Mercado de trabalho aquecido beneficia pretos e pardos, mas não elimina desigualdades

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RIO DE JANEIRO, RJ, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A recuperação do mercado de trabalho beneficiou pretos e pardos, mas não eliminou a desigualdade nas condições de emprego e renda no país, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

No terceiro trimestre de 2025, as taxas de desemprego de pretos (6,9%) e pardos (6,3%) atingiram os menores patamares da série histórica do instituto, iniciada em 2012. Mesmo assim, continuaram acima do índice de desocupação de brancos (4,4%), que também registrou a mínima da série.

As diferenças nas taxas foram de 2,5 pontos percentuais na comparação de pretos e brancos e de 1,9 ponto percentual entre pardos e brancos. No começo da série, no primeiro trimestre de 2012, as assimetrias eram maiores, de 3 pontos percentuais e de 2,5 pontos percentuais, respectivamente.

As informações integram a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua). Os dados mais recentes foram divulgados pelo IBGE na sexta-feira (14), uma semana antes do Dia da Consciência Negra, celebrado nesta quinta (20).

“No Brasil, o local do nascimento, a raça, o gênero, a classe social, isso tudo pesa muito nos resultados atingidos. É um problemão, porque você perde muito capital humano”, diz o economista Michael França, pesquisador do Insper e colunista da Folha de S.Paulo.

PRETOS E PARDOS GANHAM CERCA DE 40% MENOS

Outra forma de analisar o cenário é por meio da renda média. No terceiro trimestre deste ano, o rendimento habitual de todos os trabalhos dos pardos foi estimado pelo IBGE em R$ 2.717 por mês.

A quantia está bem próxima do recorde da série, registrado nos três meses anteriores (R$ 2.720). Ainda assim, ficou 39,9% abaixo da renda dos trabalhadores brancos (R$ 4.522), que renovaram a máxima da Pnad no terceiro trimestre.

Já o rendimento habitual dos pretos marcou R$ 2.586 no intervalo até setembro, em um nível próximo ao recorde do grupo, encontrado nos três meses anteriores (R$ 2.616). O valor mais recente (R$ 2.586) era 42,8% inferior ao dos brancos (R$ 4.522).

“O mercado de trabalho registrou avanços nos últimos anos e até mesmo a diminuição de algumas diferenças entre os grupos, mas há desigualdades raciais profundas, que se refletem aqui”, afirma o economista Bruno Imaizumi, da consultoria 4intelligence.

“O racismo ainda está enraizado em estruturas sociais, políticas e econômicas”, diz.

Um levantamento produzido por Bruno a partir de dados da Pnad Contínua indica que, no terceiro trimestre, o percentual de trabalhadores que recebiam até um salário mínimo (R$ 1.518) era de 40,4% da população ocupada entre os pretos e de 40,8% entre os pardos. É quase o dobro do patamar registrado entre os brancos (23,2%).

Quando a análise considera a proporção dos ocupados com ganhos mais elevados, acima de dois salários mínimos, o quadro se inverte. O percentual é de 38,5% entre os brancos, quase o dobro dos níveis encontrados entre pretos (19,4%) e pardos (20,8%).

INFORMALIDADE TAMBÉM MOSTRA DISCREPÂNCIAS

Segundo Bruno, parte da explicação para as diferenças é a forma de inserção no mercado de trabalho. Ele destaca, por exemplo, que os pretos e os pardos seguem com taxas de informalidade maiores do que os brancos.

No terceiro trimestre, os percentuais de trabalhadores informais foram de 42,6% entre os pardos e de 40,7% entre os pretos, conforme o IBGE.

Os indicadores ficaram 10,5 pontos percentuais e 8,6 pontos percentuais acima do registrado entre os brancos (32,1%).

Ao longo de sua trajetória profissional, Helena Maria Batista, 72, desenvolveu trabalhos especializados em cabelo afro e chegou a ter um salão formalizado com seis funcionários em São Paulo.

A pandemia de Covid-19, contudo, interrompeu o negócio. Com a queda na frequência de clientes e o acúmulo de dívidas, o empreendimento formal foi fechado.

Hoje a trabalhadora ainda atende clientes antigos, mas de maneira informal. “Não tem como eu ter uma firma aberta. O que se ganha não dá para pagar todas as despesas”, diz.

A alta taxa de informalidade da população negra tem origem em barreiras históricas, dizem analistas.

A ausência de políticas de inclusão após a abolição da escravidão forçou a criação de uma economia paralela e afastou negros do mercado formal, segundo a escritora Talita Matos, especialista em relações étnico-raciais.

De acordo com ela, a renda do profissional negro frequentemente sustenta responsabilidades financeiras amplas. “O dinheiro rende diferente”, afirma, citando gastos com familiares.

Esse cenário, diz, representa um esforço para “tapar um buraco histórico que é impossível de tapar”, o que compromete a construção de patrimônio mesmo com a conquista de salários mais altos.

Para Michael França, do Insper, o combate às desigualdades raciais exige uma “reforma brutal” do Estado brasileiro.

“O Estado brasileiro, como está desenhado hoje, ajuda na perpetuação da desigualdade, tanto na forma como arrecada quanto na forma como gasta muitas vezes.”

Ele afirma, por exemplo, que escolas públicas localizadas em periferias lidam com mais dificuldades do que instituições de áreas com renda maior, o que afeta o ensino e o desenvolvimento dos jovens das áreas mais pobres.

Esses locais também sentem a falta de investimentos em áreas básicas como saneamento, aponta o pesquisador. “Para os mais pobres conseguirem avançar, teria de ter um Estado que investisse mais nas regiões periféricas”, diz.

Michael chama a atenção para o atual sistema tributário, que é regressivo –característica dos modelos que arrecadam proporcionalmente mais de quem ganha menos.

“Os pobres e a classe média acabam fazendo um esforço muito maior do que os mais ricos”.

Em dezembro de 2023, o Congresso Nacional aprovou a emenda constitucional da reforma tributária, pauta defendida pelo governo Lula (PT), depois de décadas de tentativas frustradas para mudar as regras de tributação do consumo. O período previsto para a regulamentação das mudanças vai até 2033.

Além disso, o Senado aprovou neste mês a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000. O projeto aguarda a sanção de Lula.

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