Especial ACSP 130 Anos. Roberto Ordine: defesa da liberdade econômica e de São Paulo

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Ordine: apoio ao comerciante e esforço de revitalização do Centro paulistano
Cesar Brunelli/Comunicação ACSP
  • Presidente diz que a grande qualidade da ACSP é buscar se atualizar continuamente e oferecer apoio principalmente para as empresas menores
  • Ordine: "Pela primeira vez, temos o governo do estado, a prefeitura e a sociedade civil do mesmo lado, buscando a melhoria do Centro Histórico"
Por Bruna Lencioni e Vitor Nuzzi

[AGÊNCIA DC NEWS]. O presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Roberto Mateus Ordine, 83 anos, guarda vínculos profundos com o Centro Histórico, que visitava desde criança, trazido pela mãe para compras na rua Direita, lanche no antigo Mappin, na praça Ramos de Azevedo, ou para o chamado footing na Barão de Itapetininga, o point da época, como se dizia. Foi no Centro, também, que ele começou a trabalhar, como office-boy. E – não poderia ser diferente – em 1980 foi convidado a participar da Distrital Centro da ACSP. As origens explicam a paixão de Ordine pelo projeto de revitalização da região, em que a Associação tem se empenhado ao lado do poder público. Esta é apenas uma das iniciativas da entidade, que aos 130 anos, a serem completados neste sábado (7), reforça seu papel em várias dimensões. A data guarda relação com a história econômica do país. Especialmente com o varejo e com o empreendedorismo. Mas também com a política, com a tomada de decisões que influenciam a vida das pessoas – em particular, dos comerciantes.

Ordine lembra que da ACSP saíram nomes que se tornaram influentes na política brasileira, como Guilherme Afif Domingos e Gilberto Kassab. “A casa deu origem a vários políticos de sucesso. Não como ponte, mas como resultado da força do que representa uma entidade como essa”, afirmou à AGÊNCIA DC NEWS, que pertence à ACSP, lembrando da presença da instituição em movimentos políticos desde o início do século passado. Em outro campo, participou de ações sociais como as que procuram acolher e capacitar moradores em situação de rua. E sem nunca descuidar da razão de ser da entidade, que a fez nascer e crescer: a defesa dos empreendedores, dos pequenos comerciantes. A ACSP, lembra seu presidente, continua empunhando suas principais bandeiras históricas: liberdade econômica, livre iniciativa e defesa do empreendedor. Mas tem a obrigação de participar de movimentos pela melhoria da cidade e da vida de todos os seus moradores.

Na semana em que diversas atividades celebram os 130 anos da maior associação comercial do país, Ordine ressalta o peso da entidade a partir de sua matriz como representante classista. Com participação ativa. Como voz da micro e pequena empresa. Como agente político por novos marcos legais – e de vigilância, como agora, na fase de regulamentação da Reforma Tributária. E como núcleo de ações de cidadania.

Escolhas do Editor

AGÊNCIA DC NEWS – A Associação Comercial de São Paulo surge apenas cinco cinco anos após a República, em 1894. Quais eram os desafios da época?
Roberto Mateus Ordine –
Como você sabe, o comércio teve uma projeção a partir da família imperial vindo para o Brasil, em 1808. Evidentemente já havia um comércio local, regional, mas o crescimento foi a partir da família real. São Paulo era um centro, embora provinciano e muito menor, mas já tinha algumas atividades. Aqui se compravam e vendiam mercadorias.

AGÊNCIA DC NEWS – Como foi o nascimento?
Roberto Mateus Ordine –
O coronel Antônio Proost Rodovalho [primeiro presidente da entidade], um homem de visão, à frente de sua época, empresário de sucesso, percebeu que uma das vantagens de se ter um associativismo era exatamente obter informações. Aquela expressão comercial que até hoje se usa, “Aviso à praça”, é porque eles se reuniam nesses locais. E os comerciantes trocavam informações: aquele fulano é bom comprador, aquele precisa tomar cuidado, atrasa um pouco… Essa aproximação dos empresários na praça deu a ele a ideia de formar a Associação Comercial de São Paulo.

AGÊNCIA DC NEWS – E quais foram os marcos históricos ao longo desses 130 anos?
Roberto Mateus Ordine –
A partir da influência que a Associação adquiriu ao reunir a elite empresarial daquele momento, além dos trabalhos pautados no comércio e nos negócios também havia um trabalho comunitário. Nunca foi só a agenda empresarial. Participamos da campanha contra a gripe espanhola, fizemos todos os movimentos de revolução (1924, 1930, 1932). Em 1924, já havia uma movimentação forte, porque São Paulo havia sido atacada [militares se revoltaram contra o governo federal, de Artur Bernardes, e a cidade chegou a ser bombardeada] e aquilo mexeu com o comércio de maneira geral, além da segurança da cidade. Em 1932, tivemos o então presidente da ACSP, Carlos de Souza Nazareth, exilado.

AGÊNCIA DC NEWS – É um papel da Associação não só a agenda econômica e social, mas também a política?
Roberto Mateus Ordine –
Com certeza. A casa deu origens a vários políticos de sucesso. Não como ponte política, mas como resultado da força do que representa uma entidade como essa. E essa liderança trouxe grandes nomes. Dos mais atuais, podemos falar do Guilherme Afif Domingos e do Gilberto Kassab, além de outras grandes lideranças que nasceram nesta casa e daqui levaram seu apoio para todo o Brasil.

AGÊNCIA DC NEWS – Como a Associação contribuiu para o fortalecimento do comércio e da indústria da cidade?
Roberto Mateus Ordine –
Aquelas informações comerciais, que eram verbais, passaram a fazer parte de um arquivo, que foi crescendo. E as empresas, que tinham o cuidado de não transferir essas informações para os seus concorrentes, buscaram na Associação Comercial a base que servia a todos os setores. E aí foi criado o SPC – Serviço de Proteção ao Crédito. Esse serviço cresceu muito, foi o grande apoio do comércio nas décadas de 1950, 60, 70. E naquela época ainda era manual, um arquivo imenso que a empresa mantinha para poder sustentar e atualizar as fichas, uma a uma.

AGÊNCIA DC NEWS – A Associação foi se modernizando e se profissionalizando. Esse é o maior desafio?
Roberto Mateus Ordine –
Mais que desafio, essa é a grande qualidade da Associação. Apesar de sua idade, de seus 130 anos, ela continua jovem, porque busca sempre se atualizar para o momento.

AGÊNCIA DC NEWS – Qual tem sido hoje o papel da Associação no diálogo com os governos (municipal, estadual, federal)?
Roberto Mateus Ordine –
Uma das características da Associação Comercial é conseguir abrir portas. E a partir dela construir avanços. Foi nesta casa que se aprovou a medida contra o que se chamava de tributação na fonte de serviços. Aqui também se lutou muito contra a CPMF. Foi aqui que se criou o Simples, facilitando o trabalho dos pequenos comerciantes. Assim como nasceu nesta casa o Microempreendedor Individual (MEI).

AGÊNCIA DC NEWS – Que foi um salto de inclusão, não?
Roberto Mateus Ordine –
Vou dar um exemplo simples: eletricista, encanador, marceneiro. Todas essas profissões estavam fora do sistema empresarial, sem os mesmos direitos, evidentemente proporcionais ao seu tamanho. Eles passaram a ter uma tributação mais simples, com obrigações acessórias, que são aqueles controles necessários às empresas no campo fiscal e trabalhista. Tudo de uma maneira mais simples. E no caso social ele e a família estão amparados na saúde e através da aposentadoria. Isso trouxe para a formalidade mais de 14 milhões de empreendedores individuais.

AGÊNCIA DC NEWS – Não dá para deixar de falar da Reforma Tributária, que está em fase de regulamentação do Senado. A partir daí, estará valendo.
Roberto Mateus Ordine –
A verdade é a seguinte: essa Reforma Tributária, desde o início, foi combatida pela Associação Comercial.

AGÊNCIA DC NEWS – Por quê?
Roberto Mateus Ordine –
Não que não fosse uma aspiração. Só que essa que veio não é a melhor, na nossa visão. Foi posta de cima para baixo. Trouxe o IBS (que juntava os impostos indiretos) e a CBS (as contribuições sociais), e nesse ponto foi positiva, porém, ela trouxe uma série de dificuldades. Primeiro pela sua alíquota elevada. Segundo, por uma série de circunstâncias em que alguns setores têm benefícios, outros não.

AGÊNCIA DC NEWS – Qual será a consequência?
Roberto Mateus Ordine –
Na verdade, ninguém sabe ao certo qual será a alíquota final. Se estima de 26% a 27%, mas não se tem certeza. E não é só isso. Quando um dos setores conseguiu alguma vantagem, aquela diferença foi repassada para outros. Então, a gente não sabe quanto de fato se passará de imposto daqui a cinco, seis anos. E vai ter um período de transição muito longo, que para alguns chegaria a dez anos, outros acham que sete anos. Mas são meras conjecturas. Nós só vamos sentir isso na prática.

AGÊNCIA DC NEWS – Há muita incerteza, não é?
Roberto Mateus Ordine –
Durante todo esse prazo, até 50 anos, quando se encerrar, muitos de nós nem estaremos aqui. Mostra uma dificuldade de ajustamento nesse período. Nós não imaginamos, nem sabemos. Não temos a certeza do que virá pela frente.

AGÊNCIA DC NEWS – No longo prazo há incerteza. E no curto, as certezas não são agradáveis…
Roberto Mateus Ordine –
Haverá uma fase de transição muito difícil, quando os pequenos empresários terão mais dificuldade, porque serão implantados dois sistemas de controle. Portanto, isso a princípio resulta em duas despesas. Poderá trazer muita dor de cabeça para todo o sistema econômico.

AGÊNCIA DC NEWS – Além destas causas mais visíveis, as grandes batalhas econômico-empresariais, para quem não é íntimo da ACSP é difícil compreender a atuação da instituição em tantas frentes, não?  
Roberto Mateus Ordine –
É nosso papel. A necessidade de oferecer apoio principalmente para as empresas menores. E aí vêm certificação digital, apoio jurídico, o AC Legal, que é exatamente para poder suprir a necessidade de pequenos empresários de contratar escritórios ou profissionais em todas as categorias. É uma preocupação de apoio à pequena empresa para equipará-la, de certa forma, às grandes empresas, que têm essa estrutura.

AGÊNCIA DC NEWS – Como funciona, na prática?
Roberto Mateus Ordine –
Por exemplo, quando uma pessoa tem uma dificuldade no campo tributário, trabalhista ou social e as respostas a essas indagações estão no apoio jurídico, temos um departamento à disposição para essa consultoria. Nas informações, nas orientações necessárias, pareceres e tudo o mais.

AGÊNCIA DC NEWS – E tem também uma Câmara de Mediação e Arbitragem.
Roberto Mateus Ordine –
A Associação percebeu, não só pelo grande acúmulo de processos, mas uma judicialização muito grande, o que tornou a Justiça morosa. E como o sistema comercial precisa ser mais ágil, então se pensou na criação de uma Câmara de Mediação e Arbitragem. Mediação na aproximação do comércio – tanto vendedor quanto comprador – e na aproximação do comerciante com o consumidor. A melhor maneira é através de uma mediação. E arbitragem quando as coisas precisam de um escopo mais técnico, que requer perícias e até mesmo uma sofisticação na solução do problema.

AGÊNCIA DC NEWS – Acelerando os processos e a resolução de conflitos.
Roberto Mateus Ordine –
Sim. Tudo isso traz rapidez. Hoje, em uma mediação, o prazo médio máximo é de seis meses. E numa arbitragem isso pode se estender até um ano. Na Justiça comum são anos e anos. A rapidez ajuda o empreendedor a não ter desgaste, principalmente custos financeiros.

AGÊNCIA DC NEWS – Um portfólio de serviços e produtos de apoio ao comerciante…
Roberto Mateus Ordine –
E em várias frentes. Desde o início a Associação Comercial procura ir ao encontro de resolver, minimizar, as dificuldades dos comerciantes, dos empresários, dos prestadores de serviços e até mesmo dos profissionais liberais. Incluindo a criação de uma série de cursos até chegarmos à formação da Faculdade do Comércio [FAC], a primeira especializada em comércio, onde se forma o gestor e também o administrador da empresa, sempre tendo como base a atividade comercial. A faculdade já está com cinco anos, com muito sucesso.

AGÊNCIA DC NEWS – Com nota máxima, inclusive.
Roberto Mateus Ordine –
Isso. Acabamos de receber a renovação com a nota máxima (5), dada pelo Ministério da Educação.

AGÊNCIA DC NEWS – Além dos produtos e serviços ao empreendedor, ao comerciante, entre as bandeiras da ACSP está a causa social. O que o senhor pode destacar?
Roberto Mateus Ordine – Uma das circunstâncias que levou a Associação Comercial a entrar nesse campo é pelo número de pessoas que acabaram vivendo nas ruas. E em São Paulo estava crescendo muito. Então, com a prefeitura, começamos a entrar nesse trabalho através do projeto Acolher, ajudando a prefeitura durante o dia a tirar aquelas pessoas da rua, acolher num abrigo onde elas pudessem ter a sua higiene, ter suas refeições dignamente, levar seus cachorros…

AGÊNCIA DC NEWS – Mas isso não seria suficiente…
Roberto Mateus Ordine –
Isso só não bastava. Era preciso mais um pouco. Então, junto ao Sincomavi [Sindicato do Comércio Varejista de Material de Construção, Maquinismos, Ferragens, Tintas, Louças e Vidros da Grande São Paulo], iniciamos um trabalho de qualificação profissional. Essas pessoas passam a frequentar um curso e tem encaminhamento para o trabalho. As primeiras turmas são de pintores. Há uma carência de mão de obra na construção civil. Em parceria com entidades de construção, estamos não só qualificando essas pessoas, como também gerando emprego. Esse é um trabalho social. É uma obrigação da sociedade. E nós como parte da sociedade tínhamos de entrar.

AGÊNCIA DC NEWS – Por fim, uma das maiores bandeiras da entidade é o Centro Histórico de São Paulo. Para quem não frequenta tanto a região, o que o senhor tem a dizer?
Roberto Mateus Ordine –
Essa é uma paixão. O amor que eu tenho pelo Centro da cidade, onde cresci, trabalhei, vi a fase áurea e a fase descendente. Junto de companheiros aqui, há muitos anos a gente vem lutando pela revitalização do Centro. Mas algumas dificuldades surgiram, principalmente com a pandemia, e acabaram afastando muitos comerciantes das principais ruas comerciais. Aí começamos a fazer uma campanha com a prefeitura e com o governo do estado. Porque, pela primeira vez, temos o governo do estado, a prefeitura e a sociedade civil do mesmo lado, buscando a melhoria da região.

AGÊNCIA DC NEWS – O que é necessário para essa transformação?
Roberto Mateus Ordine –
Três pontos principais: zeladoria, iluminação e segurança, o principal deles. Esses três pontos foram atendidos da parte do governo. E a Associação Comercial incentiva as empresas que haviam saído a se reinstalar aqui, ou as que ainda não haviam chegado que viessem.

AGÊNCIA DC NEWS – Está dando certo?
Roberto Mateus Ordine –
Para nossa sorte. Neste ano de 2024, as principais ruas do Centro Velho vêm sendo renovadas. Muitas lojas abrindo e trazendo novamente a vida comercial e social para a região. Temos esperança de até 2025 conseguir trazer novamente para o Centro uma população como chegou a ter no passado, de milhões de pessoas. Hoje já temos 600 mil pessoas circulando pela região central todos os dias, que é uma boa fonte potencial de receita para o comércio. Nos próximos cinco anos, sem ser futurologista, vamos ter um Centro vivo, muito ativo e trazendo não só receita, mas principalmente a população de volta às ruas.

AGÊNCIA DC NEWS – Qual sua visão de futuro para a ACSP?
Roberto Mateus Ordine –
Estamos dando sequência aos trabalhos que foram iniciados nas gestões anteriores. Em três frentes.

AGÊNCIA DC NEWS – Quais?
Roberto Mateus Ordine –
Em primeiro lugar, nas nossas bandeiras em torno da liberdade econômica, da livre iniciativa e da defesa do empreendedor. Por outro lado, ajudar a cidade de São Paulo a ter vida, segurança, limpeza, trazendo uma qualidade melhor para os seus habitantes. E há um terceiro aspecto: gerar uma economia digna da cidade, do estado de São Paulo, como locomotiva. Nosso slogan é: ‘Nosso negócio é ajudar o seu’.

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