Fator Bolsonaro deixa agronegócio em encruzilhada na negociação de tarifaço de Trump

Uma image de notas de 20 reais

Crédito: Bruno Peres/Agência Brasil

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A ameaça feita pelo presidente americano Donald Trump de sobretaxar as exportações brasileiras em 50% a partir de 1º de agosto colocou o agronegócio brasileiro em um impasse, dividido entre o pragmatismo que o assunto requer e a disputa política que tem contaminado o debate.

A possibilidade de aplicação da Lei da Reciprocidade contra os Estados Unidos é hoje uma das principais evidências desse movimento. Em abril, um dia antes de o presidente dos Estados Unidos anunciar seu tarifaço global, a bancada ruralista do Congresso se uniu ao governo Luiz Inácio Lula da Silva em um esforço inédito e aprovou, de forma unânime, a nova lei.

Numa aprovação relâmpago, os parlamentares adaptaram o texto original que tratava apenas de questões ambientais em relação à União Europeia, para incluir o mesmo tipo de reciprocidade nas decisões comerciais.

“Esse episódio entre os EUA e o Brasil deve nos ensinar definitivamente que nas horas mais importantes não existe Brasil de esquerda com Brasil de direita. Que pensemos diferente sim, mas não quando o povo está ameaçado”, disse o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), durante a votação na casa.

Ao incluir o Judiciário brasileiro e Jair Bolsonaro em suas alegações para, agora, impor uma tarifa de 50% contra o Brasil, Donald Trump colocou o agro numa encruzilhada. A possibilidade de usar a Lei de Reciprocidade, até então celebrada, passou a ser tratada pelo próprio agro como sinônimo de radicalismo e incapacidade de negociação pelo governo.

Principal voz dos produtores rurais entre os bolsonaristas, Nabhan Garcia, que preside a União Democrática Ruralista (UDR Nacional), chega a defender o direito de Donald Trump impor a tarifa ao Brasil e nega que se trate de chantagem.

“A tarifa é uma decisão soberana dos Estados Unidos. É claro que tem uma questão geopolítica por trás. Tudo isso está acontecendo por causa dessa postura que o governo brasileiro vem assumindo com outros países ditadores. O produtor pecuarista não aceita essa acusação de que o Bolsonaro é culpado disso. Ao mesmo tempo, entendemos que é preciso ter cautela, não adianta querer enfrentar na mesma moeda”, diz.

Relatora do texto da lei no Senado, a senadora Tereza Cristina (PP-MS) declarou, quando da aprovação da reciprocidade em abril, que, caso os produtos brasileiros sejam alvo de ações abusivas, o Brasil passaria a ter meios de reagir e adotar medidas equivalentes.

“Em um cenário global onde as nações estão cada vez mais adotando posturas protecionistas, a Lei da Reciprocidade oferece ao Brasil um instrumento essencial para se proteger em caso de medidas desproporcionais, sempre priorizando o diálogo e a diplomacia”, disse na ocasião a ex-ministra da Agricultura de Bolsonaro.

Newsletter Tarifaço Receba no seu email o que você precisa saber sobre a crise entre EUA e Brasil *** O senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), autor do projeto original da reciprocidade, subiu o tom sobre o assunto, em abril. “Podem botar quente lá que nós estamos fervendo aqui”, disse.

Na Câmara, o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), relator do texto da reciprocidade, disse que o projeto era “medida essencial para mostrar que o Brasil não abrirá mão de resguardar sua soberania econômica frente a práticas discriminatórias realizadas por outros países no âmbito do comércio exterior”.

A CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) avaliou, em abril, que a Lei da Reciprocidade “é essencial diante da crescente adoção de medidas unilaterais e discriminatórias por países ou blocos econômicos, que prejudicam a competitividade e o acesso dos produtos brasileiros ao mercado internacional.”

Agora, porém, o discurso dos ruralistas passou a focar as negociações e não usar a lei. “Minha posição, desde que relatei o PL da reciprocidade, é que a lei só deveria ser usada em último caso. Vejo como uma carta na manga, uma ferramenta na prateleira. Defendo que os instrumentos de retaliação previstos na lei só devem ser acionados depois de esgotados todos os canais diplomáticos”, disse Tereza Cristina.

“Continuo com esse entendimento agora nessa crise com os Estados Unidos. Temos de ter essa lei, mas preferencialmente para não usar. Não temos como ‘ir de peito aberto’ enfrentar os EUA, que perdem com essa guerra, mas acho que o Brasil perde mais.”

Já a FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), que reúne a bancada ruralista, cobrou “uma resposta firme e estratégica” do governo, mas não mencionou a eventual aplicação da lei reciprocidade. “É momento de cautela, diplomacia afiada e presença ativa do Brasil na mesa de negociações. A FPA reitera a importância de fortalecer as tratativas bilaterais, sem isolar o Brasil perante as negociações. A diplomacia é o caminho mais estratégico para a retomada das tratativas”.

A CNA declarou que, “enquanto o Brasil real tenta recuperar sua economia, atrair investimentos, abrir mercados e gerar empregos, a política nacional insiste em girar em torno de uma pauta estéril, paralisante, marcada por radicalismos ideológicos e antinacionais”.

Numa crítica generalizada a todos, a CNA disse que “a economia não pode continuar sendo refém de narrativas políticas que alimentam extremos e paralisam decisões”. Segundo a confederação, o Brasil “precisa voltar a olhar para frente e isso exige maturidade, de todos os lados”.

Ao dizer que “o governo atual é muito culpado também”, a CNA diz que a gestão Lula deixou de assumir a liderança de uma “agenda pragmática e pacificadora”, para “reabrir feridas políticas, reforçando antagonismos e muitas vezes tratando adversários como inimigos”.

Após encontros realizados nos últimos dias entre representantes do governo, do agro e da indústria, chegou-se a um novo consenso: pedir aos EUA um adiamento de 90 dias da entrada em vigor das tarifas, previstas para 1º de agosto. O objetivo seria ganhar tempo para negociar uma solução definitiva.

Voltar ao topo