BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo federal, que lidera o processo de regulamentação das apostas esportivas online, as chamadas bets, não tem uma projeção certeira de quanto poderá arrecadar em impostos com esse mercado. A legalização final entrará em vigor em janeiro de 2025.
A gestão Lula (PT) chegou a mencionar, ainda no ano passado, um potencial de arrecadação de até R$ 12 bilhões por ano. Mas, atualmente, o Ministério da Fazenda, por meio da Secretaria de Prêmios e Apostas, é mais cauteloso com os números.
Isso ocorre principalmente porque, por se tratar de um setor que atua sem regulação, as estimativas de movimentação financeira são imprecisas.
“Tem gente olhando as apostas, e tem gente olhando o fluxo entre ganhos e perdas. Com isso, há uma dificuldade de quantificar de fato qual é o tamanho do setor e, por conta dessa dificuldade, a gente não tem o elemento básico para saber qual seria a arrecadação”, disse o secretário de Prêmios e Apostas, Regis Dudena, em entrevista no fim de agosto.
A oferta de sites de apostas esportivas é liberada no Brasil desde 2018, após lei aprovada no governo Michel Temer (MDB). O governo de Jair Bolsonaro (PL) teve quatro anos para regulamentar o mercado, mas não o fez.
O governo Lula dedica-se à regulamentação desde 2023, quando houve a edição de uma medida provisória. No ano passado, o Congresso aprovou uma lei e definiu taxação e funcionamento das empresas.
Pelas regras já definidas, esse mercado teria uma tributação similar a outros setores, com uma alíquota de 12% sobre a arrecadação das casas de apostas, descontado o pagamento dos prêmios.
Essas empresas também estão sujeitas à tributação do lucro com IRPJ/CSLL e do faturamento com PIS/Cofins. Os municípios podem cobrar ISS. Assim, a carga tributária é estimada em 35%.
Já apostadores devem pagar 15% de Imposto de Renda sobre o valor obtido com a premiação.
A carga pode sofrer alteração com a reforma tributária. No texto aprovado na Câmara, e que agora está no Senado, as jogos de azar entraram na lista do Imposto Seletivo, o chamado “imposto do pecado”. Ele foi criado para desestimular o consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde.
Assim como o setor de casas de apostas, o governo é contra essa inclusão. A avaliação, presente nos estudos do Ministério da Fazenda para desenhar a regulamentação, é de que uma alta carga tributária favorece o mercado ilegal –o que pode provocar redução no potencial de arrecadação.
Informações do mercado indicam que, mesmo sem o imposto do pecado, a tributação das apostas online por aqui deve superar a de outros locais com maiores cargas. Em Macau e Austrália, por exemplo, o percentual gira em torno de 30%
“A questão do favorecimento ao mercado legal é realidade, e muito séria”, diz Leonardo Benites, da ANJL (Associação Nacional de Jogos e Loterias), entidade que representa casas de apostas. Segundo ele, o Brasil teria dificuldades tecnológicas de lidar com sites não legais.
“Decidir por aumento de impostos, antes mesmo de saber o tamanho real desse mercado, é um empurrão para quem quer ser legal, pagar impostos e proteger os apostadores, sair do país. O mercado vai existir, a diferença é saber se será legal ou ilegal”, completa.
Em janeiro, pesquisa Datafolha revelou que 15% dos brasileiros dizem fazer ou já ter feito apostas esportivas online. O gasto médio mensal entre o total de pessoas que apostam é de R$ 263.
A Folha de S. Paulo mostrou que os gastos de brasileiros com apostas online atingiram, de janeiro a novembro de 2023, R$ 54 bilhões, segundo estimativa feita pela Folha com base em estatísticas do Banco Central sobre remessas feitas para empresas do setor que atuam no exterior. Outro levantamento, do banco Itaú, estimou que, entre junho de 2023 e junho de 2024, jogadores desembolsaram R$ 68,2 bilhões nesse tipo de atividade e receberam de volta R$ 44,3 bilhões.
O ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse nesta terça-feira (17) que as apostas viraram um “problema social”. A secretaria de Prêmios e Apostas publicou também na terça uma portaria alterando um prazo de legalização diante de denúncias recentes e, sobretudo, após projetos de lei no Congresso contrários às bets.
O início da operação legal, e da consequente arrecadação de impostos, continua sendo em janeiro de 2025, como previsto anteriormente. Mas, com a nova portaria, só empresas que se cadastraram para atuar de forma legal no sistema do governo, até 20 de agosto, serão consideradas legais para continuar atuando a partir de 1 º de outubro.
Até antes dessa portaria, qualquer site poderia operar até o fim do ano. Agora, as empresas não cadastradas serão consideradas ilegais, e o governo vai atuar para tira-las do ar.
O governo recebeu 113 cadastros no prazo. Essas empresas controlam mais de 300 sites de bets, de um total estimado de cerca de 2 mil casas de apostas com operação no país.
Como cada outorga custa R$ 30 milhões, o Ministério da Fazenda pode arrecadar ainda neste ano ao menos R$ 3,39 bilhões. Ainda há a previsão de um pagamento anual de uma taxa de fiscalização de até R$ 1,94 milhão.
O sistema para cadastro de novas empresas não será fechado. Assim, outras casas de apostas podem se cadastrar para atuar de forma legal, mas sem garantia de ter a autorização a partir de janeiro.
A legalização atinge os chamados jogos de quota fixa (em que se sabe quanto se pode ganhar ou perder ao apostar). Durante a tramitação na Câmara, os deputados incluíram nessa categoria também jogos online, onde entram cassinos e outros jogos de azar em ambiente virtual.
Além das apostas online, o Senado analisa um projeto de lei que autoriza o funcionamento de cassinos, do jogo do bicho, bingo e de outras modalidades de jogos de azar. A proposta já foi aprovada pela Câmara em 2022 e teve aval da Comissão de Constituição e Justiça do Senado em junho.
O texto atual prevê uma alíquota de 17% sobre a receita bruta das operadoras de jogos. Já o Imposto de Renda dos prêmios teria alíquota de 20%.
A proposta ainda cria a taxa de fiscalização, com cobrança trimestral de diferentes valores para cassinos (R$ 600 mil) e jogo do bicho e bingo (R$ 20 mil). O relator da proposta no Senado, senador Irajá Abreu (PSD-TO), estipula que a legalização dessas modalidades geraria cerca de R$ 22 bilhões em impostos anualmente.