais complexo.
Salvo em caso de discurso de ódio, de modo geral, as regras das redes não abarcam ataques à honra tema que já gera bastante discordância na Justiça. Na sexta-feira (4), a postagem de Marçal com o laudo falso contra Boulos, por exemplo, foi removida pelo Instagram por violação à privacidade.
O advogado Francisco Almeida Prado Filho, que representa Boulos, argumenta que o direito de resposta seria importante especialmente por ter um efeito didático.
Um cenário pessimista que parece não ter se concretizado é o de que a IA seria um dos principais problemas desta eleição.
Carla Rodrigues, que é coordenadora no Data Privacy Brasil e está à frente do Observatório IA nas Eleições (iniciativa em parceria com Desinformante e Alafia Lab), destaca como exemplos mais graves imagens forjando artificialmente nudez de duas das candidatas à Prefeitura de São Paulo.
Ela ressalta, porém, os desafios para fiscalização do uso de IA e questiona, a partir do que se viu até agora, se Justiça Eleitoral estará preparada, tanto do ponto de vista técnico quanto de legislação, para lidar com o tema em 2026.
Também a indústria de cortes (vídeos curtos) ligada a Marçal provocou debate sobre a monetização de redes sociais e a adequação das regras eleitorais sobre o assunto.