SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Enquanto não resolvermos o racismo nas escolas, o Brasil vai precisar de ações afirmativas nas outras etapas. A avaliação da socióloga Márcia Lima, feita nesta segunda-feira (17) em evento da Fundação FHC, resumiu o diagnóstico dos especialistas presentes: a incapacidade da educação básica de oferecer um ambiente livre de discriminação é o principal motor da desigualdade racial no país e torna indispensáveis cotas e políticas de inclusão em outras áreas, especialmente no mercado de trabalho.
Segundo Márcia, estudos mostram que o racismo ocorre já na primeira infância entre 0 e 6 anos e pode vir tanto de crianças quanto de professores. O estereótipo do “mau aluno”, contou, recai especialmente sobre meninos negros, independentemente de desempenho.
“A gente tem dado de que as crianças negras que frequentam creches públicas começam a andar mais cedo do que as crianças brancas, porque ninguém pega no colo. Ninguém beija. Então, é esse o nível do que a escola reproduz hoje no Brasil”, afirmou a professora da USP (Universidade de São Paulo), que foi secretária de políticas de ações afirmativas e combate e superação do racismo do Ministério de Igualdade Racial até abril de 2025.
O encontro reuniu pesquisadores e lideranças sobre o tema para discutir resultados e desafios do país que possui o maior sistema de cotas raciais do mundo.
Entre os convidados, o professor e ativista Hélio Santos responsável por implementar na agenda nacional as políticas de equidade racial no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso disse que o programa Pé de Meia é “o mais importante hoje para a juventude negra no Brasil”.
A socióloga afirmou que, pouco antes de deixar o governo Lula, tentou alavancar o programa Juventude Negra Viva por meio do Pé de Meia. Sua proposta era criar um selo, sem mexer no orçamento, mas a ideia esbarrou na resistência de outros ministérios, que não quiseram dividir o crédito de um programa com tanto potencial.
“Não adianta criar o Ministério da Igualdade Racial se esse ministério não tem força política interna para chegar e falar: ‘esse programa aqui é fundamental para a juventude negra viva'”, afirmou Márcia.
Para os especialistas, as cotas ampliam não só o acesso ao ensino superior, mas também a expectativa educacional de jovens negros, que passam a enxergar o ensino médio como etapa e não como ponto final.
No mercado de trabalho, a CEO do Mover, Natalia Paiva, disse que o foco das ações afirmativas deve ser ampliar a presença de pessoas negras em posições decisórias.
Segundo ela, a coalizão criou 4.500 vagas de liderança em dois anos e 48% das promoções nas empresas participantes são de pessoas negras 45% delas no primeiro nível de gestão. O gargalo, disse, está nas faixas superiores de liderança e na falta de critérios claros sobre o que é uma empresa de pessoa negra, critério que facilitaria a contratação de fornecedores.
Santos afirmou que a desigualdade racial permanece profunda. “Para cada R$ 100 que um branco recebe, uma pessoa negra recebe R$ 59.”
“Negros e brancos no Brasil estarão no mesmo patamar de renda no ano de 2365”, afirmou.
Ele defendeu que o país aproveite talentos negros em todos os setores “como faz no futebol”. “O dia em que pudermos calcular por talento, não haverá essa questão racial”, disse.
Participaram ainda do debate a socióloga Andrea Lopes, o professor da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Luiz Augusto Campos e o deputado federal Orlando Silva.