SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pelo menos 70 pessoas, incluindo três crianças, foram mortas no Haiti na quinta-feira (3), depois que integrantes da gangue Gran Grif usaram fuzis automáticos para atirar a esmo contra moradores da cidade de Pont-Sonde, disse nesta sexta-feira (4) um porta-voz do Escritório de Direitos Humanos da ONU.
Segundo a Organização das Nações Unidas, outras 16 pessoas ficaram gravemente feridas, incluindo dois criminosos. Os membros da gangue incendiaram ao menos 45 casas e 34 veículos, forçando os moradores a fugir e buscar refúgio na cidade costeira de Saint-Marc. A Polícia Nacional do Haiti enviou tropas para a região.
O massacre marca outra escalada no conflito entre autoridades do Haiti e o crime organizado gangues controlam parte da capital, Porto Príncipe. A crise de segurança já deixou mais de 700 mil pessoas deslocadas e outras centenas de milhares em condição de insegurança alimentar. Mais de 3.500 pessoas morreram no confronto desde janeiro, segundo a ONU.
“Esse crime odioso contra homens, mulheres e crianças indefesos não é só um ataque contra as vítimas, mas também contra toda a nação haitiana”, disse o primeiro-ministro do país, Garry Conille.
O Ministério da Justiça afirmou em comunicado que “a polícia foi formalmente instruída a restabelecer a ordem e impedir que todos aqueles que semeiam terror no departamento de Artibonite [onde fica Pont-Sonde] causem danos”. “Esses crimes não ficarão impunes”, escreveu a pasta na nota.
Em mensagem de áudio divulgada em redes sociais ainda na quinta, o líder da gangue Gran Grif, Luckson Elan, disse que o ataque ocorreu depois que os habitantes de Pont-Sonde se recusaram a ajudar a facção contra a polícia. “O que aconteceu em Pont-Sonde é culpa dos moradores e é culpa do Estado”, afirmou o criminoso, alvo de sanções por parte da ONU.
As Nações Unidas acusam Gran Grif de ordenar chacinas, estupros em massa, sequestros, assaltos, deslocamentos de civis e destruição de propriedade. “A gangue [liderada por Grif] também é responsável pelos níveis mais altos de recrutamento de crianças no Haiti”, disse o Conselho de Segurança da ONU. Segundo a organização, as armas das gangues no país são traficadas principalmente dos Estados Unidos.
O Itamaraty disse nesta sexta que tomou conhecimento do ataque e expressou “grave consternação”.
“O governo brasileiro manifesta solidariedade ao povo e às autoridades do Haiti e reitera seu compromisso em contribuir para que o país caribenho retome, o quanto antes, o caminho da paz e do desenvolvimento”, disse o Ministério das Relações Exteriores em nota.
Pont-Sonde é uma importante produtora de arroz, assim como o resto da região de Artibonite, que foi a mais atingida pela violência fora da capital. A baixa produtividade agrícola agrava a crise de fome pela qual atravessa o Haiti, e alguns agricultores foram expulsos de suas terras pelas gangues.
O líder criminoso Jimmy Cherizer, um ex-policial que agora atua como porta-voz de uma aliança de gangues no Haiti, disse em vídeo que o ataque contra Pont-Sonde tinha o objetivo de impedir que Artibonite possa produzir comida para o resto do país.
O Haiti recebe uma missão da ONU liderada pelo Quênia, que prometeu enviar mais de 2.000 policiais para apoiar as forças de segurança locais o Conselho de Segurança prorrogou a operação por pelo menos um ano na última segunda-feira (30). Até aqui, apenas 400 policiais quenianos chegaram ao Haiti, de acordo com a agência de notícias Reuters.
O Brasil não enviou forças ao país desta vez, após integrar a Minustah, missão da ONU, de 2004 a 2017. Mas Brasília se dispôs a ajudar com transporte de forças policiais da região do Caribe para a ilha, e a Polícia Federal vai oferecer treinamento a integrantes da Polícia Nacional haitiana.
O presidente Lula se reuniu com Gary Conille em uma reunião bilateral às margens da Assembleia-Geral da ONU em Nova York no último dia 23. Na ocasião, o brasileiro disse que o mundo precisa ter responsabilidade e que há zero solidariedade internacional com a crise no Haiti.
“Nós temos que assumir responsabilidade não o Brasil, o mundo com o Haiti. Não é possível. O país está se deteriorando e a solidariedade internacional, zero”, disse Lula a jornalistas, ao deixar a missão do Brasil junto à ONU, onde a reunião ocorreu.
A violência no Haiti levou centenas de milhares de pessoas a deixar o país, a maioria em direção aos Estados Unidos. Mas países como os EUA e o Reino Unido, que têm territórios no Caribe, continuam a organizar voos de deportação de haitianos, a despeito de pedidos da ONU para que essas deportações sejam suspensas.
A República Dominicana, que faz fronteira com o Haiti e divide a Ilha de São Domingos com o país vizinho, disse nos últimos dias que pretende aumentar o número de deportações para cerca de 10 mil por semana.