Outras guerras evitam explosão do conflito EUA-China, diz especialista americano

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PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – O teórico americano de relações internacionais John Mearsheimer, da Universidade de Chicago, esteve nos últimos dias nas principais universidades de Pequim, em eventos nos quais apontou que o risco de guerra na Ásia é relativamente menor atualmente diante da perspectiva de conflitos de longo prazo na Europa e no Oriente Médio.

“Quando esta guerra [na Ucrânia] terminar, teremos relações envenenadas até onde é possível ver, entre os Estados Unidos e o Ocidente, de um lado, e a Rússia, de outro”, disse ele na sexta-feira (11) na Universidade Tsinghua. “Estaremos profundamente envolvidos na Europa, bem como no Oriente Médio.”

Com um sorriso de ironia, olhou para os estudantes chineses e acrescentou: “Eu diria que é uma boa notícia para vocês, mas é uma má notícia para os EUA”.

Mearsheimer, 76, foi recebido como superstar no ambiente acadêmico da capital. Aluno chinês de pós-graduação na Tsinghua, Charles, como pediu para ser chamado, descreveu o evento como incrível. Ele e seus colegas ouvem falar de Mearsheimer “há muitos anos, um acadêmico famoso na disciplina de relações internacionais, com opiniões afiadas”.

Uma delas, sublinha, é a previsão de que “haverá uma guerra entre a China e os EUA, que chamou muita atenção aqui”. É uma referência à célebre formulação de Mearsheimer, há duas décadas: “A China vai ascender pacificamente? Minha resposta é não”. Para Charles, “como americano, ele vai defender os interesses dos EUA, mas também é bastante objetivo”, o que explicaria a recepção chinesa.

O acadêmico evitou repetir sua previsão. “Como vocês sabem, meu argumento é que a ameaça mais séria que os EUA enfrentam é a ascensão da China, a necessidade de contê-la”, disse. “Mas estamos presos nesses dois conjuntos de guerras, na Ucrânia e no Oriente Médio, e essa exposição excessiva funciona em detrimento da contenção da China.”

Questionado por uma estudante chinesa durante o evento, o acadêmico abordou Taiwan. O presidente Lai Ching-te havia acabado de discursar sobre a soberania da ilha, que “a República Popular da China não tem direito de representar”. Em resposta, forças chinesas fizeram exercícios militares que simularam um cerco à ilha.

Mearsheimer falou que “a China está profundamente comprometida a retomar Taiwan”, mas ele acredita que também “os EUA estão comprometidos a defender Taiwan, que é importante de um ponto de vista estratégico”. Repetiu que “essa situação perigosa se manterá, até onde é possível ver, e que é difícil vislumbrar uma guerra tão cedo”.

Mas há uma exceção a esse raciocínio, acrescentou. “Se Taiwan declarasse sua independência, isso ajudaria em muito a provocar a China a uma guerra, mesmo que os custos fossem enormes. Claro, os EUA entendem muito bem o perigo associado à declaração de independência. Portanto, espero, empreenderão um grande esforço para evitar que Taiwan faça algo tão tolo.” Ele já havia feito avaliação semelhante no ano passado em Taipé, sobre Lai, então candidato.

Em mídia social, jornalistas como Clarence Gu, do Nanfang Zhoumo de Guangzhou, e Yang Sheng, do Global Times de Pequim, procuraram explicar o “status de superstar” de Mearsheimer entre os universitários chineses, lembrando suas teorias “simples e fáceis de ler” e o fato de “usar a lógica mais fria e cruel, mas mostrar uma atitude sincera e despretensiosa”.

O evento na Tsinghua não atraiu só chineses. A armênia Sirarpi Nikochosyan chegou a abordá-lo na porta de entrada, perguntando sobre seu país, também numa região de conflito, mas ouviu que não conhecia bem o assunto. “Espero que Mearsheimer também pesquise sobre meu país”, disse ela, que faz parte de um programa para estudantes de nações da Iniciativa Cinturão e Rota.

A argentina Mercedes Andrés, acadêmica visitante na faculdade de política pública da universidade chinesa, comentou que, ao estudar relações internacionais em Buenos Aires, não imaginava que “iria encontrar Mearsheimer, ao vivo, falando”, mas que foi uma pena ter durado menos de duas horas —e que ele tenha tido que dividir o palco com um colega chinês.

O teórico americano falou também na Universidade Renmin da China, em palestra tradicional e com repercussão menor, embora igualmente lotada. Além da proeminência de Tsinghua, onde estudou o líder Xi Jinping, entre outros, o formato do evento ajudou no eco alcançado em mídia social. Mearsheimer foi questionado pelo também teórico de relações internacionais Yan Xuetong.

Ambos seguem a chamada linha realista, mas com divergências, por exemplo, quanto às ambições geopolíticas chinesas. Yan vê as relações externas de Pequim mais estáveis e voltadas à economia, sem expansão militar pelo mundo. O colega americano discordou, citando a expansão naval. “A China está construindo capacidade de projeção de poder”, disse.

A plateia se dividiu. “Não acho que Mearsheimer tenha uma boa resposta para a visão de Yan”, disse o chinês Charles. “Ele acredita que, para ter uma posição internacional, é preciso usar o poder militar. Mas a China tende a usar coisas como o poder econômico para influenciar outros países. E o propósito é mais ter colaboração do que competição.”

Já a argentina Mercedes ficou com o americano. “Segundo Mearsheimer, o objetivo último da China também é se posicionar no sistema internacional”, disse. “Nós podemos ver isso. O aumento das capacidades militares chinesas não é porque eles tenham medo de invasão dos EUA. É porque a China quer uma posição destacada.”

Segundo ela, “por momentos se sentia que o professor chinês estava falando ao público chinês: nós não queremos invadir ninguém como vocês fizeram, nós somos bons, vocês é que são os monstros”.

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