[AGÊNCIA DC NEWS]. Mesmo com a manutenção da Selic a 15% desde julho, incertezas globais como o tarifaço de Donald Trump e mudanças previstas com a Reforma Tributária, o varejo brasileiro se mostra resiliente. É o que diz a Forvis Mazars, consultoria global franco-americana que atua no Brasil olhando para diversos segmentos, sendo um deles o varejo. Em seu relatório Varejo em Perspectiva, divulgado em agosto deste ano, a empresa afirmou que, ainda que resistente, o segmento tem sete desafios para enfrentar até o fim deste ano, sendo eles, elencados em ordem de importância: o custo do crédito; a eficiência operacional; as perdas de estoque; a Reforma Tributária; a transformação digital; a proteção de dados e a cibersegurança; e por fim, o ESG e a reputação das empresas. Ainda assim, “poucos setores demonstram tanta capacidade de adaptação quanto o varejo brasileiro”, afirmou Tiago Bezerra, sócio líder de Varejo da Forvis Mazars no Brasil. “O setor segue ativo, testando formatos, buscando eficiência e ampliando sua presença.”
O primeiro desafio é o crédito. A Selic iniciou sua trajetória de alta em outubro de 2024, quando subiu para 10,75% até chegar aos atuais 15%, desde julho. A tendência, segundo o último relatório Focus, do Banco Central, é de início de queda da taxa de juros somente no próximo ano. Para a Forvis Mazars, o alto custo de capital gera um cenário de crédito mais restrito e, perante a isso, os varejistas devem organizar sua estrutura financeira é o primeiro passo para acessar capital de maneira competitiva. “É um desafio para esse segmento, que já trabalha com margens baixas e precisa do capital de terceiros para expansões”, afirmou Bezerra. Mas o desafio, segundo ele, é menor para quem faz a lição de casa. “Para aquela empresa que é organizada, tem números claros e vem performando bem, o acesso a crédito existe.”
E parte de fazer a lição de casa é também olhar para os resultados, representando o segundo desafio: a redução de custos e a eficiência operacional. “A lucratividade das varejistas é muito baixa. Por isso, a atenção com as despesas é crucial para o sucesso delas”, disse. O executivo afirma que a margem de lucro dessas empresas corresponde, em geral, de 1% a 2% de suas receitas, enquanto têm diversos gastos de custos de mercadoria vendida, folha de pagamento, aluguel, estrutura das lojas e marketing. O problema real está na pulverização das operações. Com diversas unidades incorrendo em despesas, mesmo que sejam pequenas individualmente, somadas elas se tornam significativas. “A eficiência real se concentra em gerenciar essa estrutura de despesas e não apenas em cortes lineares.” Para enfrentar os desafios de eficiência, a consultoria sugere o cruzamento e a análise de dados, além do redesenho de processos e uma visão clara de estratégia.
Como parte da eficiência, mas também elencado como um desafio a parte, são as perdas de estoque. Elas são vilãs ocultas das margens, representadas por furtos internos, externos, avarias, erros operacionais e falhas nos processos de inventário – e juntos formam um dos principais focos de perdas no varejo. Segundo a Associação Brasileira de Prevenção de Perdas (Abrape), o índice médio de perdas no varejo foi de 1,5%, representando, em 2024, R$ 36,5 bilhões de reais. Sobre o tema, Bezerra afirmou que as perdas são um problema difícil de identificar rapidamente e exigem investimento em tecnologia, processos e pessoas, mas que, se realizado com efetividade, pode dobrar o lucro das varejistas. Para resolver o impasse, apesar de exigir investimentos, a melhor estratégia é simples: envolve primeiro entender as causas em cada negócio, segmento, praça e local, e depois criar processos e medidas para mitigá-las. O investimento, no entanto, varia. Pode exigir tecnologias caras como câmeras com IA, RFID e sensores inteligentes. Junto as auditorias e o monitoramento contínuo, podem transformar as perdas em vantagem competitiva.
Os esforços com eficiência e estoque podem contribuir inclusive com um dos maiores desafios para os varejistas no futuro próximo, que começa no próximo ano, a Reforma Tributária. A implementação do IVA, que une os impostos IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS, e os tranforma em CBS e IBS, traz um novo modelo que, apesar de simplificar o anterior, “exigirá uma adaptação profunda, que vai além da esfera fiscal”, afirmou o relatório. Na prática, o o novo marco fiscal impactará sistemas, precificação, políticas comerciais e até o desenho das cadeias logísticas, já que o imposto deixa de acontecer no consumo e passa a ser aplicado em toda a cadeia produtiva. E isso é um ponto que merece atenção do varejista. Atualmente o varejo arrecada os impostos, em especial o ICMS, que apesar de ser direcionado à Receita Federal dentro do exercício fiscal, passa pelo caixa da empresa. Com as mudanças, o imposto deixa de ser cumulativo e passa ser pago por etapa da produção e não apenas na ponta – como acontece atualmente. Na prática, isso significa que o volume que o comério recebia de impostos para honrar mensalmente deixerá de fazer parte da estrutura financeira da empresa o que, segundo o estudo, pode reduzir a folga de caixa das varejistas. “Ter liquidez será crucial para enfrentar esse modelo.”
TRANSFORMAÇÃO – Para lidar com problemas tão complexos, as promessas tecnológicas parecem atrativas, mas, segundo a Forvis Mazars, pode ser mais um dos desafios. O termo transformação digital é utilizado desde 1990, segundo o Cesar, maior centro de inovação e conhecimento do Brasil. Nasceu na era do lançamento da primeira página da web e, desde lá, registrou diversas mudanças em seu significado, conforme novas tecnologias surgiam e desapareciam. Para Bezerra, atualmente, a transformação digital no varejo busca a personalização do cliente, com descontos e promoções específicas para cada indivíduo, baseada em dados e tecnologia. O desafio está na estratégia de adoção. “É uma tecnologia cara. Por isso, é preciso analisar o custo e o retorno esperado.” Segundo ele, para pequenos e médios varejistas, o ideal é acompanhar as tendências e adotar tecnologias quando o custo se tornar acessível e o retorno justificável. “Investir em transformação digital requer planejamento e governança para evitar gastos desnecessários”, disse.
Conforme as tecnologias de personalização e marketing crescem, o montante de dados gerenciado pelas varejistas aumenta, tornando-as expostas a riscos de cibersegurança. O sexto desafio para o segmento é a proteção de dados. A consultoria afirma no relatório que a vulnerabilidade não está só na tecnologia, mas na falta de processos, treinamentos, auditorias e respostas rápidas. Bezerra disse que, apesar de ser um desafio, as tecnologias para garantir a cibersegurança e o cumprimento da LGPD estão se popularizando, reduzindo custos e aumentando o acesso para todos os empresários. A governança de dados, revisões contratuais com fornecedores e um plano de contingência bem estruturado são as ferramentas estratégias para o enfrentamento dessas novas exigências. “Significam eficiência e ganho de confiança e não só uma exigência”, afirmou o relatório.
E parte dessa governança abrange o último dos desafios elencados pela Forvis Mazars, o ESG e a reputação das empresas. O desafio, segundo a consultoria, é como transformar o tema em vantagem competitiva. “Mesmo em um cenário de maior exposição sobre o tema, o mercado sobra resultados concretos”, afirmou o relatório. Especialmente para setores expostos ao consumidor, ao crédito e a investidores institucionais, como o varejo, é importante que “as empresas não adotem discursos, mas sustentem compromissos reais.” Para isso, devem estruturar processos, indicadores e controles que sustentem esses compromissos, assim, o ESG deixa de ser um risco e passa a ser uma ferramenta de gestão. “Há ainda uma curva de aprendizado sobre a mensuração de ESG”, disse Bezerra.