Alta do dólar e Remessa Conforme derrubam venda de discos de vinil importados e leva lojista a focar no conteúdo nacional

  • Márcio Custódio, da Locomotiva Discos, afirma que as vendas do tradicional LP caíram 30% nos últimos meses
  • Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, confirmou estar estudando a possibilidade de isentar os bolachões do imposto de importação
Por Anna Scudeller

[AGÊNCIA DC NEWS]. Dólar alto, mais impostos e custos operacionais elevados. A venda de vinil no Brasil não tem sido exatamente música para os ouvidos dos empreendedores, pelo menos é o que relata Márcio Custódio, dono da loja Locomotiva Discos, localizada na rua Barão de Itapetininga, no Centro de São Paulo. Por lá as vendas recuaram 30% nos últimos meses em função de dois fatores correlatos: a desvalorização do real e a Remessa Conforme, que desde agosto do ano passado, passou a taxar também os LPs quando supera o valor de US$ 50.  Considerado artigo de colecionador, e pela pouca concorrência com a indústria local, os vendedores do tradicional bolachão entraram com pedido de isenção da taxa para o item, pleito que foi recebido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que confirmou o recebimento do pedido em entrevista ao Podcast Inteligência LTDA, e disse estar em conversas com a Receita Federal para viabilizar a isenção, mas sem mudanças sinalizadas.

Ao longo de 2024 a importação de produtos relacionados à música, incluindo discos, movimentou US$ 1,8 milhão, segundo o Camex Stat, órgão do Ministério da Fazenda que calcula as entradas e saídas do País. No recorte do primeiro trimestre de 2025, frente ao mesmo período do ano passado, houve um incremento de 25,5% no valor das vendas. A cifra, no entanto, não especifica quais foram os produtos mais importados dentro da cesta de artigos de música, mas a explicação do Camex é que a alta se deu tanto pela alta do dólar quanto pela crescente demanda brasileira por artigos relacionados à música. Atualmente, na Locomotiva, cerca de 30% dos itens vendidos são importados. A loja, que ocupa o box de número 8 na Galeria Nova Barão, registrou em outros momentos, o dobro de produtos vindos do exterior.  “Antigamente um disco de R$ 200 era caro. Hoje o disco de R$ 300 está barato”, disse Custódio. Diante de tal mudança, ele precisou se adaptar. “Gostaria de trazer mais coisas importadas. Mas eu vejo o preço e penso que é inviável, o produto não vai vender.”

A loja, criada em 2011 pelos irmãos Márcio e Gilberto Custódio Júnior, não é a única especializada em música na Galeria. Ao todo são 20 espaços dedicados à venda de mídias antigas, que incluem também CDs, DVDs e fitas K7, se engana quem pensa encontrar apenas de itens usados, já que a indústria do disco de vinil, em especial nos Estados Unidos, ainda é forte, e cantores como Taylor Switf, Rihanna, Beyoncé e Billie Eilish ainda lançam seus álbuns no formato. Foi no exterior, inclusive, que nasceu o interesse do Márcio em trabalhar com vinis. Após voltar da Inglaterra em 2010, onde morou durante oito anos atuando como DJ e produtor cultural, que nasceu o ímpeto de empreender em loja física. “Gilberto já vendia mídia física no Mercado Livre aqui no Brasil. Quando eu voltei, ele teve a ideia de abrir uma loja física no Centro de São Paulo”. Para dar o play na operação, o investimento inicial da dupla foi de R$ 20 mil, metade cada, em que começaram com a compra do estoque de uma loja que estava prestes a fechar, discos das próprias coleções e outras unidades que trocaram com amigos. “Lembro que só tinha uma prateleira de discos e duas prateleiras de CD. Foi assim que a gente começou”, afirmou o empreendedor, que também é criador da festa Barulho, na Barra Funda. 

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A Locomotiva tem desde o início como mote trabalhar com lançamentos e, em especial, venda online, uma vez que Gilberto já tinha experiência com o Mercado Livre quando abriram a loja no site em 2012, em seguida criando um site próprio. “A gente teve desde o início uma estratégia de furar um pouco a bolha São Paulo e talvez atender o Brasil todo.” Estão presentes no Discogs, rede social voltada para colecionadores de discos de vinil ao redor do mundo, em que é possível cadastrar a própria loja e vender na plataforma de e-commerce da rede. “Já estamos no Discogs há 10 anos e a nossa loja tem milhares de avaliações positivas”, disse. Além disso, estão presentes também na Shopee. Segundo Márcio, 70% do faturamento é oriundo das vendas no e-commerce.

Márcio Custódio, dono da Locomotiva Discos
(Andre Lessa / Agencia DC NEWS)

IMPORTAÇÃO – De todos os discos e CDs disponíveis hoje na Locomotiva Discos, cerca de 30% são importados – mas já foi mais. Por ora, a maior parte dos itens são de gravadoras nacionais, mas também é possível garimpar raridades por lá, como discos dos Beatles e Led Zeppelin originais da ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Sem garantia de vendas, Custódio sente dificuldade de abastecer demais as gôndolas com itens importados. “Consigo segurar o preço por no máximo dois meses, porque é realmente muito caro”, disse. O fornecedor estadunidense, inclusive, não é o mais maleável: só aceitam à vista. “Às vezes, vem um lote de importação, o pedido chega, retiramos com a empresa, que faz os trâmites burocráticos e pagamos R$ 40 mil à vista”. Não há espaço para arriscar.

O equilíbrio entre oferta e demanda, inclusive, interferiu na venda do disco mais procurado no ano passado pelos clientes da Locomotiva: o BRAT, da cantora pop britânica Charli XCX, lançado em junho de 2024. O “fenômeno”, como Márcio descreve, foi global, e chegou até a corrida presidencial dos Estados Unidos, em que a então candidata Kamala Harris adotou o verde abrasivo da capa do álbum e fonte arial desfocada em sua própria campanha. O mesmo verde pautou desfiles de moda. No final de 2024, o Dicionário Collins elegeu “brat” (pirralho, em português) como palavra do ano. O disco chegou à Locomotiva quatro meses depois do lançamento, em outubro, originalmente por R$ 350. “Foi o vinil que a gente mais vendeu no ano passado. E o CD também”, disse.

Para dar mais dinamismo a esse mercado, Márcio também organiza a Feira do Disco de Vinil & CDs, que acontece mensalmente. Nos eventos ele também afirma ter notado certo desânimo dos consumidores devido à alta dos preços. “Quando abrimos a loja, um álbum do Fugazi [banda punk] custava R$ 70. Hoje não sai por menos de R$ 200”. Apesar disso, há algo inabalável que sustenta o negócio: a paixão pela música em seus mais diferentes formatos. “Obviamente sou um colecionador de vinil e de CD, mas antes disso eu sou um amante da música.” E isso, inclusive, é o que norteia o pensamento de colegas de profissão, segundo Márcio. “É aquela coisa. Você tem que amar.”

VINIL
Feira do disco, ocorre todo mês na cidade de São Paulo.
(Andre Lessa / Agência DC News)

MERCADO – Ainda que os negócios na Locomotiva estejam mais devagar, a indústria fonográfica como um todo brasileira tem caminhado bem. Segundo o relatório Mercado Brasileiro de Música 2024, produzido pela Pró-Música Brasil Produtores Fonográficos Associados, divulgado em março deste ano, o streaming agora corresponde a 87,6% da receita total do mercado nacional, estando em seu oitavo ano de crescimento consecutivo. No todo, o setor movimentou R$ 3,48 bilhões em 2024, 21,7% mais que um ano antes. 

As vendas físicas de CDs e vinis representam 0,6% do market share, movimentando R$ 21 milhões em 2024, 31,5% mais que um ano antes e o maior patamar desde 2017. De acordo com a pesquisa, o vinil se consolidou como o formato físico mais comercializado no país, tendo faturado R$16 milhões, registrando assim alta de 45,6%. Trata-se de uma tendência global: as vendas dos tradicionais bolachões cresceram 4,6% no mundo pelo 18º ano consecutivo, conforme dados do IFPI Global Music Report. É uma informação importante, uma vez que, por mais que as vendas físicas tenham perdido espaço a partir do final dos anos 2000 com a popularização dos downloads e streamings, a comercialização de vinis hoje é maior (+4,6%) que a de CDs (-6,1%) na análise mundial.

Outra análise interessante sobre o comportamento do brasileiro no consumo de música é que, a depender do meio, o consumo pode ser mais de artistas nacionais. Segundo Paulo Rosa, presidente do Pró-Música Brasil Produtores Fonográficos Associados, é o caso do streaming. “Das mil gravações mais acessadas no streaming musical brasileiro, nada menos que 76% é de música brasileira”, disse. O faturamento proveniente das assinaturas em serviços como Spotify, Deezer, Apple Music, YouTube Music, Napster e Amazon Music chegou a R$ 2,077 bilhões, crescimento de 26,9% em relação a 2023. Já o streaming suportado por publicidade (ad-supported), modelo adotado por algumas plataformas que oferecem serviço de forma gratuita ao consumidor, gerou R$ 479 milhões, com crescimento de 8,3%.

Para Rosa, a consolidação do Brasil como o nono maior mercado de música do mundo se estende também para os clientes de vinil, e os movimentos de maior dificuldade dos vendedores, em especial pelo dólar e impostos, será superado. “O setor  seguiu crescendo em 2024, apesar de um quarto trimestre turbulento, com a disparada do dólar e pressão inflacionária.” E isso é música para os ouvidos dos empreendedores do ramo. 

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