BEIRUTE, LÍBANO (FOLHAPRESS) – O primeiro-ministro do Líbano, Najib Mikati, aponta que a solidariedade do Hezbollah com os palestinos na Faixa de Gaza pode estar comprometendo a segurança de seu país. Em entrevista à Folha, o premiê também condena os ataques de Israel contra as tropas da ONU e afirma que seu homólogo israelense, Binyamin Netanyahu, quer uma guerra regional.
A decisão da milícia Hezbollah de intensificar os ataques contra Israel após os atentados terroristas do Hamas, em 7 de outubro de 2023, é criticada por muitos libaneses. Para muitos, o Hezbollah empurrou o Líbano para um conflito que não era seu.
Em entrevista por escrito, Mikati é cuidadoso, mas critica a milícia xiita, que está representada no Parlamento, em ministérios e na divisão sectária do governo.
Seguindo a divisão de poder estabelecida desde a independência do Líbano da França, em 1943, um muçulmano xiita (Nabih Berry, do movimento Amal, atualmente alinhado ao Hezbollah) ocupa a presidência do Parlamento. Um muçulmano sunita (Najib Mikati) é o primeiro-ministro, e um cristão maronita é o presidente do país.
Mas a Presidência está vaga desde 2022, com a saída de Michel Aoun e a incapacidade dos partidos de chegarem a um acordo para determinar quem será o próximo a ocupar o posto –o Hezbollah se opõe a vários nomes. A ausência de um presidente contribui, ao lado da crise econômica e da guerra contra Israel, para a enorme instabilidade libanesa.
“O forte apoio do Hezbollah aos palestinos na guerra pode ter motivações estratégicas e ideológicas, mas é essencial avaliar se esse alinhamento representa um risco significativo para a estabilidade e segurança do Líbano”, disse Mikati.
“Embora demonstrar solidariedade aos palestinos seja uma posição política, é importante garantir que tais ações não comprometam a própria segurança do Líbano e não levem a mais conflitos dentro do país. Como primeiro-ministro, é vital manter uma abordagem equilibrada que considere os interesses do país e o bem-estar de seus cidadãos.”
Apesar das críticas ao Hezbollah, Mikati é enfático na condenação a Israel pelas violações territoriais do Líbano e aos ataques das forças de Tel Aviv contra a Unifil, a missão de paz da ONU que age no sul libanês, na fronteira com Israel.
Ataques israelenses desde 23 de setembro já causaram mais de 2.000 mortes no Líbano e obrigaram 1 milhão de cidadãos do sul do país e do Vale do Beqaa a deixarem suas casas. Grande parte está vivendo em abrigos, escolas e nas ruas de Beirute.
“Está claro que Netanyahu tem interesse em uma guerra regional. Mas outros líderes na região não compartilham de seu desejo por um conflito”, afirmou Mikati, cujo mandato já venceu, mas que continua no cargo devido ao impasse para escolher o presidente e o novo gabinete.
Ele afirma que a missão da Unifil no país é crucial. “Mas considerando os ataques de Israel, está claro que a missão precisa ser fortalecida para conseguir cumprir seu mandato de forma eficiente. O governo libanês condena a agressão israelense contra a Unifil. Uma maneira de fortalecer a missão é dar mais recursos e apoio, tanto em soldados como em equipamento. É importante que a Unifil consiga operar sem medo de retaliação ou ataques de Israel.”
Netanyahu afirma que a resolução 1.701, adotada em 2006 para garantir uma zona desmilitarizada próxima da fronteira, foi um fracasso porque o Hezbollah continua armazenando armas e fazendo ataques usando a região como base.
O premiê demandou que as tropas da Unifil saiam de suas posições porque estariam sendo “usadas como escudos humanos” pelo Hezbollah. Os ataques israelenses contra a missão já deixaram ao menos cinco soldados feridos.
Mikati também aborda a pressão de alguns atores políticos pela implementação da resolução da ONU 1.559, de 2004, que prevê o desarmamento do Hezbollah e a realização de eleições presidenciais livres e justas.
“Enquanto algumas comunidades cristãs e outras defendem um retorno à resolução 1.559, essa não é uma posição unânime entre todos os libaneses”, diz. “Mas é importante eleger um presidente que possa unir o povo libanês e iniciar um diálogo nacional para abordar questões politicamente controversas. No geral, o foco deve estar na implementação abrangente da resolução 1.701.”
A Folha enviou 12 perguntas ao gabinete do primeiro-ministro, mas apenas cinco foram respondidas.