Especial Metrô-SP 50 Anos: privatização do Metrô de São Paulo tem prós e contras apontados por especialistas

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A Linha 4-amarela foi a primeira linha privatizada de São Paulo.
Créditos: Márcia Alves/Metrô SP
  • O Governo do Estado de São Paulo busca na privatização do metrô uma alternativa para sair do déficit das contas da estatal, que sofrem com o déficit de passageiros desde a pandemia.
  • Segundo Camila Mendes, presidente do Metroviários: “Temos uma sobrecarga de trabalho. Temos uma retomada significativa de usuários pós-pandemia e a maioria das posições reduzidas pós-pandemia não foram repostas”.
Por Victor Marques

Privatizar todas as linhas de metrô até o final do mandato é o desejo do governador do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) para o sistema metroviário da capital paulista. A informação foi anunciada por ele em abril deste ano, durante evento sobre a construção da estação ABC da Linha 10-turquesa da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Com as eleições de outubro batendo na porta, o tema voltou aos palanques dos candidatos à Prefeitura de São Paulo – a privatização é defendida pelo atual prefeito e pré-candidato, Ricardo Nunes (MDB). 

Segundo a Secretaria de Parcerias e Investimentos do Estado de São Paulo, está em debate a privatização das linhas 19-Celeste e 20-Rosa do Metrô, projeto já qualificado pelo Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). A proposta ainda irá passar por fases de estudo, audiências públicas, finalizando, segundo as previsões do Estado, no segundo trimestre de 2026, com o leilão e assinatura de contrato pelas empresas que assumirem as respectivas linhas.

Os estudos estão sendo realizados pela International Finance Corporation (IFC), braço do do Banco Mundial que é referência no desenvolvimento de projetos voltados ao setor privado em mercados emergentes para melhoria da prestação de serviços públicos. O projeto prevê uma expansão de 140 km de linhas em um prazo de 30 anos. O investimento previsto é de R$ 45 bilhões e será feito no modelo jurídico de parceria público-privada. Atualmente, já são privatizadas na capital as linhas 4-Amarela e 5-Lilás, no mesmo modelo de parceria público privada. 

A estratégia da administração atual para atrair empresas interessadas é oferecer uma linha já em operação ou pronta para operar e outra ainda em obras, mas que, quando finalizada, será entregue à companhia que assumir os serviços do metrô. Foi o caso da linha Lilás, em 2018, quando a Via Mobilidade, responsável também pela linha Amarela, assumiu em co-responsabilidade do monotrilho da Linha 17 – Ouro, ainda em obras e com abertura prevista para 2026. O Poder Público ainda vê a necessidade de manter a responsabilidade pela construção das estações, túneis, trilhos e toda a infraestrutura.

PRIVATIZAÇÃO — O governador de São Paulo está propondo a privatização total das linhas do Metrô e da CPTM devido à deterioração financeira dessas empresas públicas, que tem se agravado nos últimos anos. Segundo a administração do Estado, as companhias não possuem capacidade para administrar e executar novos projetos e obras de expansão, como a construção de linhas e estações. Em 2022, o Metrô acumulou uma perda de quase R$ 1,2 bilhão. Segundo especialistas, esse cenário é resultado da dependência das empresas das receitas tarifárias, um modelo que se mostrou insustentável, especialmente após a queda no número de passageiros durante a pandemia. Em 2022, o metrô transportou mais de 794 milhões de pessoas. Mas em 2019, esse número era de 1,1 bilhão de passageiros, queda de 28% na comparação. Desde então, segundo a administração do modal, o número de passageiros ainda não voltou aos níveis anteriores – transportou 851 milhões de passageiros em 2023. 

“Na teoria, a privatização é algo que deve funcionar e que pode trazer benefícios para a população”, disse o economista Luciano Nakabashi, doutor em Economia pela Universidade de São Paulo (USP). O principal benefício é a capacidade de investimentos, algo limitado no setor público, devido ao limite orçamentário. “A privatização é fundamental, visto que o Estado não tem os recursos suficientes para realizar a expansão da malha metroviária de maneira independente”.

O processo é exitoso quando o Estado delimita bem as concessões e a agência reguladora do Estado faz bem seu papel em regular os preços. Nesse cenário, o setor público ganha com a atração de mais investimentos, a empresa privada ganha também com o retorno de um investimento de risco baixo e a população ganha com a melhora do serviço. “Mesmo que esse processo não seja bem-feito, o Estado ainda tem a possibilidade de fazer uma relicitação”.

RISCOS — No papel, a ideia é benéfica e funciona bem, mas não tem agradado aos trabalhadores do metrô de São Paulo. Desde a abertura para funcionamento da linha 4-Amarela, já foram realizadas diversas paralisações, organizadas pelo Sindicato dos Metroviários de São Paulo. Presidido por Camila Mendes, o sindicato reivindica a contratação de mais funcionários, por meio de concurso público, para evitar a sobrecarga de trabalho e a precarização do serviço decorrente da terceirização. 

Para a instituição, a privatização do metrô e da CPTM é um caminho contrário para conseguir melhorar as deficiências do sistema e defende que o Governo deve realizar um plebiscito para ouvir a população sobre o assunto. “A privatização compromete a qualidade e a segurança do serviço, priorizando o lucro em detrimento do investimento necessário na manutenção e na infraestrutura”, afirmou Camila.

Além disso, ela destaca a importância de manter operadores de trem como uma camada essencial de segurança, mesmo com a implementação das novas portas de plataforma em algumas estações. “Temos uma sobrecarga muito grande de trabalho. Já temos uma retomada significativa de usuários pós-pandemia e a maioria das posições reduzidas pós-pandemia ainda não foram repostas”, disse a líder sindical. Segundo dados dos relatórios integrados divulgados anualmente pelo Metrô, o sistema está desfalcado em quase 27% do efetivo adequado, considerando as linhas 1-Azul, 2-Verde, 3-Vermelha e 15-Prata. 

Metrô ainda não fez a reposição das demissões feitas na pandemia
Créditos: Divulgação Alesp

Buscando melhores condições para os trabalhadores, na última greve foi exigido pelo Sindicato dos Metroviários o aumento salarial real de 10,8%, reajuste no vale alimentação de 26,7% e reajuste no vale refeição 15%. Os valores usam como base cálculos feitos pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). Os sindicalistas ainda defendem que os investimentos do Governo devem ser direcionados em quantidades mais justas para as linhas públicas do metrô, em vez do repasse maior para linhas privatizadas, que é o que acontece atualmente.

No fim do ano passado, dados obtidos pelo Uol sobre os repasses do Governo de São Paulo ao metrô mostraram que as concessionárias ViaMobilidade e ViaQuatro receberam juntas R$ 2 bilhões para transportar cerca de 500 milhões de passageiros. Por outro lado, Metrô (linhas públicas) e CPTM carregaram 1,23 bilhão de passageiros – mais do que o dobro das privatizadas –, mas ficaram com R$ 460 milhões no mesmo período, 8% a menos do que as empresas privadas. O montante é correspondente à arrecadação do bilhete único, cartão utilizado para a compra de passagens. 

Questionada sobre a privatização das linhas e sobre os repasses, a Secretaria de Parcerias e Investimentos do Estado de São Paulo não respondeu. Em nota, afirmou apenas que “o Governo estuda as melhores alternativas para realizar a ampliação das linhas metroviárias e que o projeto de concessão do Metrô ainda está em fase de elaboração dos estudos”.

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