SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O candidato a prefeito Guilherme Boulos (PSOL) falou em “falso profeta”, que depois disse se tratar do “bandido” Pablo Marçal (PRTB) e do “incompetente” Ricardo Nunes (MDB), e escutou orações, profecias de que será eleito, uma “salva de palmas para Jesus” e o hino “Segura na Mão de Deus”.
O postulante à Prefeitura de São Paulo participou de um ato realizado nesta segunda (26) para “quebrar muros” e “construir pontes” com um segmento que nos últimos anos vem apresentando alta taxa de rejeição à esquerda, como preconizou o pastor Ribamar Passos.
A meta, disse o líder da Assembleia de Deus em encontro que encheu o salão de um hotel em São Paulo com evangélicos simpáticos ao deputado do PSOL, não é transformar “irmãos evangélicos em militantes de esquerda”, nem converter Boulos num deles.
É imperioso valorizar “aquele que trabalha pra dar comida ao povo, que cuida dos que não têm casa”, argumentou. Piscadela ao parlamentar que foi por anos líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), o que é usado por concorrentes para colar nele a pecha de invasor de casas.
Na sua vez de falar no púlpito, o que brincou que faria mesmo sem ser pastor, Boulos seguiu o mesmo fio. “O que tem de evangélico e evangélica na luta pela moradia em São Paulo não tá escrito”, ele disse, emendando que foi no movimento social que aprendeu a “admirar esta perseverança do povo evangélico” na periferia da cidade.
“De uma maneira incorreta, um maneira hipócrita, enchendo a boca pra falar dos valores da família”, afirmou, há muitos que não estão nem aí para causas que dão dignidade ao núcleo familiar, como teto e comida.
Ao mencionar falsos profetas, disse que “não são poucos” e que todos “sabem de quem eu estou falando”. A jornalistas explicou depois que se referia tanto a Marçal quanto a Nunes, “dois bolsonaristas” que “espalham mentiras”.
“Ambos tentam acusar a nossa candidatura de coisas que não são reais”, afirmou.
Em outros momentos, ainda tratando de inverdades e fake news, o candidato do PSOL recordou que dois anos atrás Lula era alvo da especulação de que, se voltasse à Presidência, fecharia igrejas o que se provou falso. Pediu aos apoiadores que ajam como arautos da verdade.
Boulos buscou sinalizar que se aproxima do segmento religioso por compartilhar com ele a busca de justiça social. O discurso evidenciou uma tentativa de se conectar ao campo fazendo uma relação entre as políticas públicas que defende e os valores cristãos de igualdade e solidariedade.
O desejo de “uma cidade onde os diferentes possam conviver bem” e as semelhanças entre “a luta do movimento social e o trabalho do povo evangélico” apareceram nas palavras do candidato.
De modo geral, o deputado aposta num discurso também recorrente no PT do presidente Lula, o de que a reaproximação com a base evangélica se dará pela via econômica, melhorando a condição de vida dos fiéis.
Uma diferença em relação à eleição passada, contudo: o tom geral nesta manhã foi menos de ataques ao bolsonarismo, ainda que eles estivessem presentes aqui e lá. Evitou-se jargões progressistas, como falar em evangélicos cooptados pelo fascismo.
Usou-se mais a linguagem crente, reforçando a importância da Bíblia no lar evangélica. “Não voto nele [Boulos] por ser de esquerda, mas por ser cristão”, discursou o pastor Uilian Corcino, da Assembleia de Deus. “Minha base não é uma ideologia, mas a Sagrada Escritura”, continuou ele, criticando a tentativa de, em suas palavras, resumir os evangélicos a uma associação com o bolsonarismo ou a extrema direita.
Se vai dar certo, é outra história. A resistência a perfis de esquerda cresce a cada pleito, o que tem gerado um mea culpa sobre as dificuldades do campo em dialogar com evangélicos sem preconceito e com domínio dos símbolos dessa fé.
Pesquisa Datafolha da semana passada colocou Boulos em quarto lugar nesse eleitorado religioso, com 12% das intenções de voto, atrás de Marçal, Nunes e José Luiz Datena (PSDB).
A candidatura psolista patina quando o assunto é religião, sobretudo por conta de uma campanha intensa tocada por pastores de projeção nacional contra nomes progressistas. Não é incomum ouvir no meio que Boulos é ateu, fator alergênico em corridas eleitorais para o Executivo.
Boulos se declara cristão ortodoxo, profissão de fé que fez questão de enfatizar em entrevista de rádio ao pastor Sezar Cavalcante. “Eu sou cristão, sou batizado crismado na Igreja Cristã Ortodoxa, tenho uma formação cristã na minha família.”
O pastor Ariovaldo Ramos, nome de lastro no minoritário nicho progressista evangélico, leu uma carta assinada assim: “Evangélicos preocupados com São Paulo”. O documento aponta descontentamento com mazelas como miséria, violência policial e discriminação, reivindicando providências do candidato, caso eleito, mas lembrando que o Estado é laico.
À Folha Ramos elogiou o desempenho de Boulos até aqui. “Ele está se saindo bem melhor do que na campanha anterior.”
O pastor reconheceu uma “barreira das bolhas” que impede a esquerda de avançar mais no segmento, mas lembra que ao menos 30% dos fiéis não votou em Jair Bolsonaro (PL) em 2022. Não é pouca coisa e mostra margem para estreitar laços com as igrejas.
Para Ramos, Pablo Marçal “sabe alguma coisa que alguns de nós sabem, e que sempre insisto em dizer”: a base evangélica “é fluida, não é sectária, dependendo do discurso ela muda de posição”.
Não haveria, portanto, alinhamento automático com pastores bolsonaristas. O autodenominado ex-coach, que diz adotar o cristianismo como “lifestyle”, tem a predileção de 30% dos eleitores evangélicos, mesmo sem apoio de nenhum grande pastor pelo contrário, tem a desaprovação pública de alguns.
Ao conversar com a imprensa, no fim do ato, Boulos respondeu sobre o aborto, tema sensível para cristãos e que pode resvalar na eleição municipal, por exemplo, no caso do Hospital Municipal e Maternidade Vila Nova Cachoeirinha a gestão Nunes paralisou o serviço de aborto legal oferecido ali.
O candidato disse que é preciso “cumprir a lei”, ou seja, reformar a oferta do procedimento quando a legislação o respalda.