SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A S&P Global e a Fitch não veem fundamentos neste momento para uma nova melhora na nota de crédito soberano do Brasil.
Em entrevista à reportagem, as agências de classificação de risco disseram que uma mudança da nota vai depender da capacidade do governo de estabilizar a dívida pública, algo que elas não enxergam acontecendo agora.
“É possível, mas depende de fatores que na nossa opinião ainda não estão aí”, disse Manuel Orozco, principal analista do país na S&P.
As agências lembram que isso já estava sinalizado nas últimas mudanças que elas fizeram na classificação do país no ano passado, quando ambas resolveram estabelecer uma perspectiva neutra para a nota de crédito soberana.
“Nós revisamos a nota do Brasil recentemente, em julho, e deixamos a perspectiva estável. E a definição da perspectiva estável é que nós não vemos nenhuma mudança positiva ou negativa na classificação do país em um futuro previsível”, afirmou à reportagem Todd Martinez, diretor sênior de crédito soberano da Fitch.
Orozco afirma que o crescimento econômico do Brasil mais forte e consistente colaborou para uma melhora na nota do país em dezembro passado, mas diz que a S&P não enxerga uma sustentabilidade desse fator no futuro.
Ele argumenta que boa parte da alta do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano é sustentada pelo consumo interno e que o ambiente de alta dos juros coloca um limite nesse crescimento econômico.
Martinez, por sua vez, diz que tem consciência que o mercado tem errado nas projeções do PIB brasileiro nos últimos três anos e que ainda pode haver surpresas positivas nesse sentido neste e no próximo ano.
Mas afirmou que a Fitch ainda não está “totalmente convencida de que o crescimento de 3% é o novo normal para o Brasil, porque talvez todas as reformas pelas quais passou nos últimos anos estão dando mais dinamismo à economia, mas ao mesmo tempo, há um grande deslizamento da política fiscal”.
Segundo Orozco, da S&P, ainda que haja uma manutenção do PIB no patamar atual, isso não é suficiente para estabilizar a dívida pública. “Mesmo com um crescimento mais alto na comparação com a média dos últimos anos, de quase 3%, isso não tem conduzido a uma estabilização da dívida para 2024 em diante”, afirma.
As falas acontecem dois dias depois de a Moody’s elevar a nota do Brasil de “Ba2” para “Ba1”, e manter a perspectiva em “positiva”, o que colocou o país a um passo do chamado grau de investimento, patamar em que este se torna seguro -ou seja, com baixos riscos de calote para quem investe em seus títulos de dívida. A agência não mudava a classificação do país desde 2016.
A Moody’s já tinha no passado uma nota melhor para o país em relação às outras duas principais agências globais de risco. No ano passado, a S&P e a Fitch elevaram a classificação do Brasil, igualando a nota da Moody’s. Agora esta última se descolou novamente.
Sem comentar a decisão da Moody’s, os analistas da S&P e da Fitch disseram que estão acompanhando de perto a trajetória da dívida pública brasileira, e enxergam um crescimento acelerado até 2027.
Orozco chamou atenção para o fato de a dívida líquida ter saltado de 57% do PIB em 2023 para 62% em agosto deste ano, enquanto Martinez observou a velocidade com que a dívida bruta cresceu.
“A dívida pública cresceu significantemente neste ano e nós projetamos que ela vai crescer de 74,3% do PIB no ano passado para 77,8% do PIB neste ano. E nós esperamos que essa trajetória continue nos próximos anos até alcançar 83,9% do PIB até 2026”, afirmou o diretor da Fitch.
Segundo Orozco, da S&P, houve uma deterioração importante nas contas públicas desde 2023, com mudanças que reincorporaram pressões para as despesas. Ele citou como exemplo as vinculações de pisos constitucionais dos gastos com saúde e educação, que voltaram após o fim do teto de gastos.
Além do aumento das despesas públicas do governo, o analista citou como pressão sobre a dívida pública a alta dos juros no país. No mês passado, o Banco Central retomou um ciclo de elevação da taxa básica em meio a expectativas desancoradas -cada vez mais distantes da meta- para a inflação.
Os analistas se mostraram descrentes com a capacidade do governo de cumprir com sua meta de zerar o déficit fiscal no próximo ano. Em um país com uma carga tributária já elevada, eles acreditam que pode haver frustrações no incremento de receita em 2025, assim como aconteceu neste ano.
“Temos a posição de que o espaço é relativamente limitado para continuar crescendo as receitas”, afirma Orozco.
“Muitas das medidas que esperamos que ajudem o governo a alcançar a meta no final deste ano são temporárias pela sua natureza, como o uso de depósitos esquecidos. Para o ano que vem, esperamos um déficit fiscal de 1% do PIB”, projeta Martinez.
O analista da S&P, Manuel Orozco, acredita que o mais importante agora é que o governo concentre esforços no corte de gastos, especificamente por meio de desvinculações constitucionais de despesas.
Afirmou, ainda, que está muito interessado em acompanhar se o governo vai permitir que os mecanismos do arcabouço fiscal para conter o crescimento de gastos em caso de não atingimento da meta fiscal irão funcionar em 2026.
“É o que manda a regra, basicamente. Mesmo se for um pouquinho mais devagar, a gente está muito interessado em ver se o limite do crescimento da despesa diminui de acordo com o que está estabelecido”, diz.