O comércio foi o segundo setor em quantidade de novos processos no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), o maior do país, com abrangência na Grande São Paulo e Baixada Santista. Foram 44 mil ações ajuizadas no ano passado, sendo 37 mil apenas no varejo. O número é cerca de 6% maior do que em 2022, quando foram abertos 41,6 mil processos trabalhistas.
As três causas mais comuns foram horas extras (13,3 mil) e adicional (8,2 mil), além do adicional de insalubridade (9,4 mil). Em todo o país, foram 313 mil, de acordo com o Tribunal Superior do Trabalho (TST). Esse é um dado que ainda preocupa o setor empresarial, mas a boa notícia é que esse volume, embora elevado, já foi maior, pelo menos em São Paulo Em 2016, por exemplo, foram quase 53 mil ações trabalhistas na área do TRT-2.
Após a Reforma Trabalhista implementada em 2017 (Lei 13.467), o número diminuiu bruscamente, pelo menos até 2021 (37.615). Nos dois últimos anos, porém, o tribunal registrou aumento nos processos. As reclamações relativas a aviso prévio têm caído, enquanto as de horas extras cresceram. Já os acordos por meio de conciliação somaram 22,4 mil no ano passado, cerca de 8% abaixo de 2022 (24,3 mil).
Para Fernando Monteiro, assessor jurídico da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio/SP), a solução para esse tipo de problema passa pelo estímulo à negociação coletiva. “Quanto mais ampla a for negociação, mais você limita o número de demandas. Um dos objetivos da Reforma Trabalhista era reduzir o contencioso, aumentando o leque das matérias negociadas”, afirmou. “Uma convenção coletiva complementa a legislação ordinária de trabalho.”
Ele cita como exemplo a implementação do chamado banco de horas, que na prática pode reduzir os litígios judiciais sobre horas extras, tema campeão de reclamações. Em 19 de junho, o Sindicato
dos Comerciários de São Paulo encaminhou a pauta de reivindicações para renovação da convenção coletiva da categoria, que tem data-base em 1º de setembro. Data-base é o período legal de negociações entre representantes dos empresários e dos trabalhadores. Ou seja, a atual convenção é válida até o próximo dia 31 de agosto.
INTERMITENTE – O acordo atualmente em vigor tem 69 cláusulas. Desde as econômicas (reajuste, pisos), até detalhamentos sobre jornada de trabalho, modalidades de contratação, caracterização de grupos econômicos e negociação prévia em caso de demissão em massa. A negociação da capital paulista é a que envolve a maior quantidade de trabalhadores, em torno de 500 mil. No estado de São Paulo, são quase 30 convenções coletivas no setor do comércio, devido às categorias diferenciadas.
O que não “pegou”, lamenta o negociador patronal, foi a questão do trabalho intermitente, criado na reforma de 2017. “Não teve impacto nenhum, para o bem ou para o mal. Isso é muito comum nos Estados Unidos, na Europa um pouco menos. Chegamos a incluir na convenção, mas no ano seguinte tiramos, porque vimos que era melhor deixar sem normatizar”, disse Monteiro. “O lado laboral quer condições específicas e muito restritivas. Deixamos a lei. Vale a lei. Foi uma pena não normativar. Mas foi preferível”. Segundo ele, a atividade comercial é muito sazonal. “Por isso, essa modalidade seria
ideal”. Trabalho intermitente é aquele de prestação de serviços não contínua – pode ser determinada em horas, dias ou meses.
Neste mês de agosto, a agenda do Supremo Tribunal Federal (STF) inclui três ações diretas de inconstitucionalidade (ADI’s) que questionam, justamente, dispositivos da Reforma Trabalhista sobre o contrato intermitente. A Corte já invalidou norma da Lei 13.467 que permitia trabalho de grávidas e lactantes em atividades insalubres. Por outro lado, o STF considerou inconstitucional o entendimento do TST sobre a ultratividade – princípio pelo qual se mantinham cláusulas com prazo expirado até que se firmasse nova convenção coletiva.
Os últimos anos foram marcados por divergências no entendimento do STF e do TST em relação a questões trabalhistas, o que se ampliou após 2017. Embora tenham revisto questões pontuais da Lei, a tendência do Supremo é de privilegiar a livre iniciativa e o fomento da atividade empresarial. Isso desde que as novas regras não desrespeitem princípios constitucionais. Por sinal, livre iniciativa e “valores sociais do trabalho” estão no mesmo artigo, o 1º, da Constituição de 1988.
O presidente do Sindicato dos Comerciários e da central sindical UGT (União Geral dos Trabalhadores), Ricardo Patah, também aposta na negociação coletiva. “Com certeza, isso pode inibir uma série de questões e diminuir o número de processos”, afirmou.
Para Patah, dois fatores, entre outros, podem explicar o aumento recente do número de processos: o fim das cobranças impostas à parte derrotada no processo e a ausência da homologação das rescisões contratuais nos sindicatos – antes da reforma de 2017, as homologações eram feitas nas entidades sindicais no caso de empregados com mais de um ano de casa. “Quanto mais se possa desenvolver o processo de negociação para impedir que se judicialize, melhor.”
A informalidade e a rotatividade de mão de obra são outros desafios no setor. No ano passado, apenas o Comércio registrou mais de 5,4 milhões de contratações formais e 5,2 milhões de demissões. Ou seja, em apenas um ano perto de 11 milhões de pessoas entraram ou saíram do mercado de trabalho.