Riken Yamamoto, vencedor do Pritzker: “Revitalizar sem envolver toda a comunidade é fracassar”

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Riken Yamamoto acredita no papel social da arquitetura
(Tom Welsh/The Hyatt Foundation)
  • "A primeira coisa que observo ao chegar a uma cidade é como a arquitetura reflete ou não a identidade cultural local"
  • "A arquitetura inclusiva prioriza a comunidade e o equilíbrio ambiental. Isso inclui espaços acessíveis, sustentáveis e de interação social"
Por Letícia Franco

[AGÊNCIA DC NEWS]. Embora a arquitetura contemporânea valorize conceitos como a privacidade e o individualismo, o arquiteto japonês Riken Yamamoto, vencedor do prestigioso Prêmio Pritzker 2024 – o Nobel da Arquitetura –, defende um caminho diferente. Aos 79 anos, Yamamoto acredita que a arquitetura só cumpre seu papel quando está enraizada no engajamento comunitário e na construção de espaços que promovam a convivência e o pertencimento. “Sem a participação ativa da comunidade, os projetos de revitalização estão destinados ao fracasso”, afirmou, em entrevista exclusiva à AGÊNCIA DC NEWS e ao projeto Comércio Histórico de São Paulo.

Nascido em Pequim em 1945, sua família de origens japonesas estabelecida na China mudou-se de volta para Yokohama, no Japão, após o fim da Segunda Guerra Mundial, naquele mesmo ano. Formou-se em arquitetura na Universidade Nihon em 1968. Três anos depois, concluiu mestrado pela Universidade de Artes de Tóquio. Em 1973, fundou seu escritório, Riken Yamamoto & Field Shop. Reconhecido por uma abordagem que conecta gerações e integra habitação, economia e desenvolvimento social, Yamamoto destacou exemplos de reconstrução de espaços como o Local Area Republic Labo, projeto que ajudou comunidades no Japão após o tsunami de 2011. Também propôs soluções inclusivas e sustentáveis para os desafios urbanos do futuro. Soluções que valem tanto do outro lado do mundo como no Centro de São Paulo. A seguir, os principais trechos da entrevista:

AGÊNCIA DC NEWS – Como foi seu primeiro contato com a arquitetura?
Riken Yamamoto –
Quando eu tinha 17 anos, visitei o Templo Kôfuku-ji, em Nara, Japão, construído em 730 e reconstruído em 1426. Fiquei encantado pela estrutura de cinco andares, que simboliza os cinco elementos budistas: terra, água, fogo, ar e o éter. Foi meu primeiro contato com esse universo. 

Escolhas do Editor

AGÊNCIA DC NEWS – Qual é a primeira coisa que você avalia quando chega a uma cidade?
Riken Yamamoto –
É a relação entre o espaço urbano e as comunidades que o habitam. Observo como as pessoas utilizam os espaços públicos, como se organizam socialmente e como a arquitetura reflete ou não a identidade cultural local.

AGÊNCIA DC NEWS – E o que costuma encontrar?
Riken Yamamoto –
Novas cidades, especialmente aquelas desenvolvidas após a Segunda Guerra Mundial, representam outro conceito. Foram criadas por arquitetos com base em ideais de modernização. Algumas foram bem-sucedidas, mas outras, infelizmente, não alcançaram os objetivos desejados. Isso não aconteceu apenas na Europa, mas também no Brasil, no Japão e em outros países da Ásia. Muitas vezes, o sucesso de uma cidade está profundamente ligado à capacidade de criar um senso de pertencimento e conexão comunitária. 

AGÊNCIA DC NEWS – Você já esteve no Brasil?
Riken Yamamoto –
Ainda não tive a oportunidade de visitar o Brasil, mas é algo que desejo muito, especialmente para conhecer São Paulo. Tenho um grande amigo, o Sr. Uehara, que mora no país, e o diplomata André Aranha Corrêa do Lago [atual secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores], que foi embaixador do Brasil no Japão [2013-2018], também me incentivou a conhecer o Brasil. Espero visitar em breve.

AGÊNCIA DC NEWS – O que você pensa sobre a arquitetura brasileira? Seus edifícios ou arquitetos?
Riken Yamamoto –
A arquitetura brasileira é vibrante e rica em criatividade. Oscar Niemeyer é um nome que admiro profundamente, conhecido por seu trabalho modernista. No entanto, percebo uma forte influência europeia em algumas abordagens. Além disso, a cultura brasileira, com música, dança e festivais como o Carnaval, é um reflexo de como o povo cria e vive em comunidade. É incrível.

AGÊNCIA DC NEWS – Você já visitou vários países da América Latina, como Colômbia, Guatemala, México, Peru e Venezuela. Como foi sua experiência na região?
Riken Yamamoto –
Foi enriquecedora. Recentemente, voltei a Antígua (Guatemala), que havia visitado logo após um grande terremoto. Foi emocionante ver como a cidade se recuperou, mantendo sua história viva. Na Venezuela, fiquei impressionado com a força das comunidades em Caracas, extremamente organizadas e dinâmicas.

AGÊNCIA DC NEWS – Quando foi sua última visita à América Latina?
Riken Yamamoto –
Foi essa a Caracas, em novembro. Queria entender melhor a dinâmica social e comunitária da região. Caracas é um exemplo de como a arquitetura e a organização social podem caminhar juntas para beneficiar as pessoas.

AGÊNCIA DC NEWS – E quais foram suas percepções sobre o que viu em Caracas?
Riken Yamamoto –
A arquitetura reflete uma forte colaboração comunitária. As moradias e espaços coletivos são exemplos de como as pessoas podem criar um ambiente funcional e inclusivo. É fascinante ver como as pessoas constroem soluções de forma colaborativa. Essa abordagem é bem diferente do planejamento modernista de Brasília, por exemplo. Brasília é mais formal e estruturada.

AGÊNCIA DC NEWS – De que maneira você a compararia a São Paulo?
Riken Yamamoto –
Embora nunca tenha visitado São Paulo, entendo que a cidade tem muitas favelas, que não devem ser vistas como slums, mas sim como comunidades vibrantes. Essas áreas mostram como as pessoas podem criar organizações sociais fortes, algo que também observei em Caracas.

AGÊNCIA DC NEWS – Como define o papel da arquitetura na formação da cultura de uma metrópole?
Riken Yamamoto –
A arquitetura é fundamental na criação de identidade e na organização das comunidades urbanas. Em cidades como São Paulo, isso é evidente na maneira como as comunidades se adaptam e criam soluções para suas próprias necessidades. 

AGÊNCIA DC NEWS – Qual é a importância de envolver a comunidade na revitalização urbana?
Riken Yamamoto –
Envolver a comunidade é essencial. São as pessoas que vivem nos espaços urbanos e que entendem suas próprias necessidades. Projetos de revitalização que não incluem a participação ativa da comunidade estão destinados ao fracasso. 

AGÊNCIA DC NEWS – Que características definem a arquitetura inclusiva e ambientalmente responsável?
Riken Yamamoto –
A arquitetura inclusiva deve priorizar a comunidade e o equilíbrio ambiental. Isso inclui espaços que sejam acessíveis, sustentáveis e que promovam a interação social.

AGÊNCIA DC NEWS – Um dos seus focos é combinar beleza e praticidade para todas as gerações. Como isso poderia ser aplicado a áreas centrais de grandes cidades, como São Paulo?
Riken Yamamoto –
A combinação de beleza e praticidade deve sempre levar em conta as necessidades da comunidade. Projetos como o Local Area Republic Labo. Ele foi uma resposta à destruição causada pelo tsunami na área de Tohoku. Minha intenção era reconstruir comunidades de forma que as pessoas se sentissem conectadas novamente. Projetos assim mostram como é possível reconstruir comunidades garantindo habitação, economia e desenvolvimento social

AGÊNCIA DC NEWS – Qual foi o maior desafio no projeto?
Riken Yamamoto –
O desafio é semelhante ao que enfrentamos nas cidades modernizadas: como recriar o senso de comunidade? Hoje, continuamos nosso trabalho em áreas afetadas, como Noto, onde recentemente houve outro grande terremoto. Essa abordagem pode ser aplicada às áreas centrais de São Paulo para revitalizar a cidade.

AGÊNCIA DC NEWS – Por favor, fale sobre o conceito de uma cidade regenerativa.
Riken Yamamoto –
Uma cidade regenerativa é baseada na ideia de comunidade. Hoje, o mundo enfrenta a destruição desse senso de unidade, tanto em cidades pequenas quanto em metrópoles. Uma cidade regenerativa deve buscar o equilíbrio entre as necessidades das pessoas e o ambiente, promovendo colaboração e sustentabilidade.

AGÊNCIA DC NEWS – Seus estudos frequentemente integram habitação, economia e desenvolvimento social. Você acredita que essas ideias são viáveis hoje ou ainda são mais aspiracionais?
Riken Yamamoto –
Acredito que essas ideias são mais necessárias do que nunca. A habitação é a base de qualquer cidade. Sem um lugar para viver, as pessoas não podem contribuir para a economia ou participar da vida social. Integrar essas três áreas é importante para criar cidades que funcionem para todos.

AGÊNCIA DC NEWS – Quais lições de seus pais e antepassados moldaram seu trabalho e legado como arquiteto?
Riken Yamamoto –
Eu nasci em 1945, na China, em uma época em que parte do país estava sob ocupação japonesa. Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, minha família fugiu para o Japão. Foi um momento extremamente desafiador. Minha mãe sempre enfatizou como as comunidades locais chinesas nos ajudaram a voltar em segurança, algo que me marcou profundamente.

AGÊNCIA DC NEWS – Marcou de que maneira?
Riken Yamamoto –
Essa experiência me ensinou o valor das pessoas em uma comunidade, independentemente de governos ou fronteiras. Essa lição se tornou central em minha abordagem como arquiteto: a comunidade é a base de qualquer projeto bem-sucedido.

AGÊNCIA DC NEWS – Quando você pensa sobre a arquitetura de 2030, o que você acredita que será indispensável?
Riken Yamamoto –
A arquitetura de 2030 deve ser semelhante à de 2025. Uma arquitetura que prioriza a criação de comunidades resilientes e sustentáveis. O mundo enfrenta muitos desafios – guerras, desastres naturais, crises climáticas – e não temos tempo a perder. Precisamos agir rapidamente para criar soluções que atendam às necessidades das pessoas e do planeta. 

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