Trump mutila Ucrânia em troca da paz entre Putin e Otan

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os termos do plano de paz negociado por americanos e russos para pôr fim à Guerra da Ucrânia preveem a mutilação do país invadido pelo presidente Vladimir Putin em 2022 em troca de uma paz mais ampla, pactuada entre a Rússia e a aliança militar Otan.

É o que mostra a íntegra dos 28 pontos acertados entre os enviados de Donald Trump e do Kremlin, que só depois foram apresentados para o governo de Volodimir Zelenski. Nem a Ucrânia nem seus aliados europeus foram consultados, e estes agora buscam entrar na discussão em um momento de fraqueza de Kiev, acossada no campo de batalha e por um escândalo de corrupção.

O texto repassa quase todos os itens da lista de demandas que Putin entregou por escrito numa tentativa de negociação com Kiev em junho, com mediação dos Estados Unidos. De forma geral, são amplamente favoráveis ao Kremlin, ainda que obrigue os russos a algumas concessões financeiras.

Apesar de ter fracassado em vencer a guerra no seu começo e pagado um preço humano e material imenso por sua agressão, Putin poderá cantar vitória para seu público doméstico se o acordo for aprovado como está.

O texto vai além da capitulação da Ucrânia e tenta resolver as pendências entre Moscou e Ocidente desde o fim da Guerra Fria, quando a União Soviética foi dissolvida em 1991. Os russos se comprometerão a não invadir os vizinhos, e a Otan, a não mais se expandir.

Isso é uma vitória diplomática enorme para Putin, que sempre denunciou a absorção de antigos países comunistas e soviéticos pela aliança militar. “Haverá um acordo de não-agressão total, completo e abrangente entre a Rússia, a Ucrânia e a Europa. Todas as ambiguidades dos últimos 30 anos serão consideradas resolvidas”, diz um ponto.

A Otan se comprometerá a não aceitar nunca a Ucrânia como membro, ficando o clube com os 32 integrantes atuais. Já o ingresso de Kiev na União Europeia será permitido, restando saber quando.

Subjacente a tudo isso há os interesses econômicos. As sanções que debilitam a economia russa serão levantadas, e o país será reintegrado ao sistema econômico mundial. O G7, grupo de países avançados, convidará Moscou e voltará a ser G8, como foi de 1997 até a expulsão dos russos pela anexação da Crimeia, em 2014.

Como patrocinadores de um Conselho da Paz, a ser liderado por Trump, os EUA serão beneficiados em vários pontos. Farão uma acordo de cooperação econômica com a Rússia e serão parceiros prioritários na reconstrução da Ucrânia, único ponto em que Moscou terá de ceder mais, segundo o plano.

O país perderá um terço dos US$ 300 bilhões que tem congelados em ativos no exterior, a maior parte em uma instituição na Bélgica, e essa quantia será aplicada no país que invadiu. A Europa contribuirá para esse fundo com outros US$ 100 bilhões, e 50% dos lucros do empreendimento ficarão com Washington.

A maior usina nuclear da Europa, em Zaporíjia, que está em mãos russas desde o começo da guerra, será administrada pela Agência Internacional de Energia Atômica. Sua produção será dividida igualmente entre Moscou e Kiev. O rio Dnieper, o principal da Ucrânia, e o mar Negro serão livres de obstruções militares.

Como já havia sido ventilado, o texto prevê a entrega dos 15% restantes da região de Donetsk (leste) que Kiev ainda controla para Moscou, além do reconhecimento internacional daquela província e da vizinha Lugansk, já sob jugo de Putin, como russas —o mesmo ocorrerá com a Crimeia, península anexada sem combate em 2014.

Esta porção a ser desocupada será uma área desmilitarizada. Segundo o texto, nas outras duas áreas anexadas ilegalmente pela Rússia em 2022, as meridionais Kherson e Zaporíjia, Putin fica com o que já conquistou, cerca de 75% de cada uma.

O texto, contudo, é contraditório ao pedir o reconhecimento internacional aos territórios e dizer que eles serão “de facto” russos, ou seja, na prática, sem uma vinculação legal. Isso pode deixar em aberto discussões futuras, na teoria. Já as áreas tomadas em outras regiões, como Dnipropetrovsk e Kharkiv, serão desocupadas pelos russos.

A soberania ucraniana é tutelada pelo texto, ainda que diga que ela “será reconfirmada”. O país terá suas Forças Armadas limitadas a 600 mil homens, menos que os quase 1 milhão atuais, mas bem acima dos 200 mil do período anterior à invasão de 2022.

Kiev será punida se atacar Moscou ou São Petersburgo com mísseis, uma forma meio torta de dizer que o país não pode ter tais armas ofensivas. O país também se comprometerá a nunca ter armas nucleares —as que herdou da União Soviética foram dadas à Rússia, dona do maior arsenal do mundo, em troca da promessa de respeito às fronteiras, em 1994.

Da mesma forma, um dos itens diz que caças europeus ficarão posicionados na Polônia, o que sugere, sem dizer, um veto ao reequipamento da Força Aérea de Kiev, hoje com aviões soviéticos, além de modelos ocidentais F-16 e Mirage doados. As compras anunciadas de novos caças suecos e franceses ficam incertas.

Os EUA serão os fornecedores de garantias de segurança robustas a Kiev contra novas agressões, mas o texto não diz como isso será feito, exceto por uma menção críptica a uma “força-tarefa de segurança conjunta EUA-Rússia” —sugerindo um improvável mecanismo em que os russos policiam a si mesmos.

O texto também fala que violações do pacto serão punidas com volta de sanções e “ações militares coordenadas”, mas sem detalhes. Nenhum soldado da Otan poderá ficar baseado na Ucrânia, como queriam Kiev e alguns de seus aliados, como Reino Unido e França.

Como os russos já haviam pedido, por considerarem Zelenski ilegítimo dado que seu mandato expirou em maio de 2024 e não houve eleições devido à lei marcial, a Ucrânia fará um novo pleito presidencial em cem dias.

Putin tem vitórias ideológicas também: o texto prevê tolerância religiosa na Ucrânia, que tornou ilegal a Igreja Ortodoxa Russa, e a eliminação de preconceito educacional. Também proíbe atividade nazista, uma bandeira do presidente desde o primeiro dia da guerra —há elementos neonazistas em setores militares e políticos ucranianos.

O texto fala também na formação de comitês humanitários e troca de prisioneiros, mortos e reféns de lado a lado, inclusive crianças.

Não fica claro se isso incluirá as crianças retiradas das zonas de combate no leste da Ucrânia e levadas para a Rússia, que fizeram o Tribunal Penal Internacional emitir um mandado de prisão contra Putin.

Por fim, o acordo prevê um cessar-fogo imediato quando tudo estiver acertado, outra vitória de Moscou, já que Zelenski queria a trégua antes do debate dos termos.

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