SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A população do Equador vai às urnas neste domingo (16) para votar em um plebiscito que pode liberar a presença de bases militares estrangeiras no país e determinar a convocação de uma nova Constituinte –temas-chave na nação que vive uma onda de violência sem precedentes e uma deriva autoritária.
Antes um oásis de paz na América do Sul, o Equador caminha para registrar o ano mais violento de sua história recente no momento em que os Estados Unidos pressionam a região pelo combate ao narcotráfico –inclusive atacando barcos no mar do Caribe e no oceano Pacífico sob a acusação de que os veículos carregam drogas.
Além da Constituinte e das bases estrangeiras, estão na pauta do plebiscito o fim da obrigatoriedade de financiamento público de partidos e a redução do número de representantes na Assembleia Nacional. Com base nas pesquisas divulgadas nas últimas semanas, o presidente Daniel Noboa pode esperar otimista pelos resultados.
De acordo com um levantamento divulgado no dia 6 de novembro pelo instituto Cedatos, 59,1% dos equatorianos concordam com a convocação do plebiscito, ante 35,9% que discordam e 5,3% que não sabem responder. A pesquisa tem margem de erro de 2,1 pontos percentuais.
Em relação às propostas, a mais popular é a da redução do número de legisladores, que tinha 77,2% dos votos válidos no começo de novembro, segundo estimativa do mesmo levantamento. Todas, no entanto, têm o apoio da maioria da população –a menos popular é a que versa sobre a liberação de bases militares estrangeiras, que marcou 61% dos votos válidos.
Além de ter um óbvio impacto prático, a vitória de Noboa carregaria uma alta carga simbólica.
Bases estrangeiras foram proibidas no Equador pela Constituição de 2008, um dos legados do governo do esquerdista Rafael Correa (2007-2017). Um ano antes da aprovação da atual Carta Magna, o presidente se recusara a renovar um acordo que permitia a Washington usar a base da Força Aérea no porto de Manta para atividades contra o narcotráfico.
Convocar uma Constituinte, portanto, seria enterrar um dos símbolos do que ficou conhecido como Revolução Cidadã, projeto político de um dos mais proeminentes líderes da onda rosa latino-americana. A Constituição de 2008 foi a primeira no mundo a reconhecer os direitos da natureza, o que fez figuras como o ator e ativista ambiental Leonardo DiCaprio usar suas redes sociais para defender o documento nos últimos dias.
As chances de uma nova Assembleia Constituinte ser dominada por aliados de Noboa são grandes –segundo a pesquisa do Cedatos, 56,1% dos equatorianos aprovam a gestão do líder de direita.
Tamanha mudança pode ser explicada por muitos fatores, mas um dos mais citados é a violência.
Em 2008, o Equador figurava entre os países mais pacíficos da América Latina –exceção em uma região conflagrada pela violência de organizações criminosas. A situação começou a mudar em 2019 e, em 2023, o número de homicídios por 100 mil habitantes já estava em 46,2. Após uma leve queda em 2024, este ano caminha para ser o mais violento da história recente.
Até setembro, houve 6.797 mortes violentas no país, de acordo com dados do Ministério do Interior. Se a tendência se mantiver, espera-se que o Equador seja palco de 9.000 assassinatos até o final do ano, o que resultaria em uma taxa de 50 mortes a cada 100 mil habitantes –no Brasil, a mesma variável em 2024 foi de 18,2.
“Prefiro morrer a entregar meu país. Isso jamais acontecerá, mas a cooperação de outros países é necessária porque a criminalidade é transnacional”, afirmou Noboa na última terça-feira (11), respondendo às críticas de que a presença estrangeira é uma ameaça à soberania nacional. Ele disse ainda que conversou com o Brasil para ter uma base na Amazônia e com a Europol, a agência policial da Europa, para fazer uma base de inteligência em zonas mais complexas.
A violência deu ao presidente equatoriano um terreno fértil para replicar o que o Nayib Bukele fez em El Salvador –na prática, nada mais do que a antiga política linha dura de líderes latino-americanos levada ao extremo. Assim como o líder salvadorenho, Noboa também lançou mão de estados de exceção e inclusive foi mais longe, declarando um conflito armado interno contra as gangues em 2024.
Na última segunda-feira (10), o equatoriano inaugurou com estardalhaço uma prisão de segurança máxima, tal qual fez Bukele em 2023. Ato contínuo, suas redes sociais foram inundadas de fotos dos primeiros 300 presos chegando à chamada Cárcel del Encuentro.
“Bem-vindo à sua nova casa. Mais criminosos chegarão em breve”, afirmou ele ao compartilhar a foto do ex-vice-presidente Jorge Glas (2013-2017), que foi condenado por corrupção e diz ser um preso político. “Logo começa a choradeira”, comentou acima de uma imagem que mostra o que parecem ser mechas de cabelo de um detido espalhadas no chão.
Trata-se da mesma retórica que rendeu popularidade a Bukele e que, em certa medida, também é usada pelo presidente americano, Donald Trump. Os três se referem a traficantes de drogas como narcoterroristas.
No começo de novembro, a secretária de Segurança Interna do republicano, Kristi Noem, viajou ao Equador pela segunda vez no ano, demonstrando a força da aliança entre EUA e Equador –hoje um dos maiores parceiros de Washington na América Latina.
“Isso é real. Vamos atrás de todos aqueles que tiveram permissão para fazer o que quisessem desde 2008”, afirmou Noboa ao publicar uma foto ao lado da americana, que esteve em duas bases militares na mais recente visita.
O plebiscito dividiu a sociedade equatoriana entre os que afirmam que “quando dizemos sim, ganhamos todos” e os que pedem para “dizer não quatro vezes a Noboa”. Um dos pontos mais sensíveis para o segundo grupo é a Constituinte, que poderia ser uma carta em branco ao líder.
Até agora, o presidente foi pouco claro em relação às mudanças que defenderia em uma nova Constituição, dando munição aos opositores que temem mais restrições de direitos e limitação do Poder Judiciário.
Em agosto deste ano, após a Corte Constitucional decidir que parte de um pacote de leis relacionadas à segurança desrespeitava a Carta Magna, a ministra de Governo de Noboa, Zaida Rovira, declarou o tribunal um “inimigo do povo” em um pronunciamento televisionado.
O presidente, por sua vez, convocou uma manifestação em Quito. “Não permitiremos que a mudança seja paralisada por nove pessoas que nem sequer mostram seus rostos, que procuram esconder seus nomes e suas identidades de toda a sociedade”, afirmou no protesto.