SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A situação precária dos migrantes que solicitam refúgio ao Brasil no Aeroporto Internacional de Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, vem ganhando mais visibilidade desde o mês passado, quando um deles morreu no hospital depois de passar mal na área restrita do terminal aéreo.
O cenário vinha se agravando nos meses anteriores, à medida que milhares de migrantes se amontoaram nos saguões sem dispor de uma infraestrutura adequada –em meados de agosto, mais de 650 viajantes chegaram a ficar retidos ao mesmo tempo nas dependências do aeroporto.
A improvisação é regra no local, segundo pessoas que trabalharam ou estiveram na área restrita em diferentes períodos dos últimos três anos. Os relatos coincidem nas descrições de migrantes dormindo sem cobertores em colchonetes ou longarinas (bancos acoplados típicos de repartições públicas) e se higienizando em pias devido à falta de chuveiros.
O espaço é reservado aos viajantes que, por estarem sem visto ou documentação válida, não puderam entrar oficialmente no país, mas pedem refúgio. Embora permita que requerentes de proteção permaneçam livres enquanto aguardam resposta, o Brasil exige que os migrantes tenham um protocolo de solicitação, que vale como documento.
“É como se elas estivessem em uma sala de espera aguardando sua vez para solicitar um refúgio”, afirma João Chaves, defensor público federal. A espera nessa sala, porém, tem demorado até dez dias desde que o fluxo migratório explodiu nos últimos meses.
A maioria dos migrantes não está em um espaço fechado. Isso porque a chamada sala dos inadmitidos, local originalmente reservado para esse grupo, pode abrigar até 20 pessoas –no mês passado havia mais de 650 no terminal.
Quando o número limite da sala excede, os migrantes são levados para próximo de portões de embarque e desembarque e passam dias e noites à espera somente com os itens da bagagem de mão. “Eles acabam reunidos em portões mais afastados, nas pontas, até para ficarem camuflados dos demais passageiros”, diz Murillo Martins, defensor público em Guarulhos.
Sem acesso a chuveiros ou banheiros privativos, a higiene tem de ser feita em pias. A falta de privacidade é ainda mais explicitada pelo monitoramento constante de agentes de segurança. Os funcionários da Apacs (Agentes de Proteção de Aviação Civil) acompanham os migrantes que precisam deixar os locais demarcados, por exemplo, para comprar água ou alimentos.
O Ministério Público Federal chamou a situação de crise humanitária. Em relatório produzido no mês passado, a Defensoria Pública da União (DPU) constatou “reiteradas situações de violação de direitos humanos” no aeroporto de Guarulhos.
A crise aumenta a preocupação com a disseminação de doenças. No último dia 26, um migrante chegou a ficar isolado devido a sintomas compatíveis com mpox, doença posteriormente descartada. Diante do caso, foram aplicados quase 400 questionários sobre saúde entre os migrantes. Também foram aferidas temperaturas e verificados sinais da doença na pele.
Não seria o primeiro caso de doença suscitado pela falta de infraestrutura adequada. Em 2019, uma infestação de pulgas em 2019 obrigou os responsáveis pela sala a incinerar os móveis que estavam ali. Já em 2023, um surto de sarna atingiu afegãos que estavam abrigados temporariamente no aeroporto.
Normalmente, mulheres grávidas, idosos e crianças são enviados para hotéis que ficam dentro do aeroporto, mas existem poucas vagas. De 542 viajantes inadmitidos no último dia 26, apenas 34 estavam nos estabelecimentos, ainda de acordo com a DPU.
“Foram encontradas crianças e adolescentes dormindo no chão e uma crescente demanda por atendimento de saúde, com muitas pessoas apresentando sintomas gripais”, afirmou a defensoria em documento do último dia 16.
A sala dos inadmitidos, com capacidade para até 20 pessoas, tem estrutura semelhante às salas comuns de embarque e desembarque nos terminais, porém com adaptações. Os bancos são de concreto e lisos, para que as pessoas possam deitar. Também há um banheiro com chuveiro.
Migrantes sem visto regular ou documentação devem ficar no máximo 96 horas no aeroporto à espera de regularização, segundo a DPU. Devido ao aumento no fluxo migratório, porém, já houve casos de pessoas que ficaram mais de um mês, segundo o defensor Martins.
O migrante que morreu no mês passado em um hospital, após ficar vários dias no aeroporto, era de Gana. A causa da morte não foi divulgada. Segundo Daniel Perseguim, integrante do Fórum Fronteiras Cruzadas, a representação consular do país africano foi informada que o homem havia sido enterrado na semana passada, sem nenhum comunicado oficial à família.
Cerca de 70% dos pedidos de refúgio no aeroporto de Guarulhos são feitos por cidadãos do Nepal, do Vietnã e da Índia. Diante da crise migratória, o governo brasileiro passou a impedir, desde a semana passada, pessoas em trânsito e sem visto de pedir abrigo no Brasil.
As novas regras foram implementadas em um momento em que o aeroporto de Guarulhos registra um recorde de solicitações de refúgio. Até 15 de julho, as autoridades tinham recebido 9.082 pedidos, mais do que o dobro dos 4.239 feitos em todo o ano passado, segundo dados da Polícia Federal mencionados em relatório do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Com a nova regra, o aeroporto de Guarulhos vem registrando diminuição na chegada de migrantes. Nesta terça, 120 viajantes inadmitidos estavam no local, segundo a DPU.
Procuradas, a concessionária GRU Airport e a Polícia Federal não responderam sobre planos para ampliar a sala reservada aos viajantes inadmitidos. Tampouco se manifestaram sobre as condições dos migrantes no local.