SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A lei que cria o Imposto de Renda Mínimo, sancionada pelo presidente Lula nesta quarta (26), traz regras para isentar dividendos referentes a lucros apurados até 2025 que são incompatíveis com a legislação societária vigente, afirmam tributaristas.
Os dividendos são parcelas do lucro de uma empresa distribuídas aos seus sócios ou acionistas como forma de remuneração pelo capital investido.
O imposto mínimo de até 10% para rendas acima de R$ 600 mil por ano atinge lucros distribuídos a partir de 2026. Há isenção para valores apurados até 31 de dezembro de 2025, desde que a deliberação sobre a distribuição ocorra ainda neste ano e o pagamento seja feito até 2028.
Mas o exercício fiscal, que corresponde ao ano-calendário utilizado para apurar os resultados financeiros e contábeis de uma empresa, só se encerra em 31 de dezembro. Pela prática contábil e pelas normas societárias, portanto, os lucros só podem ser efetivamente apurados após esse encerramento, com base no balanço final.
“Há uma incompatibilidade técnica: o PL cria prazos e condições que a legislação societária vigente não contempla, gerando dúvidas de interpretação, potencial conflito normativo e risco de judicialização”, afirma Matheus Moraes, sócio do Garcia Landeiro Carvalho Moraes Advogados Associados.
Leticia Schroeder Micchelucci, tributarista do Loeser e Hadad Advogados, afirma que é temerário realizar a apuração com o exercício fiscal em andamento, ou seja, sem ainda ter os resultados do período confirmados, ainda que se considere algumas projeções para o mês de dezembro.
O texto permite que os dividendos aprovados em 2025 sejam pagos até 2028, um prazo que extrapola o permitido atualmente pela Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76), que determina que a assembleia para aprovação das contas deve ocorrer até quatro meses após o encerramento do exercício, e que o pagamento dos dividendos deve ser feito em até 60 dias, salvo deliberação em contrário.
“Este prazo pode ser diferente se a assembleia-geral deliberar de outra forma, mas, em qualquer caso, o pagamento deve ser feito dentro do exercício social”, afirma Micchelucci.
A exigência de que o pagamento siga exatamente os termos previstos na ata de aprovação feita por estimativas também preocupa. Segundo Verônica Magalhães, advogada tributarista, a rigidez levanta dúvidas sobre eventuais mudanças no cronograma previsto.
“O PL 1087 mirou numa tentativa de burlar alguma manobra indevida pelas empresas e acertou numa aberração que pode fazer com que empresas informem seus números de qualquer jeito só para atender uma burocracia tributária”, diz.
Para as empresas que consideram seguir com a deliberação ainda em 2025, os especialistas destacam que a única forma segura, até o momento, seria aprovar a distribuição com base em documentação contábil regular, preferencialmente já com valores definidos.
“A empresa teria que deliberar com base em números ainda não definitivos, possivelmente estimativas não auditadas, o que contraria princípios contábeis e de boa governança”, alerta Matheus Moraes.
Entre as alternativas para garantir a isenção, tributaristas mencionam a possibilidade de transformar os lucros acumulados em capital social da empresa, o que é chamado de capitalização. Em vez de distribuir esse valor diretamente aos sócios como dividendos, a empresa o incorpora ao seu patrimônio. Mais adiante, ela pode fazer uma redução de capital, ou seja, devolver parte desse capital aos sócios, de forma isenta de imposto.
Outra estratégia seria fazer a distribuição de parte dos lucros ainda em 2025, mesmo que a empresa não consiga distribuir tudo, para aproveitar ao menos parcialmente a isenção prevista no projeto.
Segundo Moraes, o texto deixa brechas que dificultam um planejamento fiscal 100% seguro. “Há falta de clareza quanto à necessidade real dessa deliberação emergencial até o fim de 2025; quais as informações mínimas obrigatórias dessa deliberação e sobre como conciliar isso com as normas societárias existentes”, afirma.
Milton Fontes, tributarista do Peixoto & Cury Advogados, explica que o CFC (Conselho Federal de Contabilidade) emitiu uma Nota Técnica (nº 013/2025) pedindo o veto presidencial do dispositivo do projeto que condiciona a isenção tributária à deliberação societária até 31 de dezembro de 2025 o que não foi acatado pelo presidente.
O CFC argumenta que tal exigência “configura uma exigência tecnicamente inexequível e juridicamente inconsistente”.
Fontes defende que a Receita Federal publique um Ato Declaratório Interpretativo esclarecendo pontos como a formalização da distribuição e os critérios para realização de balanço intermediário.
Também para a advogada Helena Trentini, enquanto não houver harmonização normativa o cenário permanece inseguro.
“A depender do tipo societário, o cumprimento literal do PL exigiria práticas contábeis incompatíveis com o ciclo ordinário de encerramento e aprovação das contas ou contrariaria regras societárias estruturais”, diz.
Para além da insegurança contábil e societária, especialistas veem risco de autuações fiscais e questionamentos jurídicos.
Micchelucci afirma que a lei é questionável em vários aspectos constitucionais. Entre os pontos que podem ser levados ao Judiciário, ela cita a violação de princípios como legalidade, segurança jurídica e irretroatividade.
Magalhães também alerta que, sem respaldo legal, dividendos pagos posteriormente poderiam ser tributados como se não fossem lucros, com retenção de 35% conforme o artigo 61 da Lei 8.981/1995.
“O projeto induz as empresas a procedimentos atípicos, como aprovar resultados às pressas, o que contraria práticas contábeis consolidadas”, afirma Matheus Moraes. Para ele, o critério de isenção deveria ser apenas a data de apuração do lucro, e não da deliberação.