Relações diplomáticas entre Brasil e EUA completam 200 anos. Em 2023, negócios entre os dois países somaram US$ 75 bilhões

Uma image de notas de 20 reais
Os EUA foram um dos primeiros países a reconhecer a Independência brasileira, em 1822
Crédito: Reprodução redes sociais
  • EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China. País foi um dos primeiros a reconhecer a Independência brasileira, em 1822
  • Mapeamento realizado pela Apex mostra 500 empresas brasileiras operando em território estadunidense, em 29 setores – 70% ficam na Flórida
Por Vitor Nuzzi

Nos anos 1980, em meio a severa crise econômica, rotineiras no Brasil da hiperinflação, o geólogo Marco Stefanini abriu em sua casa, em Jaguariúna, interior paulista, uma pequena empresa de tecnologia, batizada com seu sobrenome. Hoje, o grupo atua em 41 países – após processo de internacionalização iniciado em 1996 –, tem 38 mil funcionários e faturou R$ 7 bilhões no ano passado. E é uma das principais empresas brasileiras instaladas nos Estados Unidos.

A Stefanini é uma das muitas companhias nacionais com operações nos EUA. Mapeamento feito em 2020 pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) mostra 500 empresas brasileiras atuando em território estadunidense, em 29 setores – 70% ficam na Flórida.

O trabalho dessas companhias são parte de uma história que começou há dois séculos. Brasil e Estados Unidos acabam de completar 200 anos de relações diplomáticas e comerciais – os vizinhos do Norte foram um dos primeiros a reconhecer a Independência brasileira, em 1822. É uma relação que sempre incluiu, além de intensa parceria comercial, forte componente geopolítico.

Escolhas do Editor

No ano passado, a corrente de comércio somou quase U$ 75 bilhões. No primeiro semestre deste ano, o valor superou US$ 38 bilhões – US$ 19,2 bilhões em exportações e US$ 19,5 bilhões em importações. Os Estados Unidos são o segundo maior parceiro brasileiro e o segundo maior destino das exportações – o primeiro lugar, desde 1999, cabe à China, que em três décadas passou de 3% para 30% das vendas brasileiras ao exterior.

Considerando todo o comércio exterior, em 2023 o Brasil obteve saldo de US$ 99 bilhões, o maior valor da série histórica. As exportações somaram US$ 340 bilhões e as importações, US$ 241 bilhões. Os Estados Unidos representaram 10,8% das vendas brasileiras (quase US$ 37 bilhões).

BANDEIRA – Agora com 6 mil funcionários apenas nos Estados Unidos, a Stefanini enfrentou anos difíceis até se firmar, mesmo já operando em alguns países e inclusive atendendo a empresas americanas. “O começo foi desafiador”, disse Ailtom Nascimento, vice-presidente global do grupo. Além da forte concorrência, faltava reconhecimento do mercado em relação a empresas brasileiras. “Não havia nenhuma referência de que o mercado brasileiro fosse desenvolvedor de tecnologia. Primeiro, você tem de vender o seu país, a sua bandeira.”

O crescimento começou após as primeiras aquisições, a partir da TechTeam, em 2010. Hoje, na área de consultoria, que representa em torno de 90% do grupo, formado por 36 empresas, os Estados Unidos já representam um pouco mais do que o próprio mercado brasileiro – 25% e 24% do total, respectivamente.

Divulgação
Ailtom Nascimento, da Stefanini: início desafiador nos EUA
Crédito: Divulgação

A Stefanini está à frente, também, do Fórum de CEOs Brasil-EUA, criado em 2007 para desenvolver recomendações conjuntas sobre o comércio bilateral. Nascimento afirmou que a questão política não interfere na atuação dos executivos. Mas, neste segundo semestre, a agenda de encontros certamente sofrerá interrupções, devido à proximidade das eleições presidenciais americanas, marcadas para novembro.

Nos investimentos, os Estados Unidos ocupam a primeira posição, tanto de investimentos estrangeiros no Brasil quanto como destino de internacionalização de empresas brasileiras. “Apenas na última década, foram quase 800 projetos de investimentos entre os dois países em manufatura, agronegócio, tecnologia, financeiro, energia, entre outros setores”, afirmou o CEO da Câmara Americana de Comércio (Amcham/Brasil), Abrão Neto.

Já Felipe Loureiro, professor associado do Instituto de Relações
Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP), levanta outra questão. “Hoje, a balança comercial entre Brasil e EUA é um pouco mais equilibrada em relação a outros momentos, mas ainda é muito assimétrica”, disse ele, que coordena o Observatório da Democracia no Mundo (ODEC-USP) e é pesquisador do Instituto Nacional de Ciências e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU). Se até o início do século passado, a relação era morna, como define o professor, esse cenário começou a se alterar a partir das exportações brasileiras de café.

Mas o ponto-chave, segundo ele, surgiu na 2ª Guerra Mundial. “Ali, Estados Unidos e Brasil passaram a construir uma aliança muito próxima”, afirmou o professor da USP. No conflito, os brasileiros mandaram soldados à Europa e os estadunidenses ampliaram seus investimentos no país, com destaque para o setor industrial. Essa presença já vinha crescendo nas décadas anteriores, com a indústria cultural americana desembarcando em peso no Brasil – algo palpável no cinema, na música e até em desenhos animados. Essa aproximação ganhou contornos políticos nos anos 1960, quando o mundo se dividia em blocos pró Estados Unidos e a extinta União Soviética, na chamada Guerra Fria. O que vai se refletir, por exemplo, no movimento desencadeado em 1964 no Brasil, com forte influência americana.

Hoje, Felipe Loureiro não vê um alinhamento global, mas “alinhamentos setoriais” entre os dois países. Se divergem, por exemplo, em relação a conflitos internacionais (Rússia/Ucrânia, Israel/Hamas), se aproximam em temas como o da agenda climática e reestruturação de cadeias produtivas. Mesmo com suas diferenças,
os dois países seguem firmes com suas relações comerciais, 200 anos depois.

  • Principais produtos exportados para os EUA em 2023

Produtos semiacabados, lingotes e outras formas primárias de ferro ou aço (13,1% de participação)

Óleos brutos de petróleo ou de minerais betaminosos, crus (12,7%)

Aeronaves e outros equipamentos, incluindo partes (5,3%)

Instalações e equipamentos de engenharia civil e construtores, e partes (4,8%)

Ferro-gusa, spiegel, ferro-esponja, grânulos e pó de ferro ou aço e ferroligas (4,6%)

Óleos combustíveis de petróleo ou de minerais betuminosos, exceto óleos brutos (3,3%)

Celulose (3,2%)

Café não torrado (3,1%)

Sucos de frutas ou de vegetais (2,5%)

Madeira parcialmente trabalhada e dormentes (2%)

  • Principais produtos importados pelo Brasil em 2023

Motores e máquinas não elétricos, e partes (participação de 12,8%)

Óleos combustíveis de petróleo e minerais betuminosos (12,6%)

Carvão (4,4%)

Óleos brutos de petróleo ou de minerais betuminosos, crus (4,2%)

Aeronaves e outros equipamentos, e partes (3,5%)

Inseticidas, fungicidas, herbicidas (2,9%)

Polímeros de etileno (2,8%)

Instrumentos e aparelhos e medicação, verificação, análise e controle (2,7%)

Outros medicamentos, incluindo veterinários (2,3%)

Medicamentos e produtos farmacêuticos, exceto veterinários (2,1%0)

Fonte: Comex Stat/MDIC

Voltar ao topo