Pai revela conselhos a Boulos e diz que recebeu fake news sobre filho em grupo do condomínio

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mentiras contra Guilherme Boulos (PSOL) como as contadas por Pablo Marçal (PRTB) também circularam no grupo de WhatsApp do condomínio dos pais do candidato, os médicos Marcos e Ivete.

“Um indivíduo postou uma carta falando que meu filho era um comunista drogado, ladrão, com todas as coisas que você possa imaginar. Provavelmente não tinha percebido que eu era o pai”, conta Marcos Boulos, 79, à reportagem.

Em entrevista, ele critica o prefeito Ricardo Nunes (MDB), fala sobre a participação na campanha dele e de Ivete (que doaram ao candidato a casa em que ele vive), da importância da meditação e dos conselhos que dá e recebe do único filho homem, o caçula da família —o casal tem outras duas filhas.

Professor aposentado da USP, na qual foi diretor da Faculdade de Medicina, Marcos Boulos teve cargos em órgãos de controles de doenças em secretarias de governos tucanos.

“Sempre trabalhei com causas sociais, é até difícil você entender um profissional de saúde que não, porque você lida com pessoas carentes. Mas nunca militei na política. Sempre participei de grupos de discussão sobre saúde pública em todo o país, independente do credo dos governantes.”

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MENTIRAS NO CONDOMÍNIO

“Aqui no meu prédio, um indivíduo postou uma carta falando que meu filho era um comunista drogado, ladrão, com todas as coisas que você possa imaginar. Provavelmente não tinha percebido que eu era o pai. Eu fiquei furioso e muito, muito magoado. Imediatamente avisei que ele teria que comprovar na Justiça o que falou. Aí houve uma determinação de que não se discute política [no grupo].”

DESAFIO DE VIRAR NO 2º TURNO

Segundo Boulos pai, Guilherme desde o início da disputa sabia da dificuldade. “Ele nunca achou que ia ser fácil. Não pelo prefeito, que não tem um passado, mas pela rejeição do Guilherme, com gente o colocando como comunista, bandido, invasor, coisas que nunca foi. Nunca foi comunista, nunca invadiu casa.”

Marcos diz não ter a receita para quebrar a rejeição. “Ele sabe o que está fazendo, eu vi lá na Casa de Portugal [em plenária da campanha, na quarta (9)], todos absolutamente entusiasmados. Um dos líderes do PT me deu uma carona até em casa e falou, ‘olha, o Datafolha vai vir muito ruim, mas o movimento tem que ir para frente’. Teve muita gente que votou 13 [e não 50], tem a participação agora mais incisiva do próprio presidente [Lula] etc.”

O pai do candidato do PSOL reconhece que, embora atrair quem votou em Pablo Marçal não seja uma tarefa simples, ela é imprescindível. “O próprio Pablo Marçal rompeu com a ‘direita Bolsonaro’ e, de certa maneira, existem desdobramentos nisso.”

BOULOS RAIZ

O pai aprova a retórica mais inflamada adotada por Boulos no segundo turno em busca de eleitores de Marçal. “Eu acho adequado. Ele já fez assim na reunião de anteontem [9] e a impressão é que ele vai ser mais contundente.”

Mas Marcos faz ressalvas. “A dificuldade é que ele tem uma rejeição muito alta. Precisa saber como romper isso, porque é uma rejeição em cima de coisas que não são reais. Então a contundência tem que ser em termos de projetos, propostas, não defender posições radicais, porque de fato um governante tem que conversar com todos.”

“Meu filho nunca teve radicalismo. No movimento social, ele era, inclusive, referência da Polícia Militar, porque evitava haver violência durante os despejos, era chamado pela PM para negociar para que as pessoas saíssem sem violência.”

ATAQUES A NUNES

“O prefeito é uma pessoa mais omissa. Eu assisti a um seminário em um sindicato de hospitais, ele não entendia nada do que estava sendo tratado. Quando perguntaram de saúde, ele disse: ‘eu falo de saúde financeira’. Eu tinha duas dúvidas, ou ele era igual ao Maluf, que você perguntava uma coisa e ele falava outra; ou ele não estava entendendo coisas básicas.”

“Não me parece que tem foco, não conhece os problemas. Nunca teve uma grande projeção, foi promovido pelo Bruno Covas, ninguém entende por que ele entrou como vice.”

RELIGIÃO E POLÍTICA

Boulos pai criticou a mistura de religião com política. “De repente, o pastor acha que tem que falar em quem tem que votar, eu fico impressionado. A participação deles não é essa, é buscar a espiritualidade, a projeção, a crença. Mas, como têm poder sobre as pessoas, eles ficam estimulando, e as pessoas não veem quem são os candidatos, o passado deles, a qualidade dos projetos.”

PARTICIPAÇÃO DOS PAIS NA CAMPANHA

Marcos conta que ele e a esposa participaram da elaboração do programa de governo do filho na área de saúde, junto com nomes como Gonzalo Vecina e Gastão Wagner. “A gente tem confiança, acho que é quase uma obrigação nossa estar junto com ele quando ele precisa. Quando a gente fala, ‘você acha que estamos atrapalhando?’, [ele responde:] ‘não, não, vocês têm que estar junto’. Então, a gente tem estado junto sempre.”

Indagado se a criação do Poupatempo da Saúde, principal proposta do filho para o setor, seria de fato capaz de zerar de fato as filas de exames e consultas —ou se não há ali também um forte componente de marketing, Marcos Boulos respondeu: “Não dá para saber quanto tempo isso demora, leva algum tempo, mas o que ele está propondo é revolucionário”.

MEDITAÇÃO E CONSELHOS

Adepto da meditação —diz já ter feito de vários tipos, da transcendental à do iogue indiano Paramahansa Yogananda (1893-1952)—, Marcos Boulos sempre buscou trazer o filho para a prática. Guilherme já relatou que tentou, sem muito sucesso. Mas o pai diz que o político incorporou fundamentos da prática ao cotidiano.

“De uma certa maneira, ele já introjetou. Em 2018, a gente meditava antes dos debates, porque às vezes ele achava que podia ficar nervoso, e ficava muito tranquilo. Agora ele faz isso já naturalmente. Ele não entra num debate sem dar uma relaxada antes, pelo menos uns 10 minutos para estar com ele mesmo, respirar fundo.”

“Você pode ver que nos debates ele está sempre tranquilo. A única vez que perdeu a paciência foi com o Marçal, com o negócio da carteira de trabalho. Nós conversamos depois, eu falei, Gui, o que é que houve?” Ele disse, “escapou, mas isso não vai acontecer mais”.

“Frequentemente ele me dá conselhos, mais do que eu a ele, é uma pessoa que passou por muita coisa. Quando estamos conversando, de repente ele pergunta: ‘por que você falou isso?’, e às vezes eu não sabia exatamente por que falei. [Aí ele diz] ‘Olha, veja como você fala, todas as falas têm consequências’”.

MUDANÇA DE ESCOLA, FACULDADE E DEPRESSÃO

Na adolescência, conta o pai, Guilherme Boulos pediu para trocar a escola privada por uma pública. “Logo que chegou, ele já montou o grêmio, começou a debater, conhecia a legislação sobre juventude, o que podia e o que não podia; a escola mandava usar o uniforme, aí ele, ‘tá bom, então vocês têm de dar o uniforme’. Da escola pública, entrou direto em filosofia na USP.”

A entrada na universidade coincide com uma crise de depressão enfrentada por Guilherme. “Ele estava tentando conversar na política, mas percebeu que os políticos trocavam apoio por cargo. Ele estudava com uma porção de amigos, estudavam Marx, todos os economistas, Keynes, para discutir como fazer o mundo melhor. E aí de repente o pessoal do grupo em que estavam apoiou um prefeito a troco de uma secretaria municipal, os meninos ficaram extremamente deprimidos.”

“Foi uma frustração enorme. O tio dele, irmão da Ivete, é psiquiatra do [Hospital do] Servidor, falou: ‘Acho melhor ele ficar uns dias comigo lá conversando’. E ele ficou [internado] pouco tempo, saiu. Teve um acompanhamento ambulatorial, consultório, por algum tempo. E isso foi passando, até quando ele se integrou ao movimento social. Aí ele se realizou.”

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RAIO X MARCOS BOULOS, 79

Filho de um comerciante libanês que migrou para o Brasil, é formado em medicina pela PUC de Sorocaba, com mestrado, doutorado e livre docência em doenças infecciosas e parasitárias pela USP. Foi diretor da Faculdade de Medicina da USP (2006 a 2020) e se aposentou como professor titular. Atuou em órgãos de saúde em governos federais e estaduais.

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