Itamaraty adota pela 1ª vez ação afirmativa para mulheres em concurso de diplomata

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RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Pela primeira vez na história, o concurso do Itamaraty para a carreira de diplomata terá ação afirmativa de gênero. Haverá a convocação adicional de até 75 candidatas para a segunda das duas fases da prova, com o objetivo de que pelo menos 40% dos aprovados para essa etapa sejam mulheres.

A mudança foi publicada em edital do certame, divulgado em julho, e visa equiparar o percentual de admitidas na carreira com o total de inscritas. Embora mulheres sejam mais de 40% de candidatos, elas compõem apenas 26% dos aprovados no concurso.

Os dados são do Ministério das Relações Exteriores, referentes ao período entre 2003 e 2023. No ano passado, elas foram 44% dos inscritos na prova, mas só 32% dos admitidos na carreira.

Além da inédita ação de gênero, o Itamaraty também vai manter as cotas leis de cotas para negros e pessoas com deficiência. Até 35 convocadas para a segunda fase serão candidatas da ampla concorrência, até 35 serão pretas ou pardas e até cinco serão inscritas na cota para pessoas com deficiência.

Na comparação com homens, mulheres têm mais dificuldade para se dedicar integralmente à aprovação em concursos, já que ficam mais tempo cuidando de trabalhos domésticos, filhos e outros familiares.

Mulheres passam, em média, 21,3 horas por semana ocupadas com tarefas de casa, quase o dobro do tempo dos homens, com 11,7 horas semanais.

A desigualdade persiste até entre os 20% mais ricos: nesse grupo, mulheres que dedicam 15,2 horas semanais aos afazeres domésticos, cifra que cai para 10,7 entre homens. Os dados são do estudo de Estatísticas de Gênero, do IBGE, publicado neste ano

Isso prejudica o desempenho delas em certames concorridos, como o de diplomatas, que, em 2023, teve 159 candidatos por vaga, de acordo com o Instituto Rio Branco. A título de comparação, o vestibular de medicina na USP do mesmo ano teve uma relação de 117 inscritos para cada vaga.

“Essas mulheres vão ter menos condições de ficar totalmente mergulhadas nos estudos para serem aprovadas em um concurso dessa magnitude, sobretudo as que têm um papel importante no sustento familiar”, diz Ana Diniz, coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero do Centro de Gestão e Políticas Públicas no Insper.

Segundo ela, a medida com foco em uma das fases do concurso sugere que o Itamaraty identificou gargalos das mulheres em avançar de etapa. Apesar disso, o edital não mudou a cobrança do conteúdo na primeira fase, composta por prova objetiva.

Para Cristina Macedo, 24, que prestou o concurso no ano passado, a disciplina mais difícil foi economia. Foi a primeira vez que ela fez o exame, mas não conseguiu ser aprovada para a segunda fase.

“Eu já esperava esse resultado e não fiquei triste, mas me deu motivação para estudar e conseguir passar. Quem sabe agora, porque estou me preparando desde a prova do ano passado”, diz.

Hoje, ela dedica entre quatro e cinco horas por dia ao concurso, conciliando os estudos e o trabalho como advogada autônoma.

Cristina decidiu que queria ser diplomata ainda na escola. Por isso, fez faculdade de direito, a mais comum entre esses profissionais, e estudou os idiomas obrigatórios no concurso, inglês, francês e espanhol.

Para a advogada, ter uma família está nos planos do futuro, mas a prioridade é a profissão. “Quando descobrem que quero seguir nessa carreira, sempre me perguntam se quero ter filhos”, afirma.

A baixa presença feminina entre os inscritos no concurso para diplomata revela que a carreira ainda não consegue atrair igualmente os dois gêneros.

Ter apenas 40% de mulheres candidatas mostra a distância entre o certame do Itamaraty e a demografia do país, que tem metade da população feminina. Já no concurso nacional unificado, elas compõem 56% dos inscritos, de acordo com o Ministério da Gestão.

Segundo Ana Diniz, do Insper, um dos motivos para isso vem do caráter nômade da diplomacia. Esses servidores mudam periodicamente de postos pelo mundo, o que pode dificultar a fixação de quem tem família e, por isso, representam um peso ainda maior para as mulheres, afastando-as da carreira.

“Se a diplomata constitui família, mudar de país envolve também a ida de seu parceiro e seus filhos, o que tem impactos”, afirma Ana Diniz, do Insper. “Pensar como que a expatriação é feita é um trabalho de inclusão.”

Já para Laís Garcia, presidente da Associação das Mulheres Diplomatas do Brasil, a falta de representatividade feminina é um dos motivos que desestimula as mulheres a se interessarem pela carreira. Elas são apenas 23% dos diplomatas, cifra que cai para 16% em posições de liderança, conforme mostrou análise da Folha.

“Entre as meninas que querem fazer o concurso, surgem aquelas perguntas de ‘será que eu consigo? Será que é para mim?'”, diz Laís. “Muitas vezes, somos as únicas mulheres sentadas na mesa, o que torna a nossa vida mais difícil.”

Assim como nas demais políticas públicas, ampliar a diversidade na diplomacia permite novas perspectivas para a política externa, segundo Laís.

“Tanto no Brasil quanto fora, lidamos com questões muito reais, como atendimento de vítimas de violência doméstica ou tráfico de pessoas no exterior. É salutar que tenhamos diferentes visões e que contribuam para um trabalho melhor.”

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