Eleições municipais já definiram “boa parte” do Congresso em 2026, diz cientista político Antonio Lavareda

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Lavareda (à dir.) com Ordine: resultados e desdobramentos da votação
Crédito: Cesar Bruneli/ACSP
  • Para o analista, parlamento ficará "mais à direita". Ele ressalta avanço do conservadorismo no pais e contesta tese da polarização
  • Eventuais mudanças no sistema eleitoral passam por pressão da sociedade: "Entidades empresariais têm peso extraordinário"
Por Vitor Nuzzi

As eleições municipais anteciparam o perfil do Congresso a partir de 2026, segundo o sociólogo e cientista politico Antonio Lavareda, dado o avanço do conservadorismo. “Boa parte da Câmara federal foi definida no domingo”, afirmou durante reunião promovida pelo Conselho Político e Social da Associação Comercial de São Paulo (Cops/ACSP), na terça-feira (8). Assim, a Câmara será “com certeza mais à direita do que é hoje”. Para ele, não se trata de hipótese desarrozoada. “É liquido e certo que irá acontecer.” Lavareda também preside o Conselho Científico do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe) e é professor colaborador da pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A reunião teve a presença dos presidentes da ACSP, Roberto Mateus Ordine, e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp), Alfredo Cotait Neto, além dos coordenadores do Cops, os ex-senadores Heráclito Fortes e Jorge Borhausen.

Sobre o que ele chama de certa “volta à normalidade”, o cientista político, com experiência em 91 campanhas eleitorais, observa que as eleições deste ano ocorrem após as eleições que chamou de “críticas” de 2016, com crise econômica e social e proliferação de candidatos antissistema. E das “contra desviantes” de 2020 – definição para um pleito que tenta restaurar a ordem anterior. “Houve em São Paulo um conjunto de normalidades [em 2024], e tecnicamente foi uma eleição ‘normal’”, afirmou Lavareda.

O primeiro turno reforçou o que ele chama de “força da incumbência”, ou seja, dos atuais governantes. Dez prefeitos de capitais se reelegeram e seis foram para o segundo turno, afirmou. “O porcentual de prefeitos reeleitos pode chegar a 80%”, disse Lavareda. Em 2016 e 2020, esses índices foram de 75% e 77%, respectivamente. O recorde é de 2008 (95%). No total, os prefeitos reeleitos representam 82% (número parcial), ante 64% há quatro anos.

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O analista rejeita também a tese da polarização, repetida diuturnamente pela mídia. Segundo ele, apenas cinco municípios com mais de 200 mil eleitores (os que podem ter segundo turno) tiveram disputa entre o PT (do atual presidente, Lula) e o PL (do ex-presidente Jair Bolsonaro). “A disputa foi bipolar em apenas quatro capitais [Rio de Janeiro, Teresina, Rio Branco e São Luís].” Uma leitura não unânime e que exclui do conceito de extremos cenários como o de São Paulo, que tem Ricardo Nunes (MDB), apoiado por Bolsonaro, e Guilherme Boulos (Psol), nome de Lula.

PRESIDÊNCIA – Ele também aponta o avanço de partidos identificados ideologicamente com o campo da direita: foram 3.609 prefeitos eleitos, ante 3.228 em 2020 – 11,8% a mais. Tanto nas capitais como no conjunto de municípios, predominam os candidatos de direita. Lavareda inclui na conta o PSD de Gilberto Kassab, que define a legenda como de centro.

Em relação a 2026, quando haverá novas eleições para a Presidência da República, o cientista político apresentou um cenário com oito possíveis candidatos. E acredita na candidatura presidencial do atual governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ainda que Kassab, secretário estadual, já tenha dito que ele não entrará na disputa. “Quem faz candidatura à Presidência são as circunstâncias.”

Outra observação frita por ele se refere às avaliações de aprovação e desaprovação do atual governo. Elas mantêm distância apertada, o que ainda reflete o resultado da votação de 2022, decidida por margem mínima. Por uma razão básica: “As campanhas nunca terminam, porque as redes sociais são um novo elemento de comunicação”. Esse é um dos fatores que deixam, segundo Lavareda, “espaço aberto para novos [Pablos] Marçais”. Nesse sentido, ele lamentou a falta de partidos mais consistentes. “O que é que contém os radicais na Europa hoje? Obviamente, não é a esquerda. É o enraizamento dos partidos tradicionais.”

Ao apontar esgotamento do sistema eleitoral, ele também ressalta a “taxa de sinistralidade” de presidentes brasileiros do pós-guerra e do período recente. Refere-se ao potencial de conflitos dos mandatários, que segundo sua análise chegou a 50% com Getulio Vargas e Jânio Quadros e subiu a 80% com Fernando Collor, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro. “A que taxas nós queremos chegar, a 100%? No formato atual, esse sistema é irrecuperável”, afirmou. Lavareda se disse favorável a um modelo “distrital misto”, mas ao mesmo tempo acha difícil que um sistema assim se viabilize no país. “Fico imaginando o processo de judicialização interminável.”

Ele também lamentou a ainda pequena presença de mulheres na política: elas representam 15,5% dos eleitos no primeiro turno, ante 12% em 2020. E apontou uma névoa de desinformação entre os eleitores. Segundo ele, as pessoas não sabem para que serve a Câmara. “Você pode ter um Congresso bem mais conservador e um presidente reeleito à esquerda. Qual a lógica?”. Para ele, o sistema só pode ser transformado com pressão da sociedade. “Apenas os partidos não são suficientes. As entidades empresariais têm um peso extraordinário para colocar novamente em marcha essa questão.”

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