SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Gigantes da tecnologia como Google, Microsoft e Meta fazem de tudo para aumentar a dependência de governos e consumidores de seus produtos, diz o professor de antropologia da Universidade de Leiden, na Holanda, Rodrigo Ochigame, 33.
Sul-mato-grossense formado em ciência da computação, Ochigame foi aos EUA estudar em dois centros de excelência -Universidade da Califórnia em Berkeley e MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts)– como as empresas de computação adaptam o seu discurso para obter vantagens.
Ele ganhou projeção na esfera pública como crítico do Vale do Silício com artigo veiculado no site jornalístico americano The Intercept, no qual descreveu como um pesquisador de IA ética do MIT recebeu recursos de fundos de investimento para fazer campanha contra a regulação da tecnologia.
Seu livro “Informática do oprimido”, escrito em 2020 e traduzido para o português neste ano, mostra como serviços das big techs são subsidiados por práticas anticompetitivas, como a inclusão de WhatsApp gratuito em planos de internet, e contratos com o governo, a exemplo da presença do Google nas niversidades por meio de serviços de nuvem. Ao mesmo tempo, projetos locais e colaborativos ficam descobertos de políticas públicas.
“A franquia zero dá uma vantagem competitiva para as plataformas da Meta muito grande e extremamente injusta, criando a dependência dessa empresa em um número enorme de usuários”, exemplifica o pesquisador.
“O Brasil não só deveria proibir a franquia zero das big techs, mas usá-la ao contrário: deveria haver subsídio para as pessoas que não têm créditos no celular poderem usar as alternativas não extrativistas, como o Signal [um aplicativo de mensagens livre de publicidade e sem fins lucrativos]”, acrescenta.
O mesmo, afirma ele, vale para os serviços de computação em nuvem, em que há alternativas de código aberto, como o NextCloud. “Funciona perfeitamente, nós usamos na Universidade de Leiden, mas não é gratuito, existe um custo transparente -Para Ochigame, é preciso superar a estratégia dos lobistas de que só as grandes empresas de tecnologia são capazes de entregar tecnologia de ponta. “Qual é a vantagem de viver em uma realidade virtual de alta resolução, usando dispositivos de última geração, se o conteúdo de propaganda patrocinada gerada por inteligência artificial e otimizada para manipulação tecnológica?”
Para isso, diz o pesquisador, é preciso buscar as teses e relatos que “não vão aparecer facilmente no feed de notícias das redes sociais”. Até a história oficial do Vale do Silício, acrescenta ele, reforça o protagonismo de “invenções engenhosas de gênios” como Larry Page (Google), Mark Zuckerberg e Bill Gates.
“No caso do Google, há um apagamento em, ao menos, dois níveis: do trabalho coletivo do campo de ciência da informação e do campo de trabalho mais feminizado das bibliotecárias que deu origem à ciência da informação moderna”, exemplificou o pesquisador.
Foi quando estava no MIT, em 2019, por exemplo, que Ochigame conheceu uma bibliotecária aposentada, Theresa Tobin, que o apresentou ao trabalho da pesquisadora cubana María Teresa Freyre de Andrade, fundamental para a pesquisa em ciência da informação. “O Google Scholar não indexa nenhum dos principais livros de María, embora a enciclopédia cubana online EcuRed traga um extenso artigo sobre ela”, diz.
O sistema digital de bibliotecas cubanas dos anos 1980, aliás, é citado no livro como visionário. “Uma qualidade peculiar da ciência da informação que se desenvolveu em Cuba é que os cientistas da informação cubanos reconheciam que as métricas e os algoritmos que usavam para priorizar algumas informações sobre as outras nunca poderiam ser neutros”, afirma Ochigame.
No cenário atual, diz o pesquisador, os EUA devem se opor à construção de infraestruturas digitais democráticas porque o governo de Donald Trump está capturado pelas grandes corporações. “A China tampouco apoiará esses projetos, já que contradizem o seu regime de vigilância e censura.”
O próprio Brasil, afirma o professor, já foi um exemplo na busca por alternativas às tecnologias chinesas e americanas. “O primeiro governo Lula teve grande coragem e audácia em apoiar o software livre, o que tornou o Brasil, no passado, uma certa liderança no âmbito internacional.”
Essa política pública, porém, perdeu força desde 2010 e, hoje, o governo brasileiro também tem selado contratos bilionários com big techs para instalar servidores estrangeiros em empresas públicas como DataPrev e Serpro. “Neste momento, o governo federal se tornou cúmplice dos gigantes da tecnologia por fazer um discurso de soberania digital que foi cooptado por lobistas,” afirma Ochigame.
Para o pesquisador, o país precisa propor alternativas públicas gratuitas. “No Brasil, já existem alguns laboratórios com supercomputadores para fins de pesquisa para os quais pesquisadores de universidades podem enviar propostas de uso e poder usar parte dessa capacidade computacional por algum tempo, e esse modelo é possível de estender para serviços de uso geral, como email e nuvem.”
“É claro que é um investimento que precisa ser feito, mas não é de ordem astronômica”, afirma Ochigame. “Para o tipo de benefício que seria quebrar essa dependência e essa vulnerabilidade geopolítica enorme, até que é um custo bastante modesto.”