Especial Metrô-SP 50 Anos. Um prédio no caminho: a primeira implosão da América Latina aconteceu no Centro de São Paulo

Uma image de notas de 20 reais
Em segundos, um ícone vai ao chão
Crédito: Acervo Metrô SP
  • Com 30 andares, edifício Mendes Caldeira, na praça da Sé, foi ao chão em oito segundos. Foram usados 420kg de dinamite
  • Metrô Sé, mais movimentado de todo o sistema, já foi endereço de cinco partos
Por Vitor Nuzzi

Há exatos 50 anos, numa manhã de segunda-feira, também 16 de setembro, os primeiros paulistanos faziam suas viagens inaugurais no metrô. Havia apenas uma linha (a atual 1-Azul) e sete estações (da Vila Mariana até o Jabaquara). De lá para cá, se aproxima da primeira centena de estações (em operação são 91) e bateu 104km de extensão. Para marcar este meio século do sistema – decisivo não apenas para a mobilidade da metrópole, mas igualmente em sua transformação econômica –, a agência DC NEWS iniciou a série Metrô-SP 50 Anos. Pelos próximos dez dias, veicularemos reportagens para narrar suas melhores histórias e seus maiores desafios. Na de hoje, a chegada ao Centro.

Reportagem 2. Um Prédio no Caminho:

“Perfect job (trabalho perfeito)”, disse Jack Loiseaux, técnico americano que, ao lado dos filhos Mark e Douglas, além de profissionais brasileiros, comandou o trabalho de implosão do edifício Mendes Caldeira, na praça da Sé, em 16 de novembro de 1975. Naquela manhã de domingo, excepcionalmente, o assunto do dia não era futebol: os três grandes da capital, Corinthians, Palmeiras e São Paulo, enfrentariam, respectivamente, Fluminense, Botafogo e Flamengo, pelo Campeonato Brasileiro. As atenções se voltavam para o Centro Histórico paulistano, palco de uma experiência inédita por aqui e praticamente desconhecida.

Foi a primeira implosão realizada na América Latina, para dar sequência às obras da estação do metrô da Sé – que só seria inaugurada três anos depois, em 1978, quatro após o início das operações comerciais do Metrô paulistano. Naquele momento, quem embarcava na Norte-Sul, atual Linha 1-Azul, até então a única, passava direto da estação Liberdade para a São Bento (ou vice-versa). À época, a operação foi feita para dar sequência à construção da Linha 3-Vermelha (antiga Leste-Oeste).

Durou apenas oito segundos. Uma mulher chegou a ficar ferida, provavelmente atingida por uma pedra, e outra desmaiou. Prédios próximos tiveram vidros destruídos pelo impacto. Mas a implosão, para a qual foram usados 420 quilos de dinamite, foi bem-sucedida. Desde o início do projeto, fazer o metrô chegar ao ponto mais central da cidade, uma área altamente edificada, foi o maior desafio. E tirar da frente o Mendes Caldeira foi seu ponto mais emblemático.

Erguido no início dos anos 1960, próximo à Catedral (à esquerda de quem olha a igreja de frente), o edifício Mendes Caldeira, entre as praças da Sé e Clóvis Beviláqua, tinha 30 andares, 110 metros de altura e 5 mil frequentadores diários. Trezentos repórteres e cinegrafistas cobriram o acontecimento. Havia, ainda, os curiosos que se aglomeraram em áreas e prédios próximos, para testemunhar aquele momento histórico.

“O Mendes Caldeira está reduzido a 10m de entulho. Sacrificado, para que sobre ele se erga a nova cidade”, escreveu o cronista Lourenço Diaféria, na edição do dia 17 do jornal Folha de S.Paulo (“Réquiem pelo prédio que cai de pé”). Deu tudo certo, foi perfeito, como disse Jack, mas os responsáveis pela operação só ficaram tranquilos depois que o edifício caiu como previsto – havia receio de que a estrutura tombasse para algum lado, especialmente na direção da Catedral da Sé.

O geólogo do Metrô Kenzo Hori assistiu a tudo bem ao lado, no prédio do Corpo de Bombeiros, na companhia do engenheiro civil Jorge Takahashi – um dos responsáveis pela implosão –, que manteve os dedos cruzados. O próprio Jack, então com 53 anos e know-how de mais de 200 demolições, só sossegou quando Mark disse: “Não sobrou nada”. O geólogo Hugo Cássio Rocha, há 38 anos no Metrô, disse que a solução não aconteceria atualmente. “Mas na época era possível fazer esse tipo de intervenção urbana. A Linha 1 foi escavada a céu aberto. Hoje, seria inviável”, afirmou Rocha.

A região da Sé era bem diferente: junto à Catedral, fica o Tribunal de Justiça de São Paulo, e havia, na verdade, duas praças, a Sé e a Clóvis Beviláqua, praticamente absorvida pela maior. Naquela área, existiam vários pontos de ônibus, sem o calçadão atual. Pouco tempo depois, em 1976, viriam ao chão mais dois imóveis simbólicos: o Palacete Tina e o Edifício Irmãos Conzo. Foram, respectivamente, a segunda e terceira implosões no país, para continuação das obras, que também mexeram profundamente com o largo São Bento, também no Centro Histórico. Outros prédios importantes escaparam, caso do Instituto Caetano de Campos, na Praça da República, que chegou a ser cogitado na lista dos “derrubáveis”.

Acervo Metrô SP
Obras na região da Sé: intervenção urbana
Crédito: Acervo Metrô SP

HISTÓRIA – Esse processo teve um de seus passos iniciais ainda em 1971, quando a Companhia do Metropolitano adquiriu o Palacete Santa Helena, uma construção luxuosa de 1925 que abrigou teatro e cinema. Foi posto abaixo, ainda a marretadas, em outubro de 1971, algo que hoje talvez fosse considerado impensável, pelo valor histórico do imóvel. Ali se abriu espaço para uma esplanada formada pelas duas praças. Assim foi surgindo aquela que ainda hoje é a mais movimentada estação do Metrô, que faz a integração entre duas linhas. De janeiro a junho deste ano, por exemplo, a média foi de 1,079 milhão de passageiros por dia útil na Linha 1-Azul (do Tucuruvi ao Jabaquara) e de 1,047 milhão na Linha 3-Vermelha (de Palmeiras-Barra Funda até Corinthians-Itaquera). Os dados são do Portal da Transparência do Metrô.

E muitas, muitas histórias em volta de suas 38 escadas rolantes, 35 escadas fixas, 36 catracas e quase 200 funcionários. Ali, o governo do estado liberou o acesso para que a população participasse do comício pelo restabelecimento das eleições diretas para presidente da República, em 25 de janeiro de 1984. Segundo as estimativas da época, 300 mil pessoas estiveram presentes. A Sé também lidera em estatísticas improváveis, como a de natalidade no metrô paulistano. Desde o início das operações, foram realizados 31 partos em estações. Cinco deles aconteceram na Sé – em 1992, 1993, 2001, 2004 e 2019. Neste último, em 30 de setembro, três agentes de segurança auxiliaram uma moradora em situação de rua, que teve o filho em um sanitário.

Todas as reportagens do Especial Metrô-SP 50 Anos.

1. Os vários nascimentos do metrô de São Paulo

2. Implosões abrem caminho para o Centro

3. Estação da Luz

4. Acidentes e incidentes

5. Extensão do sistema deveria quase triplicar

6. Achados & Perdidos

7. Metrôs mais profundos

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