SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A apresentadora Márcia Goldschmidt enviou notificação judicial à XP Investimentos acusando a corretora de má gestão, negligência e falhas na condução de seus investimentos no exterior, que teriam provocado um prejuízo de US$ 3 milhões (R$ 17 milhões) em seu patrimônio.
A medida busca um acordo para a reparação das perdas, mas, segundo a defesa da apresentadora, é provável que o caso seja levado à Justiça.
A notificação judicial diz que Márcia foi aconselhada, orientada e convencida a fazer operações financeiras prejudiciais, num processo de direcionamento do seu patrimônio para a Europa, onde mora desde 2011. Os riscos da estratégia adotada, porém, teriam sido ocultados.
Em nota, a XP diz que, em respeito à legislação, não comenta casos específicos em andamento na Justiça. “Investimentos fora do Brasil seguem regulações locais e não podem ser avaliados sob a ótica brasileira. A XP preza pela qualidade no relacionamento com seus mais de 5 milhões de clientes, reconhecida pelos prêmios que acumula no seu segmento de atuação.”
Em entrevista à reportagem, Márcia diz que mantinha seus investimentos em outra instituição financeira até 2010, mas foi convencida a ir para a XP após seu assessor no banco migrar para a corretora, que vivia um momento de rápido crescimento na época.
“Quando eu mudei para a Europa, eles começaram a insistir comigo para trazer os recursos que eu tinha no Brasil”, afirma.
Ela diz ter sido apresentada à estrutura da XP na Europa, que cuidou de tudo, desde a abertura de contas até a criação de holdings em Malta, uma espécie de paraíso fiscal. A corretora ainda teria escolhido um preposto na Europa para atender a apresentadora. Segundo ela, toda a manutenção dessas operações era feita pela XP.
“[Isso] Baseado na premissa de que eu estaria preservando meu patrimônio de uma vida inteira de trabalho e de que eu não entendia do funcionamento do mercado europeu”, afirma.
O primeiro grande prejuízo, segundo ela, veio em 2020, numa operação de remessa de recursos para as contas na Europa.
Para fazer a transação, era preciso fechar um valor de câmbio, e o consultor teria optado por aguardar um momento melhor. No entanto, em razão da pandemia de Covid-19 que começava a se disseminar, o dólar só ficou mais desfavorável.
Conversas anexadas à notificação judicial mostram o consultor tranquilizando a apresentadora de que a operação não daria prejuízo. “Estamos em cima e vai dar certo. Você não vai perder sobre este trade”, disse.
“Mas eu perdi, [perdi] o trabalho de uma vida”, diz Márcia.
De acordo com os advogados, a apresentadora perdeu mais de US$ 500 mil com a variação do câmbio. Na tentativa de recuperar parte desse valor, o consultor teria feito uma operação a termo em dólar que também deu errado, resultando numa perda de US$ 1,5 milhão.
“Hoje, eu entendo que foi feito uma aposta com meu dinheiro, não um investimento. Uma coisa é você querer proteger, outra é apostar”, afirma.
Outro episódio de prejuízo, segundo Márcia, foi em 2018. Naquele ano, o consultor da apresentadora ofereceu a possibilidade de investimento em uma debênture, que traria 100% de retorno em no máximo 18 meses, o que não aconteceu.
“Até hoje, eles continuam jogando o vencimento para frente, já não se fala mais de 100%. Fala-se em 6%, 7% ao ano, sem previsão [de pagamento]”, diz a apresentadora.
A notificação destaca que não se trata apenas de uma ou outra operação prejudicial, mas de inúmeros atos irregulares, que provocaram as perdas de US$ 3 milhões -valor que inclui prejuízo e rendimentos que deixou de ganhar.
“Esse rombo de uma vida inteira de trabalho está acabando comigo. Não são só perdas financeiras, estou tendo perdas emocionais, porque eu entrei em burnout”, diz Márcia.
Adilson Bolico, sócio do escritório Mortari Bolico e advogado da apresentadora, diz que a estrutura da XP na Europa, que ficou responsável pelos investimentos, funciona como uma consultoria, que recebe uma fração das alocações e rendimentos.
“O consultor de investimentos, diferentemente do assessor, tem mais abertura, mais capacidade de condução. Inclusive, a estrutura da XP na Europa tinha procuração da Márcia para tocar diversas operações. Então, eles tinham a liberdade de condução”, afirma.
Essa característica, segundo ele, é importante para separar perdas que são inerentes ao mundo dos investimentos de atitudes que configuram má gestão.
“Se alguém tem prejuízo por volatilidade de mercado ou fazendo uma aposta arriscada isso é do jogo. A linha de corte é quando alguém tem prejuízo por falha de orientação ou porque seguiu a instrução de um profissional”, acrescenta.
Em resposta enviada à defesa de Márcia, a XP disse que as operações foram feitas fora do Brasil e devidamente autorizadas pela apresentadora. A corretora também disse não fazer parte do contrato de prestação feito entre Márcia e a Sartus Capital -antes chamada de XP Europa e atual Cité Gestion.
Advogados e especialistas consultados pela reportagem dizem que, quando há abertura de empresas no exterior como forma de aproveitar vantagens tributárias (holdings em paraísos fiscais, por exemplo), o investidor deixa de ser o “consumidor” na relação com a corretora.
O cliente passa a ser a empresa com sede fora do Brasil. Por isso, em alguns casos, a pessoa física não consegue acionar a Justiça brasileira se valendo do código de defesa do consumidor.
Além disso, segundo esses especialistas, contratos de gestão (como era o caso de Márcia) são diferentes dos contratos de intermediação de investimentos. No primeiro caso, o gestor tem autonomia para realizar operações, embora precise respeitar o perfil de risco e os limites determinados para cada tipo de investimento (renda fixa, variável, câmbio, etc.).
Em tese, esse documento protege a corretora de investidas judiciais, já que o próprio cliente teria autorizado o gestor a operar naquela margem de risco.
No entanto, Márcia ressalta que o objetivo era proteger seu patrimônio, não arriscar e diz que, independentemente do nome da empresa, a relação sempre se deu entre ela e a XP, que a orientou em todas as etapas, inclusive na criação das holdings em Malta.
“Uma instituição, pequena, grande, média, seja o que for, tem que responder por aquilo que ela prometeu, pelo serviço que ela vendeu”, diz. “Se a XP preferir ir à Justiça questionar, nós vamos, e a Justiça decidirá.”