[AGÊNCIA DC NEWS]. Por ser tratar de um bem essencial à população, medicamento é reajustado anualmente pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) e não pelas grandes farmacêuticas. Em 2024, o índice máximo ficou em 4,5%. O próximo reajuste sai em março e ainda não se sabe em quanto deve ficar. Para chegar ao índice, a CMED observa fatores como a inflação dos últimos 12 meses (IPCA), a produtividade das indústrias de medicamentos, custos não captados pela inflação, como câmbio e tarifa de energia elétrica, e também a concorrência de mercado. O cálculo é feito dessa forma desde 2005.
No cotidiano das farmácias, a realidade é diferente. Segundo Sergio Mena Barreto, CEO da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), as farmácias praticam preços muito inferiores ao teto por três motivos: a possibilidade de ajuste para ofertas; a concorrência; e por fim, a diferença do ICMS praticado em diferentes regiões. Para o homem que dialoga em nome das maiores redes de farmácia do Brasil, o setor tem outro desafio não considerado nas contas do reajuste. A alta na Selic. “Vai minar o poder de compra do brasileiro”, afirmou. Confira a entrevista.
AGÊNCIA DC NEWS – Estamos próximos da definição de um novo índice de aumento dos preços dos medicamentos em março. Qual a expectativa para o índice deste ano?
Sergio Mena Barreto – A gente não sabe ainda de quanto é o reajuste. Sabemos, conforme publicado, do fator de produtividade. Ele apresentou uma variação de 2.459%. Esse número faz parte do modelo que estima uma variação positiva no índice de produtividade da indústria farmacêutica para o período entre julho de 2024 e junho de 2025.
AGÊNCIA DC NEWS – A partir desse fator já é possível estimar um valor final para o reajuste?
Sergio Mena Barreto – Acho que é muito cedo para dizermos se será 2,3%, 5%, ou 6%. Como não foram publicados todos os fatores, é falar de uma coisa que não existe ainda.
AGÊNCIA DC NEWS – Mesmo com o teto de aumento de preço, os valores de alguns grupos de medicamentos subiram em 2024 até 359%, segundo dados da CliqueFarma. Por que isso acontece?
Sergio Mena Barreto – Isso ocorre porque no dia a dia as farmácias praticam preços que, muitas vezes, ficam muito abaixo do teto de reajuste. Isso acontece por três motivos. O primeiro é para ter um espaço melhor para trabalhar os preços, principalmente para ofertas, sendo que a indústria é muito competitiva. O segundo é exatamente por conta dessa concorrência, para competir em preços. E o terceiro, por conta do ICMS que é diferente, dependendo da região.
AGÊNCIA DC NEWS – Como está essa diferenciação do ICMS?
Sergio Mena Barreto – Atualmente, você tem estados em que o ICMS é 22% e outros em que é 18%. Assim, dependendo do estado comprar um medicamento é mais barato que em outro, hoje já existe essa diferenciação. E é aí que entra o mais importante do reajuste da CMED. Existe um preço fábrica e um preço ao consumidor e isso gera um problema tributário que afeta a competitividade nos estados.
AGÊNCIA DC NEWS – O índice de reajuste considera apenas a inflação para ponderar o poder de compra do consumidor. O restante dos indicadores se baseia apenas em dados da indústria. Por se tratar de um bem essencial, como a indústria poderia abordar isso de uma forma melhor, considerando o acesso a medicamentos pela população de baixa renda?
Sergio Mena Barreto – Tirando a inflação, realmente não tem. O fator não inclui o poder de compra, mas em compensação, como te falei, o fato de o mercado brasileiro de medicamentos ser muito competitivo ajuda.
AGÊNCIA DC NEWS – Como?
Sergio Mena Barreto – Quando a indústria começa a perder espaço, ela encontra uma solução para tornar aquele produto mais acessível. É uma conta, um fio tênue, que separa a venda e o poder de compra do usuário. Num mercado competitivo isso funciona. Imagina se a gente tivesse apenas dois ou três grandes fabricantes de produtos. Isso seria um problema. Com um mercado competitivo, ele mesmo acaba se ajustando em torno disso.
AGÊNCIA DC NEWS – Qual o impacto da Reforma Tributária para o setor?
Sergio Mena Barreto – O medicamento foi incluído na menor alíquota, ou seja, a gente vai ter uma redução de 60% da lista do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e do CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços). Se chegar em mais ou menos 10%, 12% ou 13% de carga [cerca de um terço da atual], terá sido a maior mudança do setor de saúde nos últimos 30, 40 anos.
AGÊNCIA DC NEWS – Isso deixará a carga tributária justa para o setor, como acontece no restante do mundo?
Sergio Mena Barreto – Hoje a carga tributária de medicamento no Brasil é uma das maiores do mundo. De cada R$ 100, 33% são impostos. Para você ter uma ideia, na média, no mundo a carga é de 6%. E em alguns países é zero. A gente gostaria que fosse zero no Brasil, mas não foi possível.
AGÊNCIA DC NEWS – Como a alta do dólar e da Selic impacta os números do setor?
Sergio Mena Barreto – Ao menos 95% dos insumos da indústria farmacêutica são importados. A gente quase não produz química fina no Brasil. Vem tudo da Índia e da China e, obviamente, se você tem um câmbio desfavorável, aquilo vai aumentar o seu custo de produção. Por outro lado, temos um mercado competitivo e, a partir de um cenário como esse, a indústria também tenta ser mais eficiente para continuar tendo um produto competitivo. Não vejo como o dólar tenha tanto impacto. Já a inflação, aí a gente está preocupado.
AGÊNCIA DC NEWS – Por quê?
Sergio Mena Barreto – A América Latina funciona como mercado out of pocket, como a gente chama. Ou seja, quem paga pelo medicamento é o próprio usuário. Diferentemente da Europa, onde o governo tem um programa de assistência médica e dá os medicamentos. Aqui no Brasil a gente depende do bolso do paciente, né? Se a inflação apertar, isso sim impacta.
AGÊNCIA DC NEWS – A agenda atual da Abrafarma visa combater a possibilidade de os supermercados comercializarem medicamentos. Por que isso é ruim?
Sergio Mena Barreto – É um problema de saúde. Se o paciente encontra medicamentos que sanam os sintomas, ele vai passar a tratar somente os sintomas e não cuidar da doença na totalidade. Porque em vez de a pessoa tentar descobrir se tem algo de errado, ela vai só tratar seus sintomas.
AGÊNCIA DC NEWS – Qual é o argumento dos supermercados?
Sergio Mena Barreto – Eles dizem que vai aumentar o acesso, pois estão em mais pontos. Mas essa não é uma discussão econômica, é de saúde pública. Esse tema é discutido desde o mandato da Dilma [Rousseff]. Ela vetou. Isso porque quando chega a parte de discutir saúde, os supermercados sempre perdem.
AGÊNCIA DC NEWS – Há alguma forma de isso acontecer de maneira positiva, sem se tornar um problema de saúde?
Sergio Mena Barreto – É possível pensar numa série de itens sem impacto sanitário, como sais de frutas ou um Gelol. Assim faria sentido. Do jeito que está sendo discutido atualmente, não faz.
AGÊNCIA DC NEWS – O setor aumentou o número de unidades em 3,1% em 2024. Como está ocorrendo a expansão das farmácias no Brasil?
Sergio Mena Barreto – O número de farmácias de grandes redes está aumentando, enquanto as pequenas estão sumindo.
AGÊNCIA DC NEWS – Por que isso acontece?
Sergio Mena Barreto – As grandes redes têm um alto investimento em tecnologia e infraestrutura. Isso significa que uma farmácia de rede tem um baixíssimo índice de falta de medicamentos. Já do lado cosmético, sempre tem o que o consumidor deseja e exatamente onde ele imagina achar dentro da loja. Essa não é uma realidade para as pequenas farmácias. Até o atendimento personalizado delas tem sido possível replicar com o aumento da tecnologia.
AGÊNCIA DC NEWS – Então as grandes estão engolindo as pequenas?
Sergio Mena Barreto – Sim. É um caso de sobrevivência [para as pequenas]. Ou elas se aliam a alguma rede maior, ou, infelizmente, não sobreviverão.