No fim de abril deste ano, a varejista Casas Bahia anunciou um Plano de Recuperação Extrajudicial (PRE) de sua dívida. No cenário apresentado, referente ao primeiro trimestre deste ano, o desembolso de caixa até 2027 seria de R$ 4,8 bilhões (ao custo de CDI + 2,7% e prazo médio de 22 meses). Após o reperfilamento, o desembolso até 2027 será de R$ 0,5 bilhão (ao custo de CDI + 1,2% e prazo médio de 72 meses). Mudar o perfil da dívida é passo decisivo para que o Grupo Casas Bahia retome sua jornada de titã do varejo brasileiro. “O endividamento da empresa a longo prazo (até 2030) é muito alto. Isso gera um risco grande para os investidores”, disse à DC NEWS Michael Klein, herdeiro da Casas Bahia. “Cabe à empresa traçar um bom plano para gerir essa dívida.”
Segundo o empresário e investidor, que detém pessoalmente 1,69% das ações do Grupo Casas Bahia, a Recuperação Extrajudicial busca novas linhas de crédito para a companhia. Com o plano apresentado em abril, homologado em junho e cuja adesão total dos credores foi comunicada dia 17 de julho, apenas em 2024 e 2025 a companhia deixará de pagar R$ 2,4 bilhões entre principal e juros da dívida. Os desembolsos voltarão apenas a partir de 2026 e ainda assim num ritmo muito mais suave – R$ 253 milhões entre principal e juros, 73% menos que os R$ 928 milhões previstos na situação anterior (veja gráficos ao fim da reportagem).
A Recuperação Extrajudicial faz parte de um plano de transformação que está sendo executado há mais de um ano pelo Grupo Casas Bahia – desde abril de 2023, quando Renato Horta Franklin foi anunciado como o novo CEO. Ele assumiu no começo de maio do ano passado e terá mandato de dois anos, até 3 de maio de 2025. O plano se baseia em dois pilares – alavancas operacionais e alavancas para melhoria da estrutura de capital. Segundo Klein, a companhia está “trabalhando firmemente para alcançar esses objetivos”. Ele não participa dos processos de decisão.
RESULTADOS – Klein destaca que o novo plano já trouxe resultados. O fluxo de caixa acumulado do primeiro semestre ficou negativo (-R$ 84 milhões), mas era de -R$ 307 milhões no primeiro semestre de 2023 – e chegou a -R$ 3,2 bilhões entre janeiro-junho de 2020. A boa notícia é que a curva reverteu, porque entre abril e junho deste ano o fluxo já ficou positivo, em R$ 92 milhões. Na linha final dos resultados, a curva do prejuízo também reverteu para lucro. No primeiro trimestre deste ano, o prejuízo de R$ 261 milhões ficou 12,2% menor que o de R$ 297 milhões do mesmo período de 2023. No segundo trimestre, houve lucro líquido de R$ 37 milhões, frente a um prejuízo de R$ 492 milhões no segundo trimestre de 2023. Ao longo de todo o ano passado, as ações recuaram 80%. Nos primeiros 20 dias de agosto, o preço subiu 37% e abriu na quarta-feira (20) negociado a R$ 5,85 – mas ainda metade de seu preço no começo do ano. Por isso Klein diz que os papéis estão baratos.
O CEO Franklin sabe que a jornada será dura. No documento de apresentação dos resultados do ano passado, ele afirmou que tivemos de pensar fora da caixa. “Isso não significou inovar além das expectativas”, afirmou. “Muitas vezes, voltar ao básico, bem-feito, que nos trouxe até aqui, é a maior forma disruptiva de mudar.” Além do pilar operacional-estrutura de capital, outros sete pontos guiam a nova estratégia da empresa, lançada no segundo semestre do ano passado. 1) Novas métricas de margem e ciclo de caixa. 2) Redução de estoques antigos. 3) Adequação do quadro de colaboradores – os cortes serão de 20% do total, sendo 40% nas lideranças. 4) Redução de lojas deficitárias e readequação de Centros de Distribuição. 5) Migração de 23 subcategorias com margens negativas do 1P (canais próprios) para venda exclusiva no 3P (marketplaces parceiros). 6) Eficiência de despesas de marketing e logística. 7) Reforço na estrutura de capital e alongamento do perfil da dívida. Para o período julho-setembro, Franklin diz que haverá crescimento. “Não será astronômico, será um crescimento marginal.” Mas crescimento.
Além disso, a companhia continuará a investir em posicionamento de marca e eficiência operacional para voltar a crescer em 2025. Para Klein, o bom momento do varejo deve contribuir com os planos de reorganização da empresa. “Mesmo com [o fim do ciclo de queda] a Selic, o varejo está muito aquecido e o momento é propício”, disse. “A Black Friday (no dia 29 de novembro) deve ser o ponto forte do ano dos varejistas.” Segundo ele, a Black Friday deste ano deve apresentar resultados muito melhores do que nos últimos dois anos, pois a Selic está mais baixa. “Quem compra agora tem mais vantagens do que no ano passado.”
O herdeiro da Casas Bahia afirmou, ainda, que o novo imposto unificado da reforma tributária, o IVA, é visto com bons olhos pelo varejo, mas que as taxas que estão sendo discutidas ainda são um pouco altas. “Eu participei de conversas com o governo sobre as taxas do IVA e disse que 26% é muito alto. Sugeri 15%, no máximo”, disse. “Estamos atentos para entender se esse imposto terá créditos nas diversas etapas de venda.” Para Klein, se o imposto for cobrado em múltiplos momentos, não será algo positivo. “Vira uma avalanche de impostos.”
São cenários altamente desafiadores, mesmo para um grupo com tanta história e resiliência. Hoje dono de marcas de varejo (Bartira, Casas Bahia, Extra.com e Ponto Frio), operações financeiras (banQi e Rede Celer) e empresas de logística (AsapLog e CNT), a companhia, que fará 70 anos em 2026, já passou por muitas transformações – sendo a mais emblemática a adoção do nome Via Varejo (2012), que virou Via (2021) e voltou a ser Casas Bahia (setembro de 2023). Mas a maior delas é a atual. Um back to basics. Tanto que resgatou até seu clássico slogan: “Dedicação total a você”. Ou como resumiu o CEO Renato Franklin, “voltar ao básico, bem-feito, é a maior forma disruptiva de mudar”.