SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, disse nesta quinta-feira (20) que aceita negociar o plano de paz com termos pró-Rússia acertados entre emissários de Vladimir Putin e do governo de Donald Trump.
“Nossos times, Ucrânia e EUA, vão trabalhar nos pontos do plano para acabar com a guerra”, disse o presidente após receber uma delegação do Exército americano em Kiev.
O ucraniano está pressionado por Trump, que retomou a visão favorável às demandas da Rússia; por avanços russos no campo de batalha; e por uma posição política precária em casa, devido a um grande escândalo de corrupção no setor de energia de seu governo.
Sua esperança era o apoio de aliados europeus da Ucrânia, que mais cedo nesta quinta tinham rejeitado o arranjo de Trump para encerrar o conflito iniciado com a invasão russa em fevereiro de 2022.
Os termos do acordo, vazado para diversos meios de comunicação ocidentais como forma de testar sua viabilidade na véspera, foram combinados diretamente entre o enviado americano para a guerra Steve Witkoff e o negociador russo Kirill Dmitriev.
“Os ucranianos querem paz, mas paz não pode ser uma capitulação”, disse o chanceler francês, Jean-Noel Barrot. Seu homólogo polonês, Radoslaw Sikorski, afirmou que não pode haver punição à Ucrânia porque ela é a vítima no conflito.
Já a chefe da diplomacia da União Europeia, a estoniana Kaja Kallas, evitou criticar os termos ventilados e exigiu que quaisquer negociações incluam os ucranianos e a liderança do bloco continental que os apoia.
O governo da Alemanha foi na mesma linha, e o chanceler Johan Wadephul ligou para Witkoff. Segundo o diplomata, o americano concordou que a Europa tem papel importante nas futuras negociações, um eufemismo acerca da confecção do plano.
Pelo que se sabe da proposta de 28 pontos, transmitida oralmente por Witkoff ao ex-ministro da Defesa ucraniano Rustem Umerov segundo os relatos, ela prevê a concessão dos 15% restantes da região do Donbass (leste), ainda sob controle de Kiev, para Vladimir Putin, além do congelamento das linhas de batalha.
Isso somaria mais de 20% do território da Ucrânia para russos, que fracassaram em conquistar o país ou derrubar o governo de Zelenski em sua invasão inicial, mas hoje estão em posição vantajosa no campo de batalha, pressionando as forças de Kiev em pelo menos três direções principais Donetsk, Kharkiv (norte) e Zaporíjia (sul).
O plano também diz que as Forças Armadas ucranianas têm de ser reduzidas à metade e desprovidas de armas ofensivas. A ajuda americana, a maior até aqui, mas que Trump cessou em troca de um esquema no qual vende armas para membros europeus da aliança Otan darem a Kiev, também acabaria.
Outros itens estão surgindo em vazamentos pontuais, quase todos péssimos para Zelenski, e lembram a lista de exigências feitas por Putin em junho. Nesta quinta, o jornal Wall Street Journal publicou que o arranjo aceita o veto russo à entrada da Ucrânia na Otan e à presença de uma força multinacional de paz para garantir que não haja nova invasão.
O único ponto relativamente positivo para Kiev é a previsão de uma compensação financeira, chamada jocosamente pela mídia ucraniana de aluguel, devido à perda territorial. Mas valores ou prazos não são mencionados.
Todos os termos são deliberadamente vagos, parecendo fazer parte de uma estratégia para testar sua viabilidade, o popular balão de ensaio. Mas a pressão por sua aceitação é real, como o encontro de Zelenski com o secretário do Exército dos EUA, Dan Driscoll, e o chefe do Estado-Maior da Força, Randy George, prova.
Trump não comentou o caso, mas a Casa Branca disse nesta quinta ter informado Kiev sobre os termos do acordo na semana passada. O secretário de Estado, Marco Rubio, que segundo a rede NBC participou da elaboração do plano com o genro presidencial, Jared Kushner, escreveu no X que “acabar com uma guerra complexa e mortífera como a da Ucrânia requer uma troca extensa de ideias sérias e realistas”.
Para ele, “alcançar uma paz duradoura requer que os dois lados concordem com concessões difíceis, mas necessárias”.
O Kremlin, por sua vez, manteve a discrição, fingindo nada ter com o assunto. O porta-voz Dmitri Peskov afirmou que a posição russa não foi alterada desde o encontro entre Putin e Trump no Alasca, em agosto.
Segundo uma pessoa próxima do governo disse à Folha de S.Paulo na manhã desta quinta, os russos gostaram do acerto proposto pelos EUA, que vinham pressionando Moscou com a adoção de sanções sobre suas maiores petroleiras. Mas a ideia é manter a fleuma, pois há suspeitas se Trump irá forçar todos os termos.
Para Zelenski, a volta da Casa Branca ao padrão russófilo ocorre no pior momento possível. O escândalo milionário de desvio no setor de energia do país já derrubou dois ministros e colocou na berlinda seu principal assessor, o chefe de gabinete Andrii Iermak.
Além disso, há a situação militar. Nesta quinta, os russos anunciaram a conquista da importante cidade de Kupiansk, que dá acesso à capital homônima de Kharkiv. O local é o maior que havia sido conquistado, e depois retomado por Kiev, na região. Os ucranianos não comentaram a perda.
Ainda continua alto o risco de derrotas graves em Pokrovsk, estratégico centro logístico em Donetsk, e em uma frente antes pacata em Zaporíjia.
A violência da guerra aérea também tem aumentado. Nesta quinta, Zelenski anunciou que ainda há 22 desaparecidos no prédio atingido por um míssil na véspera em Ternopil (oeste), no qual 26 pessoas já foram achadas mortas. Há 93 feridos, num dos piores ataques contra um único local neste ano.