Com mais de 30 anos de experiência no mercado de varejo, o norte-americano Steve Dennis, de 64 anos, começou a carreira na varejista Sears, em 1991. Ocupou cargos como diretor Financeiro e Operacional e vice-presidente de Estratégia Corporativa. Em 2004, trabalhou como vice-presidente sênior de Estratégia e Desenvolvimento de Negócios na Neiman Marcus Group, varejista de luxo multimarcas dos Estados Unidos. Hoje, é presidente da SageBerry Consulting, consultoria que fundou em 2008. Dennis é conhecido no mercado pelo seu livro Remarkable Retail: How to Win & Keep Customers in the Age of Digital Disruption (Varejo Notável: Como Ganhar e Manter Consumidores na Era da Disrupção Digital, em tradução livre), no qual explora as mudanças necessárias para que as empresas de varejo se destaquem num mercado cada vez mais competitivo e digitalizado.
Além do seu trabalho corporativo, Dennis também ministra palestras em conferências globais do segmento e já foi indicado como um dos cinco maiores influenciadores do varejo por Celect (plataforma de análise preditiva para varejistas), Lightspeed Retail (plataforma de gestão de vendas) e LinkedIn. Nesta entrevista exclusiva concedida à DC NEWS, ele fala sobre as tendências do varejo, as mudanças dos consumidores com o avanço da tecnologia e em que empresas os varejistas podem se inspirar. “As expectativas dos consumidores estão cada vez mais altas. E as empresas devem ser ágeis e inovadoras para atendê-las”, disse.
DC NEWS – Quais são as principais tendências do varejo que o senhor observa atualmente no mercado internacional?
Steve Dennis – O varejo passa por uma grande disrupção digital, com o e-commerce e as jornadas de clientes comprando cada vez mais em canais digitais, especialmente por meio de dispositivos móveis. Essa porcentagem continuará a aumentar. Outra mudança no mercado (americano) é em consequência da alta na inflação.
DCN – Um fenômeno muito conhecido pelos brasileiros. O que isso provocou?
Dennis – Isso refletiu na relevância das lojas de desconto, com muitos consumidores buscando o trading down, ou seja, optando por produtos e lojas mais baratas.
DCN – Que outra tendência já solidificada o senhor enxerga?
Dennis – Os marketplaces também têm crescido significativamente. Mas ao mesmo tempo estamos vendo um certo colapso do meio, no qual os varejistas que não se especializaram em uma estratégia única e entregavam de tudo um pouco estão enfrentando dificuldades. Há um crescimento na estratégia de retail media, como faz a Amazon, que ganha mais com publicidade do que com as próprias vendas de produtos.
DCN – O que os clientes buscam, hoje?
Dennis – Buscam por uma compra especial, que seja focada no serviço personalizado, na qualidade do produto ou no valor baixo.
DCN – Como as empresas brasileiras podem se beneficiar das práticas inovadoras adotadas no varejo internacional?
Dennis – Olhar para o comportamento. Antigamente, obter informações sobre tendências era difícil e envolvia muita fricção, como ir pessoalmente às lojas. Hoje, com a internet, e-commerce, mídia digital e social, as informações estão disponíveis instantaneamente e as tendências podem mudar de forma rápida. Os consumidores tornaram-se muito mais sofisticados e bem informados. Eles podem saber o que está acontecendo em qualquer lugar do mundo.
DCN – E o que as varejistas devem fazer?
Dennis – Portanto, as empresas precisam olhar além de seu próprio país e setor. Por exemplo, se você está no negócio de móveis, é importante observar seus concorrentes diretos, mas também é importante aprender com outras indústrias e mercados internacionais. A experiência do cliente em uma área pode influenciar suas expectativas em outra. Se um cliente está acostumado a uma experiência de compra eficiente na Amazon ou no Mercado Livre, por exemplo, ele esperará o mesmo ao comprar um sofá de outra empresa.
DCN – Dessa forma, gigantes do varejo colocam certa pressão para players menores…
Dennis – Uma grande pressão. Para que todas as empresas entendam o cliente e melhorem sempre a jornada do cliente. Exemplos disso incluem o uso de tecnologia para facilitar processos, como aplicativos móveis que permitem check-in em hotéis ou consultas médicas sem burocracia. As expectativas dos consumidores estão cada vez mais altas, e as empresas devem ser ágeis e inovadoras para atendê-las.
DCN – Que empresas podem servir de exemplo ao mercado varejista?
Dennis – Depende muito do tipo de compra no qual o consumidor está pensando. Às vezes, queremos uma experiência de compra rápida e sem complicações, como a oferecida por Amazon e Mercado Livre, ou grandes lojas como o Walmart. Essas empresas se destacam pela eficiência e facilidade na compra de diversos produtos. Por outro lado, há momentos em que buscamos algo específico e personalizado.
DCN – E nesses casos?
Dennis – A experiência de compra precisa ser mais detalhada e focada em encontrar o produto certo, mesmo que demore mais. Por exemplo, se estou comprando móveis novos para um apartamento, quero algo que fique ótimo e dure bastante tempo. Não é sobre rapidez, mas sobre encontrar exatamente o que eu preciso. As empresas precisam decidir se querem focar na velocidade e eficiência ou na experiência e personalização. Para compras mais emocionais e experienciais, como moda ou móveis de alta qualidade, marcas como Louis Vuitton se destacam na narrativa e na experiência do cliente.
DCN – O senhor acha que as pessoas voltarão a comprar mais em lojas físicas?
Dennis – Sim, e já estamos vendo isso acontecer. Embora as compras online tenham aumentado, especialmente durante a pandemia, as compras em lojas físicas estão se recuperando. Nos Estados Unidos, por exemplo, cerca de 80% das vendas ainda ocorrem em lojas físicas. Houve um grande pico no e-commerce, mas agora o crescimento online está se estabilizando e voltando aos níveis esperados. As compras físicas são importantes não apenas pelas vendas diretas, mas também porque muitos consumidores usam as lojas para pesquisar produtos ou para devoluções. As lojas físicas seguirão crescendo lentamente, enquanto o e-commerce continuará a crescer um pouco mais rápido, dependendo do mercado e da categoria de produtos.
DCN – Nas inovações tecnológicas, quais são as maiores tendências?
Dennis – Nos Estados Unidos, a velocidade de entrega também se tornou um fator crítico, com empresas como Amazon, Target e Walmart investindo pesadamente em logística para oferecer entregas no mesmo dia ou no dia seguinte. Isso foi impulsionado pela demanda dos consumidores por conveniência, embora haja debates sobre a sustentabilidade ambiental desse modelo. Acredito que essas tendências continuarão a evoluir e moldar o futuro do mercado. A automação está se tornando essencial devido à dificuldade de encontrar mão de obra qualificada. Isso inclui o uso de robótica em centros de distribuição e até mesmo dentro das lojas, além da inteligência artificial para automatizar processos que antes eram feitos manualmente, como suporte ao cliente e marketing personalizado. A IA está elevando a eficiência operacional a um novo patamar, permitindo que as empresas reduzam custos e ofereçam experiências de compra mais envolventes.
DCN – Qual outra tendência vale destacar?
Dennis – Outra inovação interessante é o comércio por vídeo, o live commerce, que é extremamente popular na China. Essa tendência envolve a integração de vídeos de compras em plataformas como TikTok ou diretamente nos sites de varejistas, nos quais os consumidores podem assistir a demonstrações de produtos ao vivo ou ver influenciadores apresentando itens.
DCN – No Brasil, o governo tem tentado limitar a competição estrangeira por meio de impostos e tarifas, o que pode dificultar a entrada de novas marcas, não?
Dennis – No entanto, a tecnologia oferece a oportunidade para empresas locais adotarem modelos similares, aproveitando as tendências sociais para criar designs e produzi-los em pequenas quantidades de maneira eficiente.
DCN – O que pensa sobre o Brasil sempre tentar se aproximar dos Estados Unidos em termos de cultura de consumo?
Dennis – No Brasil, há uma tendência de tentar se alinhar com o estilo de consumo dos Estados Unidos, mas é importante refletir se isso é realmente benéfico. Nos Estados Unidos, o mercado varejista é muito avançado e diversificado, oferecendo vasta gama de formatos competitivos. Entretanto, o consumo exagerado nem sempre é positivo. Existe uma expressão, race to the bottom, que é quando empresas reduzem preços ao extremo para competir, o que muitas vezes resulta em prejuízos ou apenas beneficia o player de menor custo, como Amazon e Mercado Livre. Nesse ambiente, é difícil para um varejista ignorar essas tendências de mercado.