WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Como se não bastassem todas as reviravoltas já vistas nesta eleição americana, um novo elemento surpresa surgiu na reta final do pleito: furacões. O impacto dos desastres nas urnas é incerto, tornando ainda mais imprevisível o que analistas já esperam ser o pleito mais acirrado da história dos Estados Unidos.
A temporada de furacões no país acontece sempre no segundo semestre: o Katrina atingiu a Louisiana em agosto de 2005, o Sandy impactou Nova York e Nova Jersey em outubro de 2012, às vésperas da votação que reelegeu Barack Obama –e é apontado por muitos como um fator importante para esse resultado. Em setembro de 2017, primeiro ano de governo de Donald Trump, o Maria devastou Porto Rico.
Neste ano, há não apenas um, mas dois furacões na conta: o Helene, que atingiu a Flórida no final de setembro e provocou mais de 230 mortes na Carolina do Norte e na Geórgia, estados que definirão o resultado da eleição neste ano. Ainda não se sabe quais serão as consequências do furacão Milton, mas a apreensão às vésperas de sua chegada já deixou marcas no polarizado cenário político.
Em um país onde o voto não é obrigatório, a primeira preocupação é com o impacto dos desastres na participação eleitoral -o temor é que, diante das dificuldades enfrentadas pelos atingidos diretamente, as pessoas deixem de votar.
A Fema, agência federal responsável pela resposta a emergências, colocou 82 condados da Geórgia e da Carolina do Norte na lista daqueles cujos moradores têm direito a algum tipo de auxílio em decorrência da passagem do Helene. Segundo uma análise feita pela rede pública NPR, esses locais foram responsáveis por 18% do total de votos na Geórgia e 27,5% na Carolina do Norte na eleição de 2020.
No primeiro estado, Trump teve 57,3%, ou cerca de 129 mil votos a mais do que Joe Biden nessas áreas, de acordo com o levantamento. No segundo, ele venceu com 51,6% -uma margem de apenas 3.321 votos sobre o democrata.
A melhor pesquisa de intenção de voto recente desses estados, feita pela Universidade Quinnipiac entre 25 e 29 de setembro, mostra Trump e Kamala tecnicamente empatados. Numericamente, o republicano tem 50% contra 44% na Geórgia e 49% contra 47% na Carolina do Norte. A margem de erro nos dois é de 3,2 pontos percentuais.
Assim, uma participação mais baixa pode prejudicar Trump caso o pleito se prove tão acirrado quanto as pesquisas apontam. Em uma entrevista à Fox News na segunda (7), ele tentou incentivar seus eleitores. “Eu acho que eles vão votar nem que tenham que rastejar até a cabine”, disse.
Muitos apoiadores do empresário têm espalhado teorias da conspiração afirmando que os furacões foram fabricados pelo governo Biden. A deputada Marjorie Taylor Greene, uma aliada próxima de Trump e representante da Geórgia, chegou a dizer que “eles conseguem controlar o tempo” em seu perfil no X.
O próprio candidato e aliados poderosos, como o bilionário Elon Musk, vêm difundindo uma série de mentiras sobre a resposta federal ao Helene, entre elas a de que as áreas atingidas estariam sendo deixadas de lado porque são predominantemente republicanas.
O fato de uma parte significativa dos eleitores votarem à distância nos EUA também vem sendo explorado. Nas redes sociais, usuários afirmam, sem provas, que milhares de cédulas em trânsito foram perdidas, por exemplo. Na Carolina do Norte, o envio dos papéis para os eleitores começou em 24 de setembro e na Geórgia, em 7 de outubro.
Para acomodar esses eleitores, os estados atingidos têm feito pequenas mudanças nas regras de votação, como designar novas seções eleitorais e ampliar os locais em que suas cédulas podem ser depositadas. Na Flórida, um estado considerado já ganho pelos republicanos, os condados atingidos terão maior flexibilidade para distribuir cédulas por correio.
Mas mesmo essas mudanças, implementadas para facilitar a votação, podem virar arma para questionar o resultado da eleição, alerta uma análise do Center for an Informed Public, da Universidade de Washington.
Para além da participação eleitoral, é impossível por enquanto saber o impacto dos furacões nas preferências dos eleitores. As duas campanhas tentam reagir, com Trump usando os desastres para atacar o governo e, por tabela, Kamala.
Democratas, por sua vez, estão preocupados em mostrar serviço para evitar que uma eventual má avaliação da resposta respingue em sua candidata.
Um dos poucos dados até agora é uma pesquisa de opinião YouGov, realizada em 6 e 7 de outubro com 1.604 americanos em todo os EUA. Segundo o levantamento, 38% afirmam aprovar o desempenho de Biden na resposta ao Helene, enquanto 44% desaprovam. Entre independentes, os percentuais são 22% e 35%, respectivamente. A avaliação é pior do que a dos governadores dos estados afetados, aprovados por 55% e desaprovados por 17%.