Se por um lado os resultados do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre vieram melhores do que o previsto, (alta de 1,4% sobre o anterior e 3,3% sobre o mesmo trimestre do ano passado), a preocupação já se volta para o cenário futuro pelo aquecimento econômico, que pode refletir na inflação e nos juros. As estimativas para o PIB de 2024 vão de 2,3% a 2,9% – o último boletim Focus, do Banco Central, mostra 2,46% – próximo dia 18 terá decisões nos Estados Unidos e no Brasil – o crescente gasto público é outro ponto de atenção. O resultado, em números, da economia aquecida: a indústria cresceu 3,9% e, logo atrás, os serviços, 3,5%. Agropecuária recuou -2,9%.
Vitoria Saddi, economista e sócia da SM Futures, disse que o resultado está alinhado com as expectativas, porque o consumo está acelerado. “Veio em linha com o esperado, pautado pelo aumento do consumo. A economia está ainda aquecida, o desemprego está em nível baixo”, afirmou. “Se esse crescimento se mantiver no ano que vem, vai ser um desafio para o próximo presidente do Banco Central. Será que ele vai realmente conseguir baixar juros, será que esse crescimento do PIB vai bater na inflação? Vai ser interessante observar.”
Os dados do IBGE colocam na mesa que é preciso atenção ao gasto público, segundo Maurício Godoi, professor da escola de negócios Saint Paul. Ele também ressalta a tendência de alta na chamada taxa neutra de juros, estimada pelo BC, que subiu para 4,75%, conforme informado na divulgação da ata mais recente do Comitê de Política Monetária. Segundo o Copom, esmorecimento na disciplina fiscal e incertezas sobre a dívida pública, entre outros fatores, podem elevar a taxa neutra, “com impactos deletérios sobre a potência da política monetária” e o combate à inflação. Quando a taxa real (descontada a inflação) está acima da neutra, a política monetária costuma ser contracionista.
Em relação aos resultados do segundo trimestre, Godoi avaliou que a queda do PIB na agropecuária (-2,3% do primeiro para o segundo semestre) se deve a fatores sazonais globais e também aos acontecimentos no Rio Grande do Sul. Além disso, os preços das commodities recuaram em relação ao início do ano. “O Brasil está produzindo mais e recebendo menos”, disse o professor. Vale lembrar que o setor já havia crescido 11,3% de janeiro a março.
A indústria teve crescimento trimestral de 1,8%, puxando o PIB, mas Godoi observou que no período imediatamente anterior houve queda de 0,1%. “É um esforço relativo fraco. A base é muito baixa”, afirmou. O ponto positivo é que “pararam de desinvestir”. Mas, com base nos resultados divulgados nesta terça-feira (3), o economista mostra apreensão com gastos do governo e crescimento com foco em bens de consumo, o que pode levar uma inflação de custos, que “não tem remédio”.
Outra pressão inflacionária é a energia, a bandeira tarifária vermelha foi anunciada pela Agência Nacional de Economia Elétrica (Aneel), que deve elevar os preços das contas de luz. E em julho a Petrobras anunciou reajuste do etanol (7,11%) nas refinarias, outro gerador de inflação.
No segundo trimestre, o consumo das famílias foi equivalente ao do governo, ambos com 1,3% de alta. No ano, enquanto o consumo das famílias cresce 4,9%, com massa salarial maior, oferta de crédito e juros menores, o do governo aumenta 3,1%. Godoi faz um questionamento: de quanto seria o PIB sem esse volume de gastos?
Na semana passada, ao comentar indicadores do mercado de trabalho, o CEO da Humaitá Digital, VanDyck Silveira, já havia se referido ao gasto público e ao baixo nível de investimento como fatores que nada contribuem para a economia brasileira. E comentou que o consumo, no país, está acima do investimento de longo prazo. Já o professor Antonio Corrêa de Lacerda, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), é mais otimista em relação aos rumos da economia. E aposta, inclusive, que as projeções para o PIB deste ano serão novamente revistas, chegando perto do resultado de 2023 (2,9%).
“O que chama a atenção, no segundo semestre, foi a retomada da indústria, inclusive a indústria de transformação, que tem maior valor agregado”, afirmou. “Você está gerando demanda efetiva, e isso provoca um ciclo virtuoso da economia. E melhora o quadro fiscal. O ajuste não se faz apenas com corte de gastos, é preciso aumentar a arrecadação. A recuperação está se dando em base sustentável, com inflação relativamente sob controle.”
DEMANDA – O desafio, segundo ele, está em fazer crescer os investimentos. No segundo trimestre, segundo o IBGE, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) (a operação do Sistema de Contas Nacionais (SCN) que registra a ampliação da capacidade produtiva futura de uma economia por meio de investimentos correntes em ativos fixos) correspondeu a 16,8% do PIB. Apesar da alta (2,1% no trimestre e 5,7% sobre igual período do ano passado), ainda está em nível considerado baixo pelos economistas. No acumulado em quatro trimestre, a FBCF cai 0,9%. “O investimento responde à expectativa de crescimento da demanda e de rentabilidade do capital. É isso que move o investimento privado”, disse Lacerda.
Fábio Murad, sócio da Ipê Avaliações, vê uma recuperação econômica “mais robusta, impulsionada principalmente pelos setores de serviços e indústria”, além do consumo das famílias e dos investimentos, pelo menos neste momento. “No entanto, a queda no setor agropecuário destaca a necessidade de diversificação e resiliência econômica. Para o mercado financeiro, esses dados podem influenciar as expectativas em relação à política monetária e fiscal.” Murad acredita que o BC pode sofrer pressões para elevar a Selic, “a fim de conter possíveis pressões inflacionárias decorrentes do aumento do consumo”.
Revisões das projeções de crescimento terão impacto sobre as estratégias de investimento, atraindo mais capital para setores em expansão, avalia o analista. “A atenção continuará voltada para a sustentabilidade desse crescimento, especialmente diante das incertezas fiscais e do cenário global”, afirmou.