Primeiro lugar nas eleições na cidade de São Paulo foi do “não voto”: abstenções, brancos e nulos somam 37%

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Votação em São Paulo: 9,3 milhões de eleitores e 6,1 milhões de votos válidos
Crédito: Paulo Pinto/Agência Brasil
  • Soma de abstenções com nulos e votos em branco é de 3,2 milhões, perto do total obtido pelos dois primeiros colocados no primeiro turno (3,6 milhões)
  • Nível de abstenção superou 27%, próximo ao de 2020 (29%), quando a pandemia de coronavírus impunha recolhimento
Por Vitor Nuzzi

A acirrada disputa eleitoral no maior colégio eleitoral do país, que levou Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (Psol) ao segundo turno, mostra também que a maior votação foi dos não votantes. A soma de abstenções com votos em branco e nulos no domingo (6) supera os 3,2 milhões, perto da soma dos dois primeiros colocados (quase 3,6 milhões). O porcentual supera 37% dos eleitores. Apenas a abstenção correspondeu a 27,34% do eleitorado, nível muito próximo do registrado em 2020 (29,29%), período de pandemia e recolhimento social. Mais de 2,5 milhões se abstiveram. São Paulo, nesse sentido, destoou do restante. Em todo o país, a abstenção variou para baixo – de 23,15%, em 2020, para 21,71%. Já o número de votos nulos em São Paulo somou 423 mil, menos do que na eleição de 2020 (642 mil). Os votos em brancos recuaram de 373 mil para 242 mil.

Apenas 1,4 ponto porcentual separou o primeiro do terceiro colocado em São Paulo. Do total de 6,1 milhões de votos válidos – o eleitorado paulistano é de 9,3 milhões –, Ricardo Nunes, atual prefeito, teve 1.801.139 (29,48%), somente 25 mil a mais do que os 1.776.127 (29,07%) de Boulos. Com 28,14%, Pablo Marçal (PRTB) recebeu 1.719.274 (57 mil a menos que Boulos e 82 mil a menos que o atual prefeito). Em 2020, o segundo turno foi disputado por Bruno Covas (PSDB, com 32,8% no primeiro) e também Guilherme Boulos (20,2%). O terceiro, bem atrás, foi Márcio França (PSB), com 728 mil votos (13,64%). O tucano venceu com 59,4% dos válidos (3,2 milhões), ante 40,6% do psolista (2,2 milhões). Covas morreu em 2021, no quinto mês de mandato, e foi substituído pelo vice, Ricardo Nunes.

No estado de São Paulo, 18 cidades terão segundo turno no último domingo de outubro, dia 27. Além da capital, Barueri, Diadema, Franca, Guarujá, Guarulhos, Jundiaí, Limeira, Mauá, Piracicaba, Ribeirão Preto, Santos, São Bernardo do Campo, São José dos Campos, São José de Rio Preto, Sumaré, Taboão da Serra e Taubaté. Pela Constituição, municípios com mais de 200 mil eleitores podem ter segundo turno, desde que nenhum candidato tenha obtido maioria absoluta (50% mais um). Outras 12 cidades nessa condição resolveram a disputa na primeira rodada: Bauru, Campinas, Carapicuíba, Embu das Artes, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Osasco, Praia Grande, Santo André, São Vicente, Sorocaba e Suzano. A capital concentra 27% dos eleitores do estado de São Paulo (34,4 milhões). Essa participação vem caindo: era de 27,4% em 2014, 29% em 2004 e de 31% em 1994.

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DUAS PERGUNTAS SOBRE AS ELEIÇÕES

As eleições deste ano em São Paulo tiveram 27,34% de abstenção, índice próximo ao de 2020 (29,29%), quando estávamos na pandemia, e bem acima de 2016 (21,84%). Também foi bem maior que o da média nacional (21,71%). Isso reflete desinteresse pelo processo eleitoral ou rejeição aos candidatos, ou há outros fatores?

Claudio Gonçalves Couto. Cientista político e social, professor na Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo:
“Realmente, é um número alto para os padrões de eleição municipal. Estamos falando de eleições que têm mais comparecimento dos que as nacionais. Mas tivemos também a primeira eleição sob condições normais, sem pandemia no meio, em que as pessoas podem fazer a justificativa da ausência pelo aplicativo no celular. Isso gera uma grande facilidade de justificar a falta. Talvez seja uma das explicações mais fortes para a gente ter essa abstenção aumentada em uma eleição municipal, maior até que o da última eleição nacional. Esse é um dado que precisa ser considerado. Sobre as duas explicações que você levanta, isso pode acontecer, mas sempre haverá candidatos rejeitados, sempre haverá eleitores pouco interessados no processo eleitoral. Não veria nenhuma razão para que nesta eleição isso fosse mais pronunciado do que em outras.”

Leonardo Barreto. Doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB):
“O índice de abstenção acima do que tem sido registrado normalmente ocorre por dois fatores. Ou porque o indivíduo acha que o voto dele não faz diferença, o que não é o caso desta eleição, que foi decidida voto a voto. O que nos leva à segunda hipótese: o eleitor não acredita numa mudança. Essa falta de crença na mudança pode se explicar por dois fatores – se todos os candidatos são iguais, a administração vai se manter a mesma, o que também não é o caso de São Paulo. Há projetos políticos bastante distintos. E aí caminhamos para a terceira hipótese: a abstenção é prova de uma falta de confiança nos políticos. Independentemente do resultado da eleição, para o eleitor o efeito vai ser o mesmo, não porque os candidatos sejam iguais, mas porque não se acredita que os candidatos tenham verdadeira capacidade de mudar alguma coisa. Então, a abstenção é sim uma prova de rejeição e uma falta de confiança na capacidade de os candidatos implementarem seus projetos políticos.”

Se somarmos abstenções, votos em branco e nulos, temos 3,2 milhões, pouco menos que a soma dos dois primeiros candidatos. Diante desses números, se deveria pensar em voto não obrigatório?

Claudio Gonçalves Couto:
“Eu diria que a gente pode pensar de duas maneiras. Uma é olhar só como um direito. Podemos pensar que a democracia dá o direito de participar do processo político, votando e podendo ser votado. Mas a gente não está só numa democracia, está também numa república. E a república supõe que uma das necessidades que precisam ser atendidas é do engajamento das pessoas em assuntos de ordem pública. Assim como as pessoas pagam impostos, prestam serviço militar, devem obedecer às leis, a gente pode imaginar que elas podem também ter que ter algum tipo de envolvimento com assuntos de interesse coletivo. E a eleição é o momento mais privilegiado para que isso ocorra. A gente pode levar também para esse lado: que valores estamos pensando em atender quando tornamos o voto facultativo? Valores de liberdade individual, muito bem, mas estamos também a valores relacionados a deveres republicanos? Podemos falar no voto, não neste ou naquele, mas na participação, em tomar conhecimento daquilo que acontece e ter algum tipo de posicionamento a ser tomado individualmente como um dever republicano.”

Leonardo Barreto:
“Mesmo que não seja muito caro e que seja simples justificar o não voto, o índice de participação nas eleições brasileiras ainda é muito grande comparado aos países com voto optativo. Acho que o voto obrigatório ainda faz diferença no nível de comparecimento. Esse é um ponto que a gente precisa discutir em termos de qualidade de voto. Ou seja, se você tornar optativo, vai tornar o voto com mais qualidade, porque vai sair de casa quem realmente quer votar? Esse é um debate. Agora, achar que o voto obrigatório perdeu seu efeito, seu propósito, acho que não.”

Crescimento do eleitorado em São Paulo/capital

AnoNúmero de eleitores
20249.322.444
20148.782.406
20047.771.503
19946.430.399
Fonte: TRE-SP

Aumento do número de eleitores/SP 1994/2024

  • Capital: 45%
  • Estado: 65,6%

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