Dois indicadores sobre o mercado de trabalho, divulgados nesta sexta-feira (27), confirmam o bom momento na criação de empregos e têm o comércio como destaque. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por exemplo, no trimestre encerrado em agosto o setor foi o que impulsionou a ocupação, com mais 368 mil trabalhadores. Com isso, o Comércio chega a 19,5 milhões de ocupados, maior número na série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, iniciada em 2012. O nível de emprego cresceu 1,9% no trimestre e 2,6% na comparação anual. No Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego, o setor abriu 47,8 mil vagas com carteira assinada em agosto. No acumulado do ano, 169,9 mil. Resultados positivos, mas que também causam preocupação entre analistas pelos possíveis reflexos sobre a inflação.
A pesquisa do IBGE mostra que a taxa de desocupação (desemprego) de toda a economia recuou para 6,6%, a menor para um trimestre encerrado em agosto. Há um ano, estava em 7,8%. Em 12 meses, o número de desocupados caiu 13,4%, para 7,3 milhões (-1,1 milhão), na menor quantidade desde janeiro de 2015. Foram batidos recordes de pessoas ocupadas (102,5 milhões, +2,9% anual) e de empregados com (38,6 milhões, +3,8%) e sem carteira (14,2 milhões, +7,9%), além do setor público (12,7 milhões, +4,3%). O total de trabalhadores por conta própria (25,4 milhões) ficou estatisticamente estável.
Já o Caged, conforme os dados divulgados hoje pelo MTE, mostra saldo de 1,7 milhão de vagas formais de janeiro a agosto. Com isso, o estoque de vagas chegou a 47,2 milhões.
O economista Ulisses Ruiz de Gamboa, da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), destaca o mercado de trabalho “super aquecido”, em decorrência da economia em alta, mas faz ressalvas. “É uma boa notícia, sem dúvida, mas esse crescimento da economia é sustentado por consumo das famílias e do governo. Portanto, por gasto. Não é um crescimento que seja sustentável, porque não vem pelo lado da produção. Está gerando uma inflação mais teimosa, que leva o Banco Central a aumentar juros, como vimos na última reunão do Copom“, afirmou.
FUTURO – Para o presidente do Conselho Regional de Economia da 2ª Região (Corecon-SP), Pedro Afonso Gomes, o resultado é “bastante coerente” com o que mostra o momento econômico, com uma atividade “mais firme e mais sequenciada”, segundo ele. “A confiança dos empresários é bastante forte, dos investidores e dos consumidores também. Não se emprega quando a empresa tem incerteza sobre o futuro imediato”, disse Gomes. Ele acredita que até o ano que vem a taxa de desemprego poderá cair um pouco mais e ficar perto de 5,5%. O que ele chama de “pleno emprego estrutural”, considerando a taxa de rotatividade, presente em todas as economias.
“Os dados indicam aumento progressivo da taxa de participação, já em 62,3%, mas o principal destaque ainda é crescimento do rendimento real habitual dos trabalhadores, que mostrou alta de 0,6% no mês e 5,1% no ano”, disse José Alfaix, economista da Rio Bravo Investimentos. “Paralelamente, a massa de rendimento habitual cresceu 8,3% na análise interanual. Do outro lado, no entanto, a preocupação com as pressões inflacionárias desse crescimento tem aumentado, já que não se nota um crescimento equivalente na produtividade. O desemprego se distancia progressivamente do seu nível de equilíbrio, e esse distanciamento, evidentemente, cria receios sobre a inflação.”
De acordo com a Pnad Contínua, o rendimento médio dos ocupados ficou em R$ 3.228 no trimestre. A massa de rendimentos atingiu R$ 326,2 bilhões, alta trimestral de 1,7% e anual de 8,3%. Isso significa R$ 24,9 bilhões a mais na economia em 12 meses.
ESCALADA – A visão de Alexandre Pletes, head de renda variável da Faz Capital, se aproxima da dos analistas da ACSP e da Rio Bravo. Se por um lado o mercado de trabalho mostra recuperação consistente, por outro a “escalada” dos salários pode, segundo ele, ter “efeitos danosos” sobre a inflação, como reflexo do consumo excessivo. “Tanto que o Banco Central anunciou um ciclo de elevação da taxa básica de juros, para que a gente tenha uma contração monetária”, afirmou. Se isso não for suficiente, o país pode enfrentar um “cenário inflacionário complexo”.
O estrategista-chefe da RB Investimentos, Gustavo Cruz, disse que os dados do desemprego continuam surpreendendo e a taxa pode cair até um pouco mais no último trimestre, devido às vagas de fim de ano. Ele estima que a taxa pode ficar em torno de 6%. “Um ponto que não foi tão bom é que o salário médio de admissão (no Caged) ficou um pouco abaixo de julho, mas na comparação anual cresce 1,8%, é ganho real”, afirmou. Diferentemente da pandemia, período em que o desemprego até caía, mas “com as pessoas aceitando entrar a vaga de alguém para receber menos”, agora são abertas vagas de melhor qualidade, dando inclusive opções ao trabalhador no mercado.
A pesquisa do IBGE mostrou também que o número de desalentados (3,1 milhões) é o menor desde maio de 2016. A queda é de 12,4% em um ano. Pessoas desalentadas são aquelas que desistem de procurar uma ocupação. Elas agora representam 2,8% da força de trabalho. Já os informais são 38,8% da população ocupada: 39,8 milhões de pessoas.
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