A Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/10) regula a logística reversa no Brasil – conjunto de ações que têm o objetivo de recolher, transportar e dar destino adequado a produtos e materiais descartados pela sociedade. Além de visar o desenvolvimento sustentável e o reconhecimento do resíduo sólido como bem econômico gerador de trabalho e renda, a legislação impõe a obrigatoriedade de medidas, de acordo com o volume de resíduos gerados e o potencial risco ao meio ambiente e à saúde pública. Fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de produtos como agrotóxicos, pilhas, baterias, pneus, óleos lubrificantes, lâmpadas, eletrônicos e embalagens plásticas, metálicas ou de vidro, entre outros, são obrigados a implementar a logística reversa.
O problema é que, segundo especialistas, não há em nenhum lugar uma base de dados em âmbito estadual e federal consolidada que registre quantas empresas estão sujeitas à obrigatoriedade de cumprir a logística reversa. De acordo com Fabricio Soler, advogado especialista em Direito Ambiental e dos Resíduos, e sócio da S2FPartners, as empresas estão em processo de adesão, mas o caminho a ser percorrido ainda é longo. “Não temos números concretos sobre isso, mas dá para afirmar que uma parcela considerável das companhias não cumpre a obrigatoriedade”, disse Soler, que é mestre em Direito Ambiental pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Aquelas que cumprem a lei estão mostrando resultados positivos. Em São Paulo, a quantidade de resíduos coletados por meio de sistemas de logística reversa registrou expressiva alta nos últimos 11 anos, segundo dados da Companhia Ambiental do Estado (Cetesb). O volume de resíduos coletados saltou de 300 mil toneladas em 2012 para 830 mil toneladas em 2023, um crescimento de 177%. Para os especialistas, esse aumento é um reflexo da política estadual que, desde 2018, exige a implementação da logística reversa como condição para o licenciamento ambiental obrigatório, resultando na adesão de 7 mil novas empresas aos termos de compromisso, entre 2018 e 2023.
No total, no estado de São Paulo, 10 mil empresas seguem a legislação da logística reversa, mas é difícil determinar se esse número é adequado. Embora existam 7,2 milhões de companhias ativas no estado, nem todas precisam desenvolver um plano de logística reversa. É o caso de fabricantes de alimentos, bebidas, produtos de higiene pessoal, limpeza entre outros, classificadas como microempresa individual, microempresa, empresa de pequeno porte e cooperativas, com área construída inferior a 500 m². Empresas que entram nesse pacote não são obrigadas a implantar a logística reversa, mas devem fazer a Declaração de Embalagens colocadas no mercado paulista, de acordo com a norma DD 127/2021.
Para Soler, as empresas estão em processo de adesão, o que seria um bom sinal, apesar de muitas ainda não cumprirem a obrigatoriedade. Em São Paulo, a regulação da logística reversa tem um foco limitado, fiscalizando principalmente os fabricantes com instalações no próprio estado. No entanto, Soler destaca que essa abordagem poderia ser aperfeiçoada para incluir a fiscalização de fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de outros estados. “A responsabilidade pelo produto após o consumo deve recair sobre todos os agentes envolvidos, independentemente de onde o produto foi fabricado, considerando a importância do local onde ele é consumido”, disse.
ESTRATÉGIAS – Ainda segundo o especialista, o número de empresas comprometidas em cumprir a logística reversa só aumentará quando houver uma nova norma federal, acompanhada por regulamentação estadual e reforço na fiscalização. Nesse âmbito, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) estipula metas quantitativas, como, por exemplo, para as empresas com embalagens de papel, plástico, aço e vidro. Essas precisam reinserir, no mínimo, 23,5% de volume de matérias-primas recicladas no ciclo produtivo e disponibilizar pontos de coleta em áreas determinadas das cidades. O descumprimento pode acarretar uma multa pontual de R$ 3,5 mil ou diária de R$ 353, além da negativa para obtenção do licenciamento ambiental.
Para o cumprimento, a agência governamental sugere que as empresas optem pela implantação de sistemas próprios. “Porém, essa é uma opção complexa e de maior custo”, disse a Cetesb, em comunicado, sem detalhar de quanto seria esse aumento de custo. Outro modo é a adesão aos sistemas coletivos, implantados por entidades gestoras, associações setoriais ou prestadoras de serviços. Um desses programas é o Mãos Pro Futuro, coordenado pela Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), em parceria com a Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados (Abimapi) e a Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Higiene, Limpeza e Saneantes (Abipla).
Desde a fundação, em 2006, o Mãos Pro Futuro conecta empresas a cooperativas de reciclagem. O programa tem a adesão de quase duzentas companhias – incluindo gigantes como Boticário, L’Oréal e Natura – e garante que elas estejam em conformidade com a legislação ambiental. As empresas reportam o volume de embalagens que colocam no mercado durante o ano e o Mãos Pro Futuro calcula o porcentual que deve ser reciclado de acordo com a lei. Com base nesses dados, o programa direciona a recuperação das embalagens por meio das 197 cooperativas parceiras, que são responsáveis pela coleta seletiva, triagem e venda dos materiais recicláveis. Em 2023, a organização atingiu a marca de 1 milhão de toneladas de materiais pós-consumo recicláveis recuperados e destinados corretamente para a cadeia de reciclagem.
INICIATIVAS – Além das ações conectadas ao Mãos Pro Futuro, algumas empresas têm programas próprios de logística reversa. É o caso da Natura, que criou, em 2020, o Recicle com a Natura. O projeto estimula o hábito positivo dos consumidores, incentivando-os a devolver embalagens vazias em troca de pontos e descontos em novas compras. Antes dessa iniciativa, a empresa já tinha o programa Natura Elos de logística reversa, criado em 2017. Com mais de 3 mil recicladores associados e 73 cooperativas, o projeto já coletou mais de 14 mil toneladas de material. Em comunicado oficial, a companhia declarou que “por meio de rastreabilidade completa e auditoria de todos os elos das cadeias fornecedoras, temos condições de influenciar e apoiar diretamente o processo de desenvolvimento e profissionalização de mais de 60 cooperativas de catadores no Brasil, que beneficiam mais de 2 mil pessoas”.
A Ambev é outra companhia com ações próprias nesse sentido, com iniciativas de logística reversa nas suas marcas, especialmente focadas em embalagens de vidro e de plástico. Em 2012, a marca Guaraná Antarctica lançou uma das primeiras garrafas PET 100% recicláveis do Brasil. Hoje, mais de 75% das suas embalagens utilizam esse tipo de material. Já as garrafas da marca Corona são produzidas 100% com produtos naturais. Além disso, a empresa inaugurou, este ano, uma nova fábrica de vidros no Paraná com estratégias sustentáveis. “Essa unidade opera com 100% de energia renovável e produz garrafas a partir da reciclagem de cacos de vidro, com uma operação de logística reversa importante para o meio ambiente”, disse Jean Jereissati, CEO da Ambev.