Entenda os nós da Recuperação Judicial do Grupo Cinel, dono da Gocil - 40% da dívida é com o governo

Uma image de notas de 20 reais
Operação da Gocil em São Paulo: marca será uma das priorizadas para retomada dos negócios
(Reprodução)
  • Dívida do grupo com instituições financeiras públicas e privadas chega a R$ 837 milhões, metade do total apresentado à Justiça
  • Para a empresa, aumento da Selic "dificultou o pagamento das dívidas existentes e tornou a captação de novos recursos mais onerosa”
Por Paula Cristina e Victor Marques

[AGÊNCIA DC NEWS]. O que está sendo anunciado como começo da luz no fim do túnel ainda está mais perto de ser um emaranhado de disputas. O Grupo Cinel, fundado pelo empresário Washington Cinel, é o tipo de empresa que todo mundo conhece por meio de uma de suas marcas, mas que não necessariamente é associada à holding. No organograma empresarial, abaixo do Cinel está o Grupo Handz, e, dentro dele, a empresa Gocil — velha conhecida do varejo brasileiro por oferecer soluções de portaria, administração e segurança patrimonial. Mas o grosso de seus negócios está bem distante disso, e sim nos ramos do agro e dos imóveis (terras agrícolas, majoritariamente). Em 2023, o grupo entrou com pedido à Justiça para o programa de Recuperação Judicial. Após assembleia com parte dos credores na sexta-feira (21), a permissão foi dada.

As dívidas cadastradas no ato do pedido, ou seja, dois anos atrás, somavam R$ 1,7 bilhão. Destes, R$ 684.964.563,08 oriundos de bancos públicos ou mistos, autarquias do Estado e Receita Federal. Uma lista que vai de R$ 80 mil ao Ministério da Justiça, por custas judiciais em processos trabalhistas, até os R$ 385 milhões devidos ao Banco do Brasil – 40% de suas dívidas estão atreladas ao governo federal. Somente em impostos federais (Ministério da Fazenda), o grupo tem um débito de R$ 53.117.839,34, cifra que é descrita, em sua absoluta maioria, como parcelamentos de impostos provenientes de negociações anteriores com o governo federal — aquelas obtidas em programas como o Refis. Com a Receita Federal, há uma citação na ordem de R$ 471,6 mil, referentes a pagamentos de IPI não realizados.

Fora esse volume de 40%, a maior parte da dívida do grupo está atrelada aos negócios envolvendo o agronegócio, o que explica o Banco do Brasil (R$ 385.219.125,36) ser o maior credor individual. No ranking desses maiores credores estão outros bancos públicos: Banco do Nordeste (R$ 186 milhões) e Caixa Econômica Federal (R$ 48,3 milhões). Ainda se soma a essa lista o Banco Banrisul (R$ 11,68 milhões). Na ponta do lápis, o valor total associados a bancos públicos (BB, Caixa, Banco do Nordeste e Banrisul) é de R$ 631.346.723,74. Se a conta incluir as instituições financeiras privadas, o valor soma R$ 837.811.507,99 – por esse recorte, o dos bancos, é quase metade (49,28%) do total da dívida do Gruppo Cinel. Entre os maiores credores de instituições privadas estão o Santander (R$ 52 milhões), o Bradesco (R$ 45,2 milhões), o Itaú (R$ 39,85 milhões) e o Banco Safra (R$ 27,3 milhões).

CULPA DA SELIC – Com política fiscal frouxa e política monetária restritiva, o culpado é sempre o mesmo: a Selic. Se os juros aumentam, a dívida também. E os juros aumentaram. A Selic subiu de 2% para 13,75% entre 2020 e 2022, elevando consideravelmente as despesas financeiras do grupo contratadas no período. E desde a entrada do pedido de RJ, a taxa continuou subindo, e agora está em 14,25%, ainda sem grandes sinais de retração para os próximos encontros do Comitê de Política Monetária. “Esse aumento dificultou o pagamento das dívidas existentes e tornou a captação de novos recursos ainda mais onerosa”, afirmou a empresa por meio de nota.

A protuberância dos bancos nesta equação acompanha a própria justificativa da companhia protocolada no pedido de Recuperação Judicial. No documento enviado à 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central Cível da Capital/SP, pelo escritório Thomaz Bastos, Waisberg, Kurzweil, o motivo do alto endividamento foi a estratégia da empresa de utilizar capital de terceiros, como os bancos, para manter as margens. “Na expectativa de que os ganhos de escala e produtividade fossem suficientes para garantir o cumprimento das obrigações assumidas.”

Segundo o Grupo Cinel, a constante disparada no custo de produção também foi determinante para o pedido. A empresa explica que fatores externos, como a guerra na Ucrânia, a alta da taxa cambial e o aumento da inflação, impactaram diretamente as despesas do agronegócio, elevando o preço dos insumos, equipamentos e salários. “Esse cenário reduziu as margens de lucro e afetou a capacidade de honrar compromissos financeiros.” O grupo afirmou em 2023 que, apesar do crescimento da produção, a receita da atividade agropecuária caiu significativamente devido à alta produtividade do setor, pressão de clientes e intervenção governamental. “O ciclo de retorno dos investimentos se alongou, demandando novas linhas de crédito para a manutenção das operações.”

Fora do universo do agro, o documento revela ainda que o segmento de segurança patrimonial, divisão de serviços dentro do guarda-chuva do Grupo Handz, e onde opera a Gocil, enfrentou desafios como queda na demanda durante e após a pandemia. Houve ainda o aumento da concorrência direta no setor e pressões para redução de preços, que teriam impactado o fluxo de caixa e a rentabilidade das empresas. Somados os fatores, o grupo diz que os recursos ficaram comprometidos com operações de crédito e garantias fiduciárias, limitando a liquidez e dificultando a quitação de obrigações essenciais. “Agravou o endividamento e a necessidade de renegociações constantes.”

HORIZONTE – Os próximos passos do enredo, conforme aprovação do plano, envolvem a divisão dos credores – de funcionários a fornecedores e bancos – em classes. Para os chamados credores da classe 1 (dívidas trabalhistas), houve 99,2% de aprovação para pagamento em 12 meses. Para os da classe 2 (legalmente conhecidos por garantia real), a aprovação foi de 91% dos votos em valores. Para os da classe 3 (quirografários, que não têm direitos preferenciais para receber), foram aprovados 83% dos votos em valores, com dois anos de carência e correção de TR mais 2%. Segundo a companhia, com a aprovação do plano de Recuperação Judicial, o valor presente da dívida pode cair devido ao deságio aceito pelos credores para a continuidade do processo.

Via assessoria de imprensa, o grupo informou já ter iniciado o trabalho de equacionamento e pagamento da dívida, inclusive com a venda de imóveis e outros ativos. “Há muita demanda pelas terras do grupo, em especial as do Nordeste, cujo valor paga a maior parte da dívida.” Washington Cinel, que fundou a empresa em 1984, e sua família já teriam concordado com os termos de quitação nos autos da Recuperação Judicial. Houve também a confirmação de contratação de um empréstimo junto ao BTG Pactual na modalidade DIP (debtor-in-possession), com autorização dos credores, da ordem de R$ 75 milhões, “valor que pode ainda aumentar para fazer frente a outras necessidades para quitar compromissos.” O prazo das contratações com o BTG é de três anos e serão pagos com a venda de ativos.

Se tudo der certo, o grupo espera migrar parte da operação de serviços da Gocil para o setor de tecnologia, com entradas em mercados conectados ao sistema Smart City, adotado pela capital paulista para monitoramento e prevenção de crimes, monitoramento de lojas e uso de dados para mapear comportamentos e fluxo para o poder público e privado. Na mesma toada, há a pretensão de atuar na área de prestação de serviços para saneamento (tratamento e medição de água, esgoto e tecnologias associadas) e infraestrutura com iluminação pública. A dívida da Gocil é de R$ 280 milhões (16,5%) do total anunciado em 2023, sendo 75% de dívidas quirografárias (que não possuem garantia real para pagamento). Pela Recuperação Judicial, o grupo, fundado há 45 anos em Bauru, no interior de São Paulo, deve garantir não apenas a operação, mas também evitar demissões em massa, honrar os acordos e apresentar os resultados financeiros regularmente ao administrador de sua RJ, que deve ser indicado nos próximos dias.

Empresas do Grupo Cinel

(Reprodução/ Pedido RJ)

Empresas citadas:
Villa Tabatinga Imóveis e Empreendimentos Ltda. (Villa Tabatinga)
Maná Imóveis e Empreendimentos Ltda. (Maná)
Elah Agrobusiness Agropecuária Ltda. (Elah)
Agrocin Agropecuária Ltda. (Agrocin)
Nova Olinda SPE Ltda. (Nova Olinda)
Brangus Brasil Agropecuária Ltda. (Brangus)
Gocil Segurança Eletrônica Ltda. (GSE)
Gocil Serviços de Vigilância e Segurança Ltda. (GSV)
Gocil Serviços Gerais Ltda. (GSG)
Gocil Serviços Gerais Nordeste Ltda. (GSGN)
Gocil Nordeste Sistemas de Segurança Ltda. (GNSS)

Na RJ também é citada a empresa:
Washington Umberto Cinel

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