Mercado da Lapa, patrimônio histórico de São Paulo, completa 70 anos com 87 lojas. Dominado por empórios e açougues, recebe 5 mil pessoas por dia

Uma image de notas de 20 reais
Mercado Municipal da Lapa recebe aproximadamente 5 mil pessoas diariamente
Crédito: Claudinei Nascimento
  • Em julho deste ano, foi oficializado pela Prefeitura patrimônio cultural da cidade – e desde 2009 o prédio é tombado pelo Conpresp
  • Atualmente é composto de 87 lojas, com predominância dos empórios, açougues e vendas de frios
Por Victor Marques

Foi inaugurado em 24 de agosto de 1954 o Mercado Municipal da Lapa, em uma área de 4.840 m². O dia não foi dos melhores. Foi a mesma data do suicídio do então presidente Getúlio Vargas. Segundo levantamento do historiador Claudinei Nascimento, as portas do mercado ficaram abertas somente até as 10h e os previstos fogos de artifícios foram cancelados. Hoje, com 96 boxes ocupados por 87 lojas, é o maior dos 11 mercados municipais de São Paulo (o Mercadão da Cantareira está com a iniciativa privada desde 2021) e o quarto mais antigo, atrás dos de Pinheiros (1910), do Ipiranga (1949) e do Tucuruvi (1949). Em julho deste ano, foi oficializado pela Prefeitura Municipal de São Paulo patrimônio cultural da cidade – e desde 2009 o prédio já é tombado como patrimônio histórico pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico (Conpresp).

O mercado originalmente tinha 40 boxes e a maior parte deles era ocupado por comerciantes de um extinto mercado (quase uma feirinha, com três entradas) localizado na rua Clélia, que liga a Lapa aos bairros da Vila Romana e Pompeia. Era composto de imigrantes – principalmente italianos – que vendiam vinhos, uísques, bacalhau, peixes, cogumelos e azeites importados para suprir as necessidades da população também imigrante.

A criação do novo mercado, na rua Herbart, 47, havia sido instituída três anos antes de sua abertura (1954), por meio da lei 4.162, assinada pelo então prefeito Lineu Prestes, e teve forte articulação do vereador Ermano Marchetti, hoje nome de uma tradicional avenida na Lapa de Baixo. Na época, O Estado de S.Paulo noticiou o projeto, que “custará 10 milhões de cruzeiros, sendo gastos na construção 8 mil sacos de cimento e 160 toneladas de ferro”.

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Décadas depois, em 1982 o mercado passou a levar o nome de Rinaldo Rivetti, de uma família estabelecida na região desde o século 19 e que atuava em diversos segmentos, mas principalmente na construção civil. Rivetti lutou por diversas melhorias no bairro, inclusive a idealização do mercado, do qual foi proprietário de um boxe desde o início. Era um açougue. Morreu de acidente vascular cerebral (AVC), em 1953.

PÚBLICO – Segundo Daniele Malvassoura, presidente da Associação dos Comerciantes do Mercado da Lapa (Acomel), diariamente o espaço recebe 5 mil pessoas, quantidade que pode aumentar para até 10 mil na época de Natal e Ano Novo. Apesar de estar na Zona Oeste, o público visitante é predominantemente de parte da região Norte – que não está muito distante –, além de atrair pessoas que utilizam a linha de trem (Linha 7-Rubi, da CPTM, antiga Santos-Jundiaí), já que a estação da Lapa está em frente ao mercado. “Devido ao trem, também temos consumidores de outras cidades, como Jundiaí”, disse.

Atualmente, predominam em seus boxes empórios (21) e açougues (13). Depois, pela ordem, há vendas de frios (7), avícolas (6), docerias (6), lanchonetes (6), petshops (6), venda de especiarias (4), hortifrútis (4), peixarias (3), cafeterias (2), floriculturas (2), tabacarias (2), venda de embalagens (1), jardinagem & pescaria (1), lotérica (1), padaria (1) e de utilidades domésticas (1).

O domínio dos empórios se dá majoritariamente pela venda de ingredientes para feijoada. “Como em São Paulo temos dias certos para feijoada, que são quarta e sábado, o movimento é grande para compra dos ingredientes. Abastecemos muitos restaurantes da região”, afirmou Daniele Malvassoura. Datas como Dia das Mães e dos Pais alavancam ainda mais a busca. “O pessoal procura muito esses itens de feijoada.” Outra data que impulsiona as vendas anualmente é a Páscoa, mas para outros ingredientes, como os peixes, azeites e azeitonas.

A Acomel é a organização que atualmente cuida dos trâmites administrativos do mercado, incluindo limpeza, segurança e manutenção. Para fazer parte do conselho, é necessário ser permissionário (ter um boxe no mercado). É o caso dela, que preside a associação desde 2022 e assumiu há 25 anos, junto ao marido, Carlos Eduardo, o único boxe de utilidades domésticas do mercado. O boxe de número 11, começou com Liberato de Carra, avô de Carlos Eduardo. “Quando o avô dele entrou, o mercado só tinha três anos”, afirmou a presidente da Acomel. Carlos Eduardo costumava ajudar os avós Liberado e Luzia Vendrame de Carra no dia a dia do comércio, o que o tornou próximo do avô. Em 1994, aos 21 anos, ele assumiu o estabelecimento que é referência em louças e utensílios domésticos.

Da esquerda para direita, Liberado, Luzia, Carlos e Daniele no boxe 11
Crédito: Foto cedida pela família

TRADIÇÃO – O caso de Carlos Eduardo e Daniele Malvassoura é uma amostra de resistência e resiliência. Isso porque da panelinha dos imigrantes do antigo mercado da rua Clélia, que deu origem ao da Lapa, sobraram apenas quatro boxes, segundo ela. Um deles é o boxe Gaeta, de número 8, que seguiu a tradição de Micheli Gaeta na venda de alimentos desde o antigo endereço. Os irmãos Geraldo, Teresa e Regina, do mesmo sobrenome, são da terceira geração da família vinda de Avellino, na Itália, a tocar o estabelecimento. Geraldo brincava nos corredores do mercado com meu carrinho de ferro, modelo Tico-Tico, e também ajudava a mãe, Acacy, nas vendas. “Tenho clientes que são naturais do Maranhão, do Pará, do Amazonas e até de outros países, como Haiti, Peru e Venezuela”, afirmou Geraldo. Ele conta que já sonha com o momento em que a quarta geração da família assumirá o comércio. O filho de Teresa, Daniel, já ajuda a família com os afazeres do empório.

Outro que resiste desde o mercadinho da rua Clélia é o negócio de uma família originária da província de Gunma, no Japão. Marcelo e Miriam Akiyoshi administram o boxe 68, um hortifrúti. A história do boxe começa no antigo endereço com o comércio de frutas e verduras, quando a vendinha era administrada pela avó de Marcelo, Kiyo. Segundo o levantamento do historiador Nascimento, na época os hortifrútis eram os carro-chefe do mercado e ocupavam todos os boxes dos corredores centrais. O da família Akiyoshi era um deles. Hoje, sendo apenas um dos quatro desse segmento no mercado, aposta no digital. Com o delivery, modalidade na qual já atua há 30 anos, faz 150 entregas semanais.

Outro dos comerciantes do entreposto existente na rua Clélia era João Batista. Teve prioridade para assumir um dos boxes do Mercado da Lapa e, com dois sócios, chegou a ter quatro bancas, onde vendia bolachas e queijos. Na década de 1990, faleceu e a família quis vender o negócio, mas o neto Adilson Goes Junior – que ajudava o avô nas épocas de Natal e Páscoa – decidiu comprar a participação dos demais e seguir com a tradição. Hoje, o boxe 17 mudou completamente do ramo alimentício para pessoas e passou a alimentar e medicar os pets da região. Virou o AGJ Pets. As quatro filhas, Bruna, Aline, Nataly e Maria Fernanda ajudam no negócio e a neta, Lara, também quer trabalhar com o avô.

O último dos quatro comércios que restavam da época do antigo mercado de rua era o da Família Croaro. Os antepassados de Ingrid Croaro vieram da região da Sicília e vendiam produtos como batata, cebola e coco no espaço da rua Clélia. Foram convidados para assumir um boxe no novo mercado e já estão na quarta geração (é do pai, Flavio Croaro, mas quem toca é Ingrid). Ela largou a formação em enfermagem, medicina veterinária e o mestrado em neurologia e anestesia veterinária para seguir – junto ao marido, Luciano Bueno – a tradição familiar do boxe 33, que atualmente vende especiarias.

FUTURO – Junto à Associação Comercial de São Paulo (ACSP), a Acomel busca apoiar os comerciantes do Mercado da Lapa. Segundo Mario Pietro Martinelli, superintendente da Distrital Lapa da ACSP, uma das ações é feita com a Sicredi. “Para levar diferentes linhas de créditos aos comerciantes”, afirmou Martinelli. Segundo a presidente da Acomel, o novo título de patrimônio cultural da cidade também deve ajudar a melhorar o faturamento. “Tem o potencial de trazer mais clientes para o local”, afirmou. Além de seu DNA de abastecer e prestar serviço, o Mercado da Lapa é um misto de mergulho na história e resistência comercial, e guarda histórias que ajudam a contar a da própria cidade e de como os imigrantes e comerciantes ajudaram a construí-la.

Akiyoshi reproduz atualmente foto feita no boxe da família na década de 50
Crédito: Produção do livro Mercado da Lapa 70 anos/ Fotos cedidas pela família

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