Brasil é o país da América do Sul que mais gera resíduos eletrônicos por habitante: 11,2 kg por ano. Logística reversa é alternativa

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Decreto do Governo Federal, de 2020, obriga fabricantes de eletrônicos a fazer logística reversa
Crédito: Freepik
  • A Associação Brasileira de Reciclagem de Eletroeletrônicos e Eletrodomésticos (Abree) reúne 54 empresas que participam do sistema de logística reversa
  • Segundo a ONU, em 2022, foram descartadas 62 milhões de toneladas de lixo eletrônico no mundo, um aumento de 82% em relação a 2010
Por Bruna Galati

O mais recente relatório da ONU sobre resíduos sólidos, divulgado este ano, revelou um cenário preocupante em relação ao aumento de rejeitos eletrônicos produzidos no planeta. Em 2022, foram descartadas 62 milhões de toneladas, um aumento de 82% em relação a 2010 e ultrapassando em cinco vezes a capacidade global de reciclagem, que é de cerca de 12 milhões de toneladas. Na América do Sul, o Brasil – com a maior população da região, 213 milhões de habitantes – é o maior gerador de resíduos eletrônicos, com 2,4 milhões de toneladas por ano. Em segundo lugar, vem a Argentina (520 mil toneladas e 47 milhões de moradores), seguida pela Colômbia (390 mil toneladas e 53 milhões de habitantes).

A tradução dos números aponta que, na análise per capita, o Brasil é o maior gerador de rejeitos eletrônicos da América do Sul (11,2 kg por habitante a cada ano), seguido de perto pela Argentina (11 kg) e com a Colômbia em terceiro lugar (7 kg). No cenário mundial, os cinco maiores produtores de lixo eletrônico por pessoa são Noruega (27 kg/ano), Austrália, China (ambos com 22 kg), Aruba e Estados Unidos (ambos com 21 kg). O relatório da ONU alerta ainda que, se não houver mudanças, os resíduos eletrônicos globais podem chegar a 82 milhões de toneladas até 2030, o que representaria um aumento de quase 35% sobre a quantidade atual.

A boa notícia é que a própria entidade afirma ser possível reverter esse cenário, elevando as taxas de reciclagem dos atuais 22,3% para até 60%. A tarefa, no entanto, não parece ser simples. Para a Associação Brasileira de Reciclagem de Eletroeletrônicos e Eletrodomésticos (Abree), que reúne 54 empresas, representando 182 marcas que participam do sistema de logística reversa, o desafio é grande. “O problema é que muitas companhias ainda não estão alinhadas a essa exigência legal, o que agrava a situação”, disse a gerente de Relações Institucionais da Abree, Helen Brito.

RESPONSABILIDADE – Em fevereiro de 2020, o Governo Federal sancionou o decreto nº 10.240/2020, que obriga fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de eletrodomésticos e eletrônicos a assumir a responsabilidade pela logística reversa desses produtos. Isso inclui disponibilizar pontos de coleta e garantir o descarte adequado. O decreto estabeleceu um cronograma de metas anuais de coleta e destinação. O ano de 2021 foi o ponto de partida, com a proposta de recolher 1% dos produtos eletroeletrônicos de uso doméstico e seus componentes colocados no mercado, tomando como referência o ano de 2018.

A meta deve aumentar progressivamente, até atingir 17% em 2025. De acordo com Helen Brito, essa política tem impulsionado o crescimento da logística reversa nas empresas. Fundada em 2011, a Abree começou a coletar resíduos de empresas em 2021, quando destinou corretamente cerca de 1,5 mil toneladas de eletroeletrônicos. Esse volume ultrapassou 30 mil toneladas em 2023, segundo os últimos dados divulgados pela associação.

Carlos Tanaka, especialista em logística com mais de 25 anos de experiência e fundador da PostalGow, empresa que oferece soluções logísticas de telecomunicações, ressalta que companhias que investem em logística reversa podem reduzir seus custos de produção, economizar na aquisição de matérias-primas e na gestão de estoque, melhorando a eficiência operacional. “Ao oferecer produtos recondicionados, as empresas podem atingir consumidores que estão dispostos a pagar menos pelo conceito verde por trás daquele produto”, disse Tanaka. “Assim, a companhia aumenta sua base de clientes e suas receitas”.

Segundo ele, o uso de tecnologias avançadas – como triagem automatizada, rastreamento inteligente e inteligência artificial – contribuem para uma gestão mais eficiente de resíduos eletrônicos. “A integração de big data e machine learning permite prever demandas, otimizar operações de reciclagem e melhorar o controle sobre materiais recicláveis”. Além disso, Tanaka avalia que a separação e a devolução de produtos para reciclagem, comum em muitos países, estão ganhando força no Brasil, impulsionadas por programas de incentivo e campanhas de educação ambiental.

Um exemplo disso seria a própria Abree, que, além de disponibilizar mais de 3,4 mil pontos de recebimento em cerca de 1,2 mil municípios pelo país, promove campanhas itinerantes e investe em comunicação voltada para a conscientização ambiental. Em setembro, a associação lançou a plataforma Abree pra Educação, focada em conscientizar crianças e adolescentes sobre a importância da reciclagem de eletroeletrônicos e eletrodomésticos. 

INICIATIVAS – Com o decreto do Governo Federal, empresas começaram a desenvolver ou ampliar iniciativas próprias de logística reversa. O Grupo Carrefour Brasil foi uma das companhias que fortaleceu suas ações nessa área. Em 2022, em parceria com a Abree, a rede expandiu seu programa de reciclagem de eletroeletrônicos e eletrodomésticos, iniciado em 2019, instalando coletores em 12 lojas nos estados de Amazonas, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo, além do Distrito Federal.

Esses pontos aceitam produtos de todos os tamanhos, desde pequenos itens – como fones de ouvido e secadores de cabelo – a grandes eletrodomésticos, como geladeiras e televisores. Nas lojas físicas, o Carrefour é responsável pelo recebimento dos produtos descartados, enquanto a Abree faz a destinação correta dos materiais. O site da Abree oferece um serviço prático para localizar os pontos de coleta, bastando inserir o CEP, além de uma lista completa dos itens aceitos, como batedeiras, ferros elétricos, liquidificadores, micro-ondas, máquinas de costura. 

A PostalGow, por sua vez, criou a plataforma DevolvaFácil, que incentiva o consumidor a devolver modems após o fim do contrato com as operadoras, por meio de vouchers. Em 2023, a companhia iniciou uma parceria com a Kangu, que oferece soluções logísticas para e-commerces e possui quase 3 mil empresas cadastradas para recebimento de resíduos eletrônicos. De acordo com a PostalGow, isso permite que os clientes devolvam dispositivos usados em estabelecimentos próximos. Atualmente, a PostalGow é parceira de 6,3 mil agências dos Correios e de 2,8 mil pontos de coleta da Kangu. Segundo Carlos Tanaka, sócio da PostalGow, esse tipo de ação contribui para a reutilização de recursos e redução de resíduos, além de diminuir as emissões de CO2 relacionadas à produção e ao transporte de novos equipamentos. “A longo prazo, esse tipo de trabalho faz diferença”, disse Tanaka.

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