Reação do Brasil a ordem de prisão contra González destoa da posição de vizinhos

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Na última terça-feira (3), o Brasil afirmou ter visto com “profunda preocupação” a ordem de prisão que a ditadura da Venezuela emitiu contra o adversário de Nicolás Maduro nas eleições do final de julho, Edmundo González. A ação, afirmou o Itamaraty, dificulta “a busca por solução pacífica” na crise do país vizinho. O tom do comunicado, emitido em conjunto com a Colômbia, destoa da posição adotada pela maioria dos países da região, que condenaram com veemência o mandado contra o opositor.

No mesmo dia, Costa Rica, Argentina, Panamá, Equador, Guatemala, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai disseram rejeitar “de maneira inequívoca” a ordem de prisão, em discurso parecido com o usado pelo presidente do Chile, Gabriel Boric.

Os Estados Unidos, que não costumam poupar críticas ao regime, afirmaram que a medida foi “apenas mais um exemplo dos esforços” de Maduro para se manter no poder por meio da força. O Canadá, por sua vez, “condenou energicamente” a ordem de prisão. Cuba, Nicarágua e Bolívia, que reconheceram a contestada vitória de Maduro no pleito, não se pronunciaram sobre o assunto.

Para Juanita Goebertus, diretora da Human Rights Watch para as Américas, Lula e seus homólogos da Colômbia e do México, Gustavo Petro e Andrés Manuel López Obrador, respectivamente, deveriam condicionar a continuidade de eventuais acordos com a Venezuela à anulação da medida judicial.

“O ponto mínimo de entrada para qualquer negociação deveria ser a revogação dessa ordem”, afirmou ela na rede social X nesta terça. À Folha ela afirmou que a manifestação de Colômbia e Brasil ao menos expressa o “descontentamento desses países”.

As três nações, todas governadas por líderes de esquerda, vinham se colocando como ponte para um diálogo com Caracas, mas ainda sem sucesso.

Logo após o pleito, os três pediram a divulgação das atas eleitorais pelo regime, algo previsto na legislação venezuelana e ignorado até hoje. Dias depois, rechaçaram o plano de Maduro de chancelar o pleito no aparelhado Tribunal Supremo de Justiça -o que foi feito mesmo assim.

No meio do caminho, o México suspendeu as negociações e afirmou que esperaria a resposta do Supremo venezuelano -depois, não se manifestou mais de forma pública. Brasil e Colômbia, por sua vez, insistiram na interlocução e em declarações sobre o assunto.

Na semana passada, Goebertus divulgou uma carta em nome da HRW direcionada a Lula, Petro e AMLO, como o presidente mexicano é chamado. No documento, a advogada critica recentes sugestões que os líderes deram, em diferentes momentos, para solucionar a crise -confiar o escrutínio das eleições ao Supremo, como Obrador mencionou, repetir o pleito e promover uma anistia geral para a transição.

A proposta de Lula foi a de refazer a eleição diante do impasse entre regime e oposição -ambos dizem ter conquistado mais votos, embora só os adversários de Maduro tenham publicado as atas eleitorais que comprovariam a vitória de González.

Apesar das restrições no processo eleitoral na Venezuela, diz Goebertus, a votação ocorreu de forma pacífica e o sistema não teve nenhum problema, apesar de Maduro denunciar, sem apresentar provas, a ocorrência de um ciberataque no dia das eleições. Um novo pleito nas atuais condições de repressão, porém, não teria essas já escassas garantias, segundo ela.

“Uma coisa é pedir um mecanismo imparcial para poder avaliar e dar credibilidade ou não às diferentes atas que se apresentaram”, afirma a advogada. “Pensar em repetir as eleições é desconhecer o direito mais básico em uma democracia, que é poder escolher e ser escolhido e ter seu voto contado.”

Para Goebertus, tanto a postura de países como o Chile, um dos mais vocais críticos de Caracas entre os liderados pela esquerda, quanto a do Brasil são necessárias para um processo de transição para a democracia. “Mas todas devem estar embasadas em princípios de direitos humanos e Estado de Direito.”

“O que a história da América Latina nos mostra é que, com uma boa capacidade de organização da sociedade civil para resistir e com rupturas dentro das elites, nas Forças Armadas e no setor privado (…), esse tipo de processo de transição ocorre”, afirma ela.