George Santos faz acordo com Justiça dos EUA e se declara culpado por crimes

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NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS) – Em acordo com a Justiça dos Estados Unidos, o ex-deputado George Santos se declarou culpado por duas acusações -fraude eletrônica e roubo de identidade- nesta segunda-feira (19), 15 meses depois de ser indiciado pelo governo federal americano por uma série de crimes.

O acordo evita julgamento marcado para setembro. Ao admitir culpa por roubo de identidade, porém, de acordo com a lei federal americana, George Santos será condenado a no mínimo dois anos de prisão. A orientação para a sentença por fraude eletrônica foi estimada pela juíza do caso de 6 a 7 anos -a pena final será conhecida no dia 7 de fevereiro do ano que vem.

O jornal The New York Times e a rede CBS News afirmam ainda que o acordo implica em restituição de pelo menos US$ 373.749,97 (cerca de R$ 2 milhões).

“Me declarar culpado é um passo que nunca pensava em tomar e é um reconhecimento das mentiras que disse a outros e a mim mesmo”, disse Santos na saída do tribunal, tentando controlar o choro.

“Eu me arrependo profundamente da minha conduta e do mal que ela causou, e aceito toda a responsabilidade pelas minhas ações”, disse o ex-deputado, ainda no tribunal, perante a juíza.

Em dezembro passado, o político republicano, filho de brasileiros, que mentiu sobre a própria biografia para se eleger, tornou-se o sexto deputado a ser expulso na história do Congresso americano. Na sexta-feira (16), os promotores e os advogados de Santos pediram a audiência especial para esta segunda, sem especificar as condições do acordo sobre o caso, previsto para ir a julgamento a partir de 9 de setembro.

O ex-deputado era alvo de 23 acusações que incluíam fraude eletrônica, lavagem de dinheiro, roubo de dinheiro público e roubo de identidade de doadores para cobrar despesas de seus cartões de crédito.

Os promotores pediram para usar, no julgamento, a vasta coleção de invenções de Santos sobre sua vida. Ele se reembolsou por um empréstimo de US$ 800 mil (R$ 4,33 milhões) que nunca fez à própria campanha; afirmou ter frequentado uma escola secundária nova-iorquina de elite -seus pais, já separados, eram então uma empregada doméstica com família em Niterói e um pintor de paredes mineiro; mentiu sobre ter estudado finanças no Baruch College e ter trabalhado em Wall Street, nas empresas Goldman Sachs e Citigroup; ele trabalhou, de fato, em uma empresa que foi acusada de armar um esquema de pirâmide fraudulento de investimentos, e mentiu sobre um fundo de US$ 1,5 bilhão (R$ 8,1 bi) que dava retornos de 12% a 26%.

Dois ex-funcionários da campanha eleitoral de Santos em 2022, incluindo sua tesoureira Nancy Marks, que tem vínculos com outros políticos republicanos, já haviam se declarado culpados e estavam cooperando com o governo.

As mentiras de George Santos, como ele mesmo confirmou, têm alguma tradição de reinvenção na cultura americana, de status adquirido por sucesso financeiro, na narrativa de autoengano que finge não haver sistema de classes e onde qualquer desfavorecido invisível chega ao topo por trabalho duro e mérito.

No final de dezembro de 2022, semanas depois de uma vitória surpresa do primeiro republicano abertamente gay, no distrito mais rico do estado de Nova York, representado na década anterior por democratas, Santos começou a desmoronar com a publicação de uma reportagem investigativa do jornal The New York Times.

O entusiasta fã de Donald Trump já havia atraído desconfiança na eleição de 2020, que perdeu e, como seu ídolo, insistiu que ela foi fraudada, a ponto de comparecer à semana de instrução de deputados calouros.

Mas, na campanha eleitoral 2022, com Joe Biden na Casa Branca e o Partido Democrata distraído com outros assentos cruciais no Congresso, Santos velejou para a vitória.

Observadores estrangeiros estranham o fato de que, denunciado semanas antes da posse, Santos não só assumiu o assento no Congresso, mas passou quase um ano sendo protegido com certo zelo pela liderança republicana, cuja maioria apertada requeria seu voto. Depois que um grupo de deputados pressionou pela expulsão, o distrito foi recuperado pelo democrata Tom Suozzi, na eleição especial de fevereiro deste ano.

A eleição de Santos gerou um debate sobre fragilidade legal do sistema eleitoral americano e moveu os holofotes para a falta de regulação de doações de campanha. Embora o agora ex-deputado, então com 34 anos, agisse completamente fora da curva de políticos da direita, obcecado com compras e grifes, a certa altura se declarando judeu, apesar da família católica praticante, ninguém no partido tentou interferir, nem mesmo quando a própria campanha encomendou e recebeu um relatório sobre as mentiras, declarando o novato virtualmente inelegível.

De todas as mentiras que Santos contou e foram expostas, seu passado de drag queen como Kitara Ravache -que ele assumiu este ano para ganhar dinheiro em websites depois de cassado- talvez possa iluminar a encruzilhada psicológica do político em quem amigos conhecidos de Niterói nem de longe identificaram um fã de armas de fogo, repressão social e autocracia.

O George Santos que aderiu à ideologia promovida por Trump era, no relato de pessoas que esta repórter encontrou, visitando os locais que ele frequentava em Niterói, um mentiroso mais travesso do que maligno. No testemunho de quem conviveu com ele, em preparativos para encarnar a persona de Kitara Ravache, a grande ambição do nova-iorquino era o sucesso como Kitara nos palcos.

Isto até ele embarcar às pressas de volta para Nova York, ao ser procurado pela Justiça fluminense, em 2011, por passar cheques sem fundo num shopping de Niterói. Um crime menor que reemergiu quando ele se elegeu, em 2022, e pelo qual se declarou culpado em maio do ano passado, em troca de uma multa em torno de US$ 5.000 (R$ 27 mil).