“Temos um déficit de integração”, disse o embaixador do Chile no Brasil, Sebastián Depolo-Cabrera, na abertura do Chile Week Brasil, que começou segunda-feira (30) e vai até sexta (4), em três cidades (São Paulo, Belo Horizonte e Brasília). Segundo vários participantes do encontro, o principal desafio é diversificar a pauta de comércio exterior entre os dois países em uma economia globalizada. Ainda assim, os negócios têm crescido: a corrente comercial Brasil-Chile saltou de US$ 2,701 bilhões (2003) para US$ 12,258 bilhões (2023), variação de 353,8%. Apenas no ano passado, o Brasil exportou US$ 7,9 bilhões (+322,6% em duas décadas) e importou US$ 4,3 bilhões (+325,4%).
No primeiro dia, o encontro teve seminário organizado em parceria com a Fundação Getulio Vargas. Na terça-feira (1), foi realizada rodada de negócios com 34 empresas chilenas e 70 potenciais investidores de São Paulo e outros estados. A expectativa é de que sejam feitas 420 reuniões de negócios, segundo a ProChile, instituição ligada ao Ministério das Relações Exteriores, com 54 escritórios comerciais pelo mundo. Ainda na terça-feira, foi realizada uma masterclass para promover o pisco, destilado chileno que tem o Brasil como nono mercado de destino. De janeiro a agosto, as exportações da bebida em todo mundo somaram US$ 3,2 milhões.
Segundo o embaixador, o comércio bilateral é “muito concentrado em algumas matérias-primas”. O Brasil é o terceiro destino das exportações chilenas, atrás de Estados Unidos e China. No ano passado, as importações de produtos do país vizinho somaram US$ 4,313 bilhões, abaixo de 2021 e 2022 – mesmo assim, foi o terceiro maior valor em dez anos. Entre os principais produtos, estão, além do cobre, salmão/truta, maçãs, ameixas, vinho e azeite. De janeiro a agosto deste ano, o Brasil exportou US$ 4,680 bilhões e importou US$ 3,298 bilhões. Os dados são da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
“Buscamos conectar empresários de ambos os países, apresentando a eles as oportunidades que o Chile tem a oferecer no Brasil”, afirmou o diretor-geral da ProChile, Ignacio Fernández. “É nosso principal destino para as exportações na América Latina, o terceiro em nível mundial e o primeiro destino dos investimentos chilenos no mundo.” De cada dez empresas chilenas, uma exporta para o Brasil. Entre essas, 182 são pequenas e médias empresas. O embaixador Depolo-Cabrera e o secretário-executivo do Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (Memp) do Brasil, Francisco Alencar, destacaram também as obras do chamado corredor bioceânico. É um projeto em curso desde 2015, envolvendo Argentina, Brasil, Chile e Paraguai, com o objetivo de ligar quatro portos no Pacífico ao porto brasileiro de Santos. “É uma grande obra de infraestrutura e de interconexão”, disse o embaixador chileno.
OPORTUNIDADES – Representante no evento do Conselho Empresarial Brasil-Chile (Cebrachile, entidade formada em 2020), Renata Araujo citou estudo recente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) que identificou 1,7 mil oportunidades para vendas de produtos no Chile, que atualmente se concentram em óleo bruto (o setor de petróleo responde por 39% das exportações), carne bovina, automóveis (transporte de cargas e de passageiros) e derivados de soja.
Entre os produtos potenciais estão máquinas, combustíveis, outros alimentos, artigos manufaturados (pneus, chapas de ferro/aço), medicamentos e cosméticos. Em relação a esse último item, dois meses atrás, Brasil e Chile assinaram em Santiago declaração conjunta sobre a conclusão de negociações visando a um acordo comercial para facilitar vendas mútuas de cosméticos. Além disso, desde 2022 está em vigor Acordo de Livre Comércio (ALC) entre os dois países, assinado ainda em 2018. Renata Araujo também destacou informe do Fundo Monetário Internacional (FMI) que teve como foco o comércio local. “O comércio regional na América Latina representa apenas 20% de toda a região. É muito pouco, e está estagnado desde os anos 90”, afirmou. Criado em 2020, o Cebrachile é iniciativa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Sociedad de Fomento Fabril (Sofofa).
Para o ex-secretário de Comércio Exterior Lucas Ferraz, atual coordenador do Centro de Estudos de Negócios Globais da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP), após o processo de “hiperglobalização”, o mundo vive um período de aumento de barreiras protecionistas e transição energética acelerada. Além disso, a China passou a se voltar para o mercado interno, afetando diversas cadeias globais. Ele também aponta possíveis consequências das eleições presidenciais dos Estados Unidos, marcadas para novembro. Uma possível vitória do republicano Donald Trump poderia levar, por exemplo, a um “recrudescimento da guerra comercial”. A professora da FGV EESP Vera Throstensen, coordenadora do Centro do Comércio Global e Investimento (CCGI), adiciona preocupação geoeconômica à situação geopolítica: “Os países centrais, hegemônicos, estão usando o comércio exterior como forma de coerção. Estamos preparados para esse novo mundo?”