Trauma de sobreviventes continua dez anos após pior atentado terrorista da França

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PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Catherine Bertrand compara o trauma a uma “bola de ferro” presa a seu pé. “A bola é menor hoje. Mas compreendi com o tempo que ela estará sempre lá; só o tamanho é que muda.”

Vice-presidente da Associação Francesa de Vítimas do Terrorismo, ela conta que estava na casa de espetáculos Bataclan no dia 13 de novembro de 2015, quando 3 terroristas mataram 90 pessoas. Outras 40 morreram naquela noite, em uma série de ataques em Paris e Saint-Denis.

Reivindicado pelo Estado Islâmico, o atentado mais letal da história da França está sendo relembrado nesta semana com uma série de homenagens: a inauguração de um memorial, uma vigília na praça da República, uma corrida a pé e até uma série televisiva de ficção.

Bertrand contou à Folha que era frequentadora do Bataclan e foi assistir ao show do Eagles of Death Metal, uma banda de rock californiana. Naquela noite, ela trocou a pista pelo balcão superior, o que salvou sua vida.

“Ouvi estampidos que acreditei serem fogos de artifício. Os músicos largaram os instrumentos e fugiram. Em seguida, a luz se acendeu. Nesse momento, compreendi que algo estava acontecendo. Vi pessoas deitadas no chão, outras pulando por cima para escapar. Senti um cheiro de pólvora subindo ao meu nariz.”

Bertrand transformou a bola de ferro figurada em literal na história em quadrinhos “Crônicas de uma sobrevivente”. Na publicação de 2018, ela relata, com humor negro, a vida pós-trauma. “Como me sentia deslocada, como meus amigos, família e colegas de trabalho não entendiam por que eu não estava bem, tive que explicar por meio de desenhos.”

Na associação de vítimas da qual se tornou vice-presidente, ela ajuda sobreviventes e familiares dos mortos a lidarem com o estresse pós-traumático. Pelo menos três pessoas que escaparam aos atentados se suicidaram anos depois. “Às vezes tenho ondas de pesadelos. Há momentos em que não tenho nenhum durante meses. Agora está voltando. É bastante flutuante”, conta.

O ataque ao Bataclan é o mais lembrado daquela noite, mas apenas 1 de 3 ocorridos entre 21h e 1h da manhã. Os outros foram cometidos por três homens-bomba no entorno do Stade de France, onde jogavam França e Alemanha; e por mais três terroristas que saíram a bordo de um automóvel disparando rajadas de fuzil a esmo em bares lotados nos arredores do bulevar Voltaire, o mesmo onde fica o Bataclan.

A casa de shows voltou a funcionar um ano depois. Excepcionalmente, não terá espetáculo no dia 13.

A noite trágica começou aos 16 minutos do primeiro tempo de França x Alemanha. Um forte estrondo assustou os torcedores. Era o primeiro de três homem-bomba, todos do lado de fora. Além dos suicidas, morreu o português Manuel Dias, lembrado por uma placa na entrada do estádio.

O então presidente da França, François Hollande, estava na tribuna de honra. Foi retirado discretamente do local. Cinco minutos depois, outros três terroristas começaram a atirar na rua. “É o horror”, discursou o presidente, horas depois, em rede nacional.

Dos 10 terroristas que participaram diretamente da ação, 7 morreram naquela mesma noite e 2 foram mortos pela polícia dias depois. Apenas um, Salah Abdeslam, estava no banco dos réus no julgamento do caso, que terminou em 2022.

Neste sábado (8), a Promotoria dedicada ao antiterrorismo no país anunciou a detenção de três pessoas e afirmou investigar um suposto plano para um novo atentado terrorista. Uma das detidas seria companheira de Abdeslam.

Além dele, outros dez envolvidos foram condenados pelos ataques de 2015 a penas variando entre dois anos de prisão (para um falsificador de documentos) e prisão perpétua (para Abdeslam e um cúmplice).

O julgamento foi assistido por um dos escritores mais famosos da França, Emmanuel Carrère, que transformou suas anotações em um livro, “V13” (o V é de “vendredi”, sexta-feira), um dentre dezenas de obras literárias, filmes e documentários dedicados aos atentados.

Houve até um filme sobre uma impostora. Em dez anos, 15 pessoas foram condenadas pela Justiça por fingirem ter sido vítimas, de olho em uma indenização do governo, que poderia chegar a € 170 mil (R$ 1 milhão).

Um projeto de museu dedicado às vítimas do terrorismo até hoje não saiu do papel. A alegação oficial é falta de verba. “Esse museu é absolutamente necessário para sensibilizar as gerações mais jovens, porque na França a radicalização os afeta cada vez mais. Vai acontecer, mas ainda não sabemos quando. O presidente [Emmanuel Macron] está empenhado neste projeto”, diz Catherine Bertrand.

Por ora, a principal homenagem foi a criação de uma praça, batizada “Jardim do 13 de Novembro de 2015”, ao lado da Prefeitura de Paris, com pedras de granito gravadas com os nomes das vítimas.

Desde 2015, o medo de novos ataques tornou a França um país paranoico em relação à segurança antiterrorismo. Para a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos do ano passado, boa parte do centro de Paris foi totalmente fechada durante uma semana.

Bertrand diz sentir menos medo de atentados, mas sabe que o risco ainda existe: “Há menos riscos de atentados em massa. Por outro lado, sempre há pessoas radicalizadas que agem sozinhas. Vemos ataques com facas e também ataques contra professores.”

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