SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Cerca de 390 auditores fiscais do trabalho paralisaram suas atividades em protesto contra as ações do ministro do Trabalho e Emprego (MTE), Luiz Marinho, acusando-o de fragilizar o combate ao trabalho análogo à escravidão e assediar moralmente os servidores públicos.
O movimento é uma resposta direta às interferências do ministro, segundo os auditores, que beneficiaram empregadores flagrados pelos fiscais.
O estopim do protesto foi a decisão do MTE de recorrer da sentença da Justiça do Trabalho, proferida na última terça (2), que determinou a inclusão imediata da JBS Aves e de outras duas empresas (Santa Colomba Agropecuária e a Associação Comunitária de Produção e Comercialização do Sisal, Apaeb) na chamada lista suja do trabalho escravo.
Na sentença, a juíza Katarina Mousinho de Matos, da 11ª Vara do Trabalho de Brasília, determinou que a JBS Aves e as demais empresas fossem imediatamente incluídas na lista. A magistrada reforçou que, existindo decisão administrativa final por infração de trabalho análogo à escravidão, a inclusão é obrigatória, e que não pode haver “filtros adicionais ou exceções casuísticas”.
A crise na Inspeção do Trabalho se intensificou após Marinho usar o poder de “avocação” para tomar para si processos administrativos que já haviam concluído pela inclusão de empregadores na lista suja.
Os auditores classificam essa ação como “indevida” e citam que ela cria uma instância recursal administrativa extra, que não segue critérios técnicos de Inspeção ao Trabalho.
O caso mais notório envolveu a JBS Aves, que foi inicialmente retirada da lista após Marinho decidir reavaliar seu processo pela consultoria jurídica do ministério. A Advocacia-Geral da União (AGU) chegou a citar a “relevância econômica” da JBS como justificativa para a avocação. Além da JBS, Marinho suspendeu a publicação da lista envolvendo as outras duas empresas.
A decisão judicial de terça foi uma derrota para o ministro. A juíza Matos classificou a ação do MTE como uma “tentativa de obstrução do cumprimento da sentença” e afirmou que os argumentos usados (como a relevância econômica citada pela AGU) comprovam que o parecer não seguiu critérios técnicos ou jurídicos, mas sim “econômicos e políticos”.
Ela destacou que a invocação do porte econômico da empresa autuada configura um tratamento diferenciado e um “regime de exceção para grandes empresas”.
A Folha de S.Paulo pediu posicionamento ao MTE, mas não recebeu resposta até o momento.
Os auditores fiscais que suspenderam a fiscalização afirmam que não realizarão “novas operações de combate ao trabalho escravo em âmbito nacional e regional”, embora as operações já iniciadas serão concluídas.
O caso teve início no ano passado, quando uma operação federal encontrou dez pessoas trabalhando em condições análogas à escravidão em uma empresa responsável por carregar e descarregar cargas para uma unidade avícola da Seara (empresa da JBS), no Rio Grande do Sul.
Segundo os investigadores, os trabalhadores foram submetidos a turnos de até 16 horas e estavam alojados sem acesso a água potável. Além disso, a empresa contratada também havia feito descontos nos salários, o que dificultava a demissão dos trabalhadores.
Em agosto, os fiscais decidiram que a JBS era responsável pelas condições no local, pois não realizou diligências que garantissem que a empresa terceirizada assegurava o mínimo por lei aos trabalhadores.
Em nota, a JBS disse que a Seara encerrou o contrato e bloqueou o prestador de serviços assim que tomou conhecimento das denúncias. Disse também que contratou uma auditoria externa para checagem da documentação dos trabalhadores de empresas terceiras
Já a Apaeb dissem, também em nota, que é um grupo sem fins lucrativos, que trabalha desde 1980 para melhorar a vida de pequenos produtores rurais no sisal e que não possui fazendas do produto. A Santa Colomba não se manifestou.