Produção de carne evolui, e Brasil já participa com 28% do mercado internacional

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – São poucos os países que não têm à mesa pelo menos uma das proteínas animais do Brasil. É um cenário bem diferente do das décadas de 1980 e de 1990, quando o país, para suprir parte de sua demanda, buscava esses alimentos no mercado externo.

O crescimento da produção interna e a ocupação do mercado externo foram rápidos, e a presença brasileira se tornou fundamental para suprir a demanda mundial crescente.

Essa evolução vem se consolidando basicamente nos últimos cinco anos. Uma série de ocorrências sanitárias em todas as cadeias do setor reduziram a oferta mundial, e o Brasil, que ficou fora da rota dessas doenças, se consolidou como um fornecedor seguro e constante.

Vaca louca e febre aftosa em bovinos, peste suína africana em suínos e gripe aviária em aves mudaram o cenário mundial da oferta e da demanda de proteína animal nos últimos anos. Os principais mercados mundiais, como o da China, foram os mais afetados, e a necessidade de importação cresceu.

A produção nacional de carnes, considerando os segmentos de bovina, suína e de frango, atingiu 30 milhões de toneladas equivalente carcaça no ano passado, segundo uma média dos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). A média da produção anual dos últimos cinco anos supera em 7% a do período imediatamente anterior.

O aumento de produção incentivou as exportações, e as exportações incentivaram ainda mais a produção. Nos últimos cinco anos, o Brasil exportou 40 milhões de toneladas de carne, 27% a mais do que nos cinco anteriores. As receitas com as vendas externas chegaram a US$ 105 bilhões (R$ 584 bilhões) desde 2020, e US$ 315,3 bilhões (R$ 1,75 trilhão) desde 2000.

Neste ano, conforme dados do Usda (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos), o Brasil será responsável por 11% da produção mundial dessas proteínas e 28% do volume que será transacionado no mercado internacional. Os dados incluem produção e exportação das carnes de frango, bovina e suína.

As exportações dessas duas últimas são as que mais crescem. De uma participação de 17%, em 2015, em relação ao volume mundial comercializado, a carne bovina brasileira atingiu 29% no ano passado. A carne suína saiu de 8% para 16% no mesmo período, enquanto a de frango teve evolução menor, mas já detém 39% do mercado externo.

A trajetória da pecuária vem de longa data. Ela promoveu a abertura do Brasil central e de parte da Amazônia. Era uma terra fraca e que necessitava de tratos. Feita essa correção, boa parte do espaço que era dedicado à pecuária passou a ser ocupado pela agricultura.

Com o avanço da agricultura, não houve outra opção para a pecuária a não ser elevar a produtividade para manter sua sobrevivência, segundo José Bento, professor da USP (Universidade de São Paulo) em Pirassununga (SP), geneticista e especialista em avaliação de gado de corte.

O volume maior de carne fez com que as grandes empresas abrissem novos mercados para o produto brasileiro, um trabalho que os governos não haviam feito. “O setor foi se desenvolvendo, e a genética brasileira de bovinos de corte não perde para ninguém no mundo. Além disso, nenhum outro país tem a escala que temos”. O professor acrescenta que o país tem muita tecnologia, mas ela não é disseminada para pequenos e médios produtores.

No setor de aves, a gripe aviária, que circula por vários produtores nas últimas duas décadas, e só chegou agora ao Brasil, ajudou no aumento de produção interna e nas exportações, diz Ricardo Santin, presidente da ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal).

“Nosso maior cliente é o brasileiro, que consome 70% da produção nacional, mas fomos puxados pela exportação, que coloca um nível de exigência, e esta acaba puxando a eficiência”, diz Santin. Segundo ele, de cada dez frangos negociados no mercado internacional, quatro saem do Brasil.

Roberto Perosa, presidente da Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne), afirma que quando o Brasil se torna autossuficiente, e começa a buscar o mercado externo, se inicia um questionamento sobre a qualidade da carne brasileira e sobre a sustentabilidade. Esse processo vem se desenvolvendo, e a carne do Brasil é aceita nos mais diversos países com reconhecimento de qualidade sanitária, afirma.

Para Rafael Ribeiro de Lima Filho, assessor técnico da Comissão Nacional de Bovinocultura de Corte, o potencial de crescimento é grande. Internamente, o avanço da tecnologia na atividade, o clima, a genética e a disposição de terra são garantias de continuidade. Tudo isso gera qualidade e produtividade, afirma ele. O peso médio da carcaça subiu 15% em duas décadas. Ou seja, de 2004 a 2024 houve um aumento de 33 kg de carne por animal.

Externamente, há um crescimento da demanda por proteína animal, principalmente devido ao aumento de renda em países asiáticos, o que puxou o consumo de carne, principalmente da bovina. Entre os fornecedores mundiais dessa proteína, vários países têm problemas, como os Estados Unidos, que estão com o menor rebanho em 80 anos. Austrália é muito afetada por clima, Europa tem produção reduzida e Argentina e Uruguai não têm mais área para crescer.

O Brasil tem, ainda, a seu favor a boa oferta de grãos, base da ração animal, principalmente para frango e suínos. Além disso, os resíduos da crescente indústria de etanol de milho auxiliam na alimentação do gado.

Maurício Palma Nogueira, da consultoria Athenagro, prevê que, em pouco tempo, o Brasil, que já é o maior exportador mundial de carne bovina, supere os Estados Unidos também na produção. Atualmente os americanos são os líderes mundiais.

O Brasil tem hoje 86 milhões de vacas com idade superior a 24 meses, um número igual ao total do rebanho americano. Em dez anos, a produção brasileira deverá atingir 14,5 milhões de toneladas de carne bovina, 3,5 milhões a mais do que atualmente.

Nogueira alerta, no entanto, que o setor ainda tem muito a caminhar. A produtividade média brasileira é muito baixa, próxima de 4,4 arrobas por hectare por ano. Já a média dos produtores do Rally da Safra, uma expedição que faz um acompanhamento anual da atividade em fazendas de gado do país pela Athenagro, atinge 11,8 arrobas. Se forem considerados os 25% de pecuaristas mais produtivos deste universo de pesquisa, a produtividade já é de 22,6 arrobas por hectare.

O avanço da produtividade reduz a necessidade de área. Dados da Athenagro, levando em consideração informações de várias instituições, entre elas IBGE, Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e Conab, mostram que a área de pastagem caiu de 193 milhões de hectares, em 1990, para os atuais 161 milhões. Se o país atingisse a média de produtividade dos que estão entre os 25% mais produtivos, a necessidade de área para produzir a mesma quantidade atual de carne cairia para 32 milhões de hectares.

O professor José Bento destaca, ainda, como empecilho para o aumento de produtividade, o desmonte do sistema de assistência técnica, o que dificulta a chegada de novas tecnologias e sistemas de manejos aos médios e pequenos produtores.

O país precisa elevar a produtividade, diz Rafael. Os Estados Unidos, com menos da metade do rebanho bovino do Brasil, produz mais carne do que os brasileiros. O pecuarista tem de buscar mais produtividade e mais rentabilidade, caso contrário vai perder espaço para outras atividades, como agricultura e madeira.

Nogueira, da Athenagro, diz que os 10% que ganham mais no setor da bovinocultura movimentam 75% das vendas, o que gera um processo de grande concentração.

Na avaliação dos entrevistados, os países asiáticos continuam sendo o ponto de atenção das carnes bovina, suína e de frango. Um exemplo é a China, que se tornou um dos motores do crescimento do setor no Brasil. Os chineses adquiriram 2,1 milhões de toneladas de carne do Brasil no ano passado.

José Bento alerta, no entanto, que é preciso ficar atento à atuação dos chineses, que investem muito na Tanzânia, uma região com as mesmas características de Mato Grosso.

A pecuária tem de cuidar, ainda, da sustentabilidade. Ela é importante economicamente para o país e para a mesa do consumidor, mas precisa buscar uma forma de equilíbrio entre a produção e o compromisso ambiental, afirma Mariana Vieira da Costa, bióloga e analista de projetos de carbonos.

Um estudo de Mariana, junto com Daniela Debone e Simone Miraglia, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), aponta que a sociedade e o próprio agronegócio são prejudicados pelas emissões de gases de efeito estufa, em vista das graves crises climáticas atuais, que causam incêndios, desmatamento e enchentes.

Uma produção sustentável na pecuária evitaria custos provindos desses efeitos climáticos na faixa de US$ 18,8 bilhões a US$ 42,6 bilhões até 2030. Para chegar a esses números de custos evitados, o estudo usou três diferentes indicadores.

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