BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo do presidente Lula (PT) vê a crise na Venezuela ainda sem prazo para acabar e insiste numa alternativa de diálogo pela política, mas o petista viveu uma semana de decepções: a desistência do México de participar das articulações ao lado do Brasil e da Colômbia, a diminuição da expectativa de divulgação das atas eleitorais e o rechaço a propostas aventadas.
A situação levou a uma recalibragem do discurso do lado brasileiro, com frases críticas ao regime chavista, com expressões até então inéditas. O próprio Lula chegou a afirmar que se trata de um “regime muito desagradável” e com “viés autoritário”.
A avaliação interna no governo é que os ânimos ainda estão exaltados e nenhum dos lados oposição ou regime está disposto a aceitar uma solução que não seja o reconhecimento de sua vitória.
Nesta semana, Lula lançou publicamente duas sugestões, ainda embrionárias, para o regime do ditador Nicolás Maduro e para a oposição: novas eleições ou um governo de coalizão. As duas foram rechaçadas por atores internacionais, pela líder da oposição María Corina Machado e pelo próprio Maduro que sinalizou em suas falas não estar aberto a interferências externas, mesmo de aliados como o brasileiro.
Auxiliares de Lula minimizam os reveses e dizem que as ideias surgem como balões de ensaio até que algo se sustente nos dois lados da mesa de negociação. O importante é manter a discussão no trilho da política, disse um aliado.
Para isso, integrantes do governo que participam das conversas dizem que há uma lista de itens indispensáveis com o intuito de construir um diálogo entre Maduro e a oposição. Os principais são anistia numa eventual transição de poder e a suspensão de sanções internacionais.
Apesar disso, nenhum desenho de solução parece certo no momento, segundo auxiliares.
O México chegou a integrar com Brasil e Colômbia a frente pela saída diplomática na região, mas deixou o grupo nos últimos dias. Segundo um interlocutor de Lula, a baixa prejudica a iniciativa, mas não a impede.
Outro baque veio dos Estados Unidos. Depois de ser noticiado de que o presidente Joe Biden apoiaria novas eleições na Venezuela, a Casa Branca em seguida distanciou o líder americano da proposta.
A Venezuela vive uma grave crise institucional, que se agravou com a realização das eleições presidenciais no fim de julho. Maduro foi proclamado reeleito pouco depois do pleito, mas o resultado é amplamente questionado.
O principal impasse no momento é a divulgação das atas eleitorais. Apesar da pressão internacional, inclusive do Brasil, o CNE (Conselho Nacional Eleitoral) segue sem divulgar os documentos.
A falta de transparência e as recusas públicas às propostas aventadas, tanto por Lula como pelo colombiano Gustavo Petro, foram seguidas por uma mudança de postura do lado brasileiro. Na quinta-feira (15), pela primeira vez Lula disse não reconhecer Maduro como vitorioso na eleição.
“Ainda não [reconhece Maduro como vitorioso], ele sabe que está devendo explicação para a sociedade brasileira e para o mundo, ele sabe disso”, disse.
“Se ele [Maduro] tiver bom senso, podia tentar fazer conclamação ao povo da Venezuela, quem sabe até convocar novas eleições”, acrescentou.
Avançando nesta linha, o assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais, Celso Amorim, declarou em audiência no Senado que não haveria reconhecimento sem as atas.
Existe uma avaliação crescente de que Maduro permanecerá no poder, pelo menos no curto prazo. Por isso, os atores envolvidos na negociação aumentaram a pressão pela transparência das atas, mas têm consciência que esticar a corda demasiadamente pode levar a uma radicalização do regime.
Os esforços de negociação passaram a incluir no cálculo a decisão próxima do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela sobre a validade das eleições. A presidente da corte, Carylsia Rodríguez, disse no último dia 10 que sua decisão acerca do pleito seria inapelável.
O lado brasileiro e colombiano exigem a divulgação das atas pelo CNE, independentemente do posicionamento da corte, que é bastante influenciada pelo regime Maduro. No entanto, agora há a avaliação de que a decisão, seja ela qual for, vai causar um impacto político que precisará ser considerado nas negociações.
O próprio Lula passou a defender espera da manifestação judicial. “Vamos esperar, porque agora tem uma Suprema Corte que está com os papéis para decidir. Vamos esperar qual será a decisão”, disse.
O pior cenário, segundo um interlocutor, é a validação do pleito sem a apresentação das provas. Isso levaria a um acirramento das tensões internas e haveria pouca margem de manobra para Brasil e outros atores.